A deusa grega, Nice, da vitória precisa abrir as asas sobre as cidades brasileiras
que carecem de um estádio para pôr em movimento
a próxima Copa do Mundo
Bem antes de o meia espanhol Iniesta desferir o golpe mortal sobre a Holanda na final da Copa do Mundo da Fifa, em Joanesburgo, os brasileiros já contabilizavam os custos e os borderôs para pôr em ação a vigésima edição do evento, a quinta na América do Sul, 36 anos depois que a Argentina sediou o campeonato, em 1978. Antes foram o Uruguai em 1930, o Brasil em 1950 e o Chile em 1962. Daqui a quatro anos – ou três para as que vão sediar a Copa das Confederações ou dois como quer a Fifa – 12 cidades terão de tirar o atraso e resolver a obra, reforma, demolição ou licitação do estádio ou arena que será palco dos confrontos entre as seleções, com ou sem a ajuda das divindades do esporte.
Entre os casos mais graves estão São Paulo, com o veto ao Morumbi, Natal e Curitiba, que podem ser excluídas. O Brasil tem experiência em atropelo e obras concluídas na última hora. Na correria, explode os orçamentos, dispensa licitações e abandona qualquer preocupação com a qualidade das obras. E ainda será preciso contabilizar os investimentos previstos pelo governo, em mobilidade urbana (R$ 11,6 bilhões), reformas e melhorias em aeroportos (R$ 5,6 bilhões) e portos (R$ 700 milhões). Para os estádios, a linha de crédito do BNDES prevê R$ 5,7 bilhões. A África do Sul ainda não fechou os números mas as estimativas iniciais apontam para um valor total na casa dos R$ 8,4 bilhões, distribuídos em dez cidades.
Em 2006, quando as discussões sobre a candidatura do Brasil como sede da Copa do Mundo davam os primeiros sinais, a empresa de engenharia de projeto Figueiredo Ferraz começou a orçar projetos para a construção de estádios com capacidades para 30, 50 e 70 mil pessoas, seguindo as normas da Fifa. Para isso, chamou o arquiteto Nadir Curi Mezerani, um parceiro desde os tempos do engenheiro Roberto Zucculo, por volta de 1965. Dessa colaboração nasceu uma ideia que pode servir a muitas cidades brasileiras, sedes ou não de jogos da copa: o estádio em pré-moldado. "As normas da Fifa ou do BNDES, para os atuais e futuros estádios que vão usar a linha de financiamento, são como códigos de obras. Não representam desafios de projeto. A preocupação é com a implantação urbanística", afiança Mezerani, titular do escritório paulistano Nadir Curi Mezerani Arquitetura Urbanismo.
No passado, obras públicas de grande porte como estádios de futebol e museus sempre foram pontos de destaque em final de grandes e tranquilos boulevards. Exemplos como o Museu do Ipiranga ou o estádio do Pacaembu, em São Paulo, provam como a dinâmica das cidades inverteu esse valor. "Um péssimo exemplo disso seria o estádio do Morumbi, um ruído – semântico – no meio urbano, um incômodo pelo grande número de pessoas com impactos nocivos ao ambiente, da volumetria até a poluição sonora e os densos fluxos de veículos", diz Mezerani. Daí, o desafio da implantação.
O estádio Cícero Pompeu de Toledo, no bairro do Morumbi, foi projetado pelo arquiteto curitibano João Batista Vilanova Artigas, em concreto protendido, numa época em que o local escolhido era uma ilha cercada de vegetação. As obras começaram em 1953 e, com o passar dos anos, o adensamento urbano progressivo, cercou a antiga ilha de tranquilidade em uma zona de residências e outras edificações, o que inclui um dos maiores hospitais particulares do País, em uma região de acessos congestionados. Quando foi inaugurado, em outubro de 1960, recebia um público marcado pelas convenções da época, de terno e chapéu. Hoje, recebe torcidas organizadas e frequentadores de mega shows, cujo comportamento predador tem exigido, para a antiga construção, uma série de reformas, sobretudo, de reforço estrutural.
Mas para construir um estádio, não basta apenas um bom terreno, de 320 por 320 m. O melhor seria garantir um uso mútiplo para grandes fluxos ou imensas aglomerações com praça de alimentação, centro de convenções e exposições, prédios de estacionamento ou um parque coerente com grandes volumes de concreto pré-moldado e aço. A primeira simulação para o estádio encomendado pela Figueiredo Ferraz ficava na Vila Maria, na Marginal do Tietê. "Mas os melhores terrenos para a construção de um estádio novo em São Paulo seriam o atual parque Vila-Lobos, o local onde hoje funciona o Ceasa e em Pirituba", avalia o arquiteto. Dependendo da concentração urbana e a capacidade do estádio vão variar a altura dos volumes construídos, os acessos e as necessidades de controlar o som com paineis.
Para uma margem de tempo de obra por volta de dois anos, um estádio nesses moldes poderia custar R$ 250 milhões, para o de 30 mil pessoas, R$ 300 milhões, para o de 50 mil, e R$ 450 milhões para o de 70 mil, um pouco mais para as versões com estacionamento no subsolo, que precisam de um centro no gramado para escoar água. "Pelos cálculos da Figueiredo Ferraz, uns 500 minicípios precisariam de estádios novos. Se 30 desses municípios se interessassem pelo ideia, isso viabilizaria uma economia de escala capaz de fazer cair bastante o custo", explica Mezerani. "Se a opção for por um só, a vantagem está na velocidade. Enquanto negocia o terreno, uma ou mais fábricas constroem as peças pré-moldadas."
O projeto abre mão de qualquer grandiosidade ou aquele apelo quase sensual como o do estádio Nacional de Beijing, o Ninho de Pássaro, do escritório suíço Herzog & de Meuron, ou o Soccer City de Joanesburgo, dos arquitetos sul-africanos Boogertman e do americano Populous. Dois apoios, dois balanços, arquibancada e circulação de carros definem o estádio em pré-moldado como pilhas de discos menores sustentando a arena circular que contém o gramado. A cobertura metálica com chapa perfurada e telha sanduíche substitui a solução de arquibanca em aço que encarece muito devido às necessidades de proteção do fogo. As rampas para carros e espectadores são intercaladas em diâmetros iguais e rampas diferentes.
Para seguir as normas da Fifa e do BNDES, paineis solares na cobertura geram energia para a iluminação. Calhas e juntas recolhem a água da chuva, armazenam e conduzem aos aspersores para irrigar a grama e aos banheiros. Os grandes problemas, segundo o arquiteto – que, no momento, está projetando o plano diretor da usina São Manoel e o projeto do teatro e centro de convenções de Botucatu – serão a conservação e a gestão do estádio. "O Brasil deu essa empolgação, do futebol ao mundo e é celeiro de pessoas hábeis. Seria n
atural supor que o governo se preocupe em construir estádios multiuso e um desses usos pode ser escolas ou até faculdades", conclui Nadir Mezerani.
Fonte: Estadão