Parar de errar já – para que plano futuro tenha crédito

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Álvaro Rodrigues dos Santos*

Como sugere o Plano São Paulo 2040, imaginado pela atual administração da cidade de São Paulo, será sempre necessário e correto mirarmos a cidade que desejamos, para que decisões e ações públicas e privadas de planejamento e gestão sejam organizadas e implementadas de forma sinérgica, de acordo com os objetivos então buscados.
Porém, a história de nossas cidades, e em particular daquelas que compõem a Região Metropolitana de São Paulo, tem mostrado que os planos traçados, por mais ambiciosos e elogiáveis que tenham sido, não se refletiram na cruel realidade da gestão cotidiana dessas urbes, implicando não só no completo esquecimento de suas propostas, como no contínuo agravamento dos colossais e crônicos problemas de infraestrutura.
E não foram poucos, especialmente a partir da década de 1920 do século passado, os planos propostos para a cidade de São Paulo e para a metrópole paulistana, originados sempre de eminentes engenheiros e urbanistas: Fonseca Rodrigues, Saturnino de Brito, Ulhôa Cintra, Prestes Maia, José Carlos de Figueiredo Ferraz, Jorge Wilheim… Mas o fato é que, frente aos desafios implícitos e explícitos dos mais variados planos, prevaleceu sempre o acomodamento dos poderes municipais à inglória tarefa de administrar cosmeticamente as tendências espontâneas do desenvolvimento urbano, definidas pelo descaso em relação a uma melhor regulação técnica da expansão urbana e por interesses comerciais mais imediatos e politicamente atuantes.
Hoje, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) se nos apresenta como um horroroso Frankenstein urbano, seja sob que ângulo e ótica a avaliemos.  A fatura social e econômica desse desuso de um planejamento mais elaborado e efetivamente implementado é altíssima, colocando-nos em situação dramática frente aos principais problemas da infraestrutura urbana.
Foquemos, como exemplo desses magnos problemas, o fenômeno das áreas de risco geotécnico e das enchentes, essas a cada ano mais frequentes, de maior distribuição geográfica e de maior dimensão hidrológica. Pois bem: hoje não há dúvida alguma sobre o diagnóstico causal de nossas enchentes, e que pode assim ser definido: “volumes crescentes de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas, incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais”.

Essa terrível equação hidráulica é sustentada e originada da prática secular de uma cultura técnica e urbanística radicalmente equivocada frente às características naturais do meio físico atingido pela urbanização. São elementos básicos dessa cultura técnica equivocada: a generalizada impermeabilização dos espaços urbanos públicos e privados, a excessiva canalização de rios e córregos, a engenharia de áreas planas, com a qual, via extensos e intensos serviços de terraplenagem, avança-se sobre as regiões periféricas de topografia acidentada em um total descompromisso com os processos erosivos correlatos e com a multiplicação de áreas de risco geotécnico, e o crescimento por espraiamento geográfico, com o que seguidas porções do território, incluindo seus mananciais de água, são incorporados à tentacular e temerária mancha urbana metropolitana.
Decorrência direta, enormes e crescentes volumes de águas pluviais superficiais sobrecarregando sistemas naturais e construídos de drenagem (córregos, rios, galerias, bueiros…), cuja limitada capacidade de vazão é adicionalmente comprometida pelo aporte de imenso volume de sedimentos oriundos das erosões periféricas (assoreamento).
Frente a esse quadro, por mais incrível e absurdo que possa parecer, a cidade continua a crescer cometendo os mesmos erros causais básicos que estão na origem dos fenômenos das enchentes e áreas de risco geotécnico, consubstanciados na equivocada cultura técnica antes referida. Ou seja, aquela mínima, elementar e cristalina decisão inicial do parar de errar não foi adotada, nem sequer pensada, desqualificando qualquer prognóstico mais otimista a respeito do futuro.
A situação atual da RMSP é, sob essa abordagem, dramática, exigindo de nossos homens públicos – administradores e planejadores urbanos – de uma parte, humildade, e de outra, corajosas e radicais decisões para o cotidiano imediato das cidades.

*O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos foi diretor de Planejamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), é consultor em Geologia e Geotecnia e autor de vários livros, entre eles “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática” e “Diálogos Geológicos”.
 

Fonte: Padrão


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