Os prejuízos causados pelos projetos que não saem do papel

Assim como há os documentos cuja divulgação é anunciada, mas que continuam sob sigilo eterno, há também os projetos cujas obras são amplamente prometidas, mas que nunca saem do papel, por mais que a sociedade as reivindique. A comparação pode parecer aleatória e talvez, para alguns, um tanto forçada. No fundo, sabe-se que ela reflete a verdade e que, se acaso tornar-se motivo para uma pesquisa acurada, vai mostrar o fio da meada do descaso com que muitos projetos, absolutamente prioritários, são eternizados no papel, alguns deles até para justificar sucessivas tomadas de empréstimos para obras que nunca são concluídas.
Não podemos citar o caso do Programa de Despoluição da Baia de Guanabara (PDBG), objeto da matéria de capa desta edição, como exemplo isolado. Há vários outros. Mas está óbvio que ele, assim como a eterna despoluição do rio Tietê, em São Paulo, folclorizam essa questão e acabam fazendo parte, compreensivelmente, do anedotário popular.
Entendemos que projetos prioritários jamais poderiam ficar esquecidos nas prateleiras a fim de serem sacados de lá apenas naquelas ocasiões convenientes em que o administrador de plantão é acionado para aparecer na mídia e ganhar espaço no noticiário. Veja-se o caso do Rodoanel paulista: o projeto, prioritário na época de sua elaboração, lá pelos anos 1970, só recentemente começou a ser construído e ainda se encontra inconcluso. Da mesma forma, o projeto do Ferroanel. E, se quisermos outros exemplos, temos aí o caso da segunda pista da Imigrantes, construída só depois que a iniciativa privada foi mobilizada como concessionária pelo governador Mário Covas para tirar o projeto do papel.
O descaso com as obras prioritárias reivindicadas pela sociedade chega às raias de um cinismo monumental. O metrô de Salvador é ilustrativo do que falamos. Iniciado há mais de 12 anos, tem apenas 6 km construídos e ainda não está em operação, em uma cidade esparsa, com seus núcleos urbanos dispersos, à exceção da região central, e que poderia servir amplamente os bairros periféricos. Falamos de Salvador, assim como podemos falar de Fortaleza, de Belo Horizonte e de tantas metrópoles mais, incluindo o Rio de Janeiro e São Paulo como exemplos maiores.
Na capital paulista, o metrô, defasado no tempo e no espaço, não tem como justificar seus acanhados 70 km de linha, diante de outras cidades do mundo que iniciaram as obras do metropolitano na mesma época – fins dos anos 1960 – quando o prefeito Faria Lima bateu na mesa e decidiu iniciar as obras do traçado Norte-Sul.
Mas chegamos ao período em que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014 e, o Rio de Janeiro, para sediar a Olimpíada de 2016. Houve uma movimentação frenética de empresas de engenharia e de órgãos oficiais sinalizando obras em todas as áreas, quando os chamados projetos eternos foram descobertos nas prateleiras e colocados à mostra. É como se aquelas datas constituíssem o "Abre-te Sésamo" da infraestrutura brasileira.
Na esteira dessa tardia vontade política de fazer as obras que já deveriam estar sendo feitas, ou que já poderiam estar concluídas, aparecem os indícios de que, por trás disso tudo, pode haver distorções e interesses políticos. É o caso do chamado Regime Diferenciado de Contratações, o RDC, colocado como essencial para acelerar as obras da Copa e da Olimpíada.
Nesse meio de campo ainda não se cristalizou a ideia de uma gestão moderna, feita por profissionais treinados e empresas especializadas, on line, dos empreendimentos que deverão garantir o êxito daqueles eventos esportivos internacionais. E não se fala, sequer, no âmbito da chamada Autoridade Olímpica, da contratação de empresa de engenharia altamente capacitada para o gerenciamento dos trabalhos cuja complexidade aumentam, na medida em que as obras não aparecem.
Londres fez exatamente isso há sete anos e está em vias de concluir o complexo olímpico um ano antes dos jogos de 2012. A população pode monitorar as obras, por intermédio de sistema de webcam que opera 24 horas por dia.
Em linhas gerais, o RDC é uma forma de driblar a ação do Tribunal de Contas da União (TCU) ou de outros órgãos de vigilância da sociedade, sob o argumento de que, se não for assim, as obras não serão concluídas no prazo. O RDC, com todas as suas justificativas, plausíveis ou não, acaba constituindo um perigo. Como todas as distorções, ele corre o risco de eternizar-se. Afinal, o uso do cachimbo deixa a boca torta.
Fonte: Estadão

Deixe um comentário