Aquarta pista (D) da fase recente de ampliação do aeroporto Haneda, em Tóquio, Japão, teve sua concepção originária de uma conferência de especialistas independentes, que optaram por construí-la sobre um aterro ligado a uma estrutura idêntica a uma plataforma offshore, que mantém livre a vazão do rio Tama em sua foz, localizada justamente próximo da obra.
Como ocorre com a maioria dos aeroportos metropolitanos, Haneda estava saturado em termos de capacidade de pouso e decolagem, quando a construção da pista D foi decidida. Esta aumenta a capacidade do aeroporto, de 296 mil operações de pouso e decolagem, para 407 mil.
A ampliação permitiu que ele mantivesse sua condição de hub interligando cerca de 50 aeroportos domésticos no Japão, bem como Seul, na Coreia do Sul, Xangai, na China, e outras capitais vizinhas. O segundo aeroporto de Tóquio é Narita, dedicado a voos internacionais de longa duração.
Para agilizar o processo todo, uma conferência de especialistas independentes foi realizada avaliando-se os métodos de construção — tipos píer-portuário, aterro e píer e estrutura flutuante. Ao mesmo tempo, a modalidade de licitação do projeto e construção por um valor total foi adotado para a obra, a fim de assegurar que os custos de construção e os termos propostos na fase de projeto pudessem ser cumpridos. Como a empresa vencedora vai desenvolver o projeto básico e propor as soluções técnicas, além de executar os trabalhos de construção após a assinatura do contrato, todos os riscos são de sua responsabilidade.
Na figura 1, pode-se ver o traçado da pista D que tem 2.500 m de extensão, sobre a “ilha” de 3.120 m. Como está na foz do rio Tama, a estrutura precisa preservar o fluxo d´água. O nível da pista está fixado na cota AP+17,1 m (altura máxima) na extremidade da faixa de navegação número 1 do porto de Tóquio, reduzindo a interferência sobre a passagem dos navios, e na cota AP+15 m na ponta perto do rio Tama. No sentido vertical, a pista de taxiamento ligando a pista D ao aeroporto existente apresenta um greide descendente suave a partir da ilha, chegando à cota AP+7,3 m no outro lado.
Para a construção foi contratada um consórcio de 15 empresas, liderado pela Kajima Corp. Para a obra, foi adotada a solução de aterro e píer, em vista de numerosas aplicações de sucesso nesse tipo de obra. O conjunto de obras inclui a pista de 2.500 m com taxiamento, o acesso ligando a pista ao aeroporto atual, uma ponte de iluminação e instalações de apoio e segurança. O cronograma é rigoroso e detalhado para não afetar as operações do aeroporto. A pista D entrou em operação em fins de outubro de 2010.
Vista aérea da pista D e vistas laterais onde se destacam as estacas cilíndricas
Estrutura do píer construída com jaquetas
Este tipo de estrutura é comumente usado em plataformas petrolíferas offshore e obras portuárias, sendo esta sua primeira aplicação em pista de aeroporto no Japão. A estrutura de jaquetas da ilha, cujo restante foi executado sobre aterro, mede 520 m de largura e 1.100 m de extensão, com uma área de cerca de 520 mil m². Como está próxima da foz do rio Tama, foi necessário minimizar o impacto das obras sobre a vazão d’água. No lado offshore da ilha, a profundidade é de AP-19 m, já no lado do aeroporto, onde fica o taxiamento sobre o acesso a ser construído, é de AP-14. A camada superficial de 20 m do solo consiste de argila mole, seguida pela camada de suporte de areia dura ou cascalho, que vai até AP-80 m.
A estrutura do píer foi projetada com placas de piso de concreto apoiadas sobre a estrutura de jaqueta, formada por uma estrutura superior de vigas de aço, uma inferior treliçada montada com tubos, e as estacas de fundação (figura 2, abaixo). Placas pré-moldadas de concreto são usadas no centro do piso, com lajes de concreto reforçado com fibras (de resistência ultraelevada) na periferia.
Revestimento de titânio protege as estacas das águas salinas do mar
O desenho do píer prioriza manter a vazão do rio, de acordo com a regulamentação oficial. A carga máxima assumida no projeto equivale a um avião Airbus 380 com peso máximo de decolagem de 400 t, de modo que a relação carga viva/carga morta exceda os parâmetros típicos de pontes rodoviárias. Além disso, a estrutura superior de vigas de aço deve suportar efeitos de deflexão e ter resistência à fadiga de 100 anos.
O projeto do píer prevê ainda integrar as estruturas superior e inferior. Do ponto de vista funcional, o píer funciona como uma estrutura estaticamente indeterminada, o que exige a avaliação dos esforços induzidos pela temperatura e contramedidas estruturais.
Como pré-requisito do projeto, três níveis de movimento sísmico foram considerados: nível 1 – aceleração máxima da fundação de 350 gal; nível 2 – 390 gal; e nível 3, em cenário de terremoto, de 487 gal. A resistência e capacidade de deformação dos membros estruturais do píer são influenciadas pela localização do píer sobre solo mole. Como fica em ambiente marinho e corrosivo, os custos de manutenção ao longo do seu ciclo de vida dependem de medidas adequadas de proteção. A proximidade com as pistas A e C de Haneda obrigou também a severas restrições de segurança nas etapas de construção.
O arranjo das estacas
Para manter a vazão do rio, as estacas cravadas na área da foz seguem um desenho treliçado e o intervalo entre elas mede 31,5 m no sentido da pista, o menor conforme determinado pelas normas técnicas. No sentido perpendicular, o intervalo entre estacas ficou em 15 m. Foram instaladas um total de 1.165 estacas na estrutura do píer, na sua maioria com diâmetro de 1,6 m.
As jaquetas que suportam a estrutura offshore da pista D
Optou-se por estacas retas, que foram primeiro cravadas e cobertas a seguir com uma jaqueta fabricada
no canteiro, invertendo o processo tradicional por causa das limitações de altura dos equipamentos na obra.
A estrutura superior de vigas também é treliçada, unindo estas às pernas das jaquetas, seguindo uma malha de 3,75 m X 3,75m, para suportar as lajes do piso. As vigas de seção I tinham alturas de 2,5 m e 2 m, dependendo da carga de trabalho. Placas de fechamento foram colocadas sob as vigas para reduzir os efeitos de corrosão e há um controle de umidade neste espaço.
Para preservar o fluxo do rio, os braços de reforço da jaqueta foram posicionados à cota AP-4,5 m ou abaixo, adotando-se elementos auxiliares no lugar dos braços quando próximo à superfície d’água. Esse arranjo da jaqueta é diferente do arranjo tradicional. Mas se mostrou eficiente para reduzir os esforços induzidos pela variação da temperatura e em resposta a forças sísmicas, alem de reduzir as áreas que demandam proteção anticorrosiva, especialmente nas zonas afetadas pela maré e impacto das ondas.
O tamanho-padrão das jaquetas fabricadas no canteiro mede 63 m X 45 m — arranjo de seis pernas — limitado pelas restrições impostas por motivos de segurança das pistas existentes de Haneda, sobre os guindastes embarcados e barcaças de transporte. No total, 3.198 jaquetas foram montadas para o píer e o peso máximo atingiu cerca de 1.650 t, incluindo equipamento auxiliar. Cada jaqueta instalada é integrada no sítio pela união às vigas da estrutura.
O peso dos aviões e cálculo da fadiga
De acordo com as especificações técnicas, a carga de impacto dos aviões foi fixado em 0,4 na pista e 0,3 no taxiamento. Ao calcular a força secional e de deflexão dos membros da estrutura, um modelo em 3D foi utilizado, em que as vigas de aço e os tubos das jaquetas foram substituídos por um elemento único. As vigas alinhadas longitudinalmente à pista, suportando as lajes pré-moldadas do piso, a rigidez do elemento foi calculada como vigas compostas, formadas pelas lajes do piso e as vigas de aço; as outras vigas foram modeladas como não compostas. A deflexão provocada pelos aviões era pequena – 6 mm (relação do vão de suporte 1/2500) – na seção da pista.
O cálculo da fadiga seguiu as diretrizes sobre fadiga de pontes metálicas, da Japan Road Association. Nas pernas superiores, o esforço hot-spot foi calculado pela análise FEM. A modelagem da análise FEM e do cálculo do esforço hot-spot seguiram as normas do IIW-Instituto Internacional da Solda. Na seção do nó da jaqueta inferior, o esforço hot-spot devido à carga dos aviões e impacto das ondas do mar foi calculado pelas normas do Coastal Development Institute of Technology. O fator 3 de segurança por fadiga foi aplicado às jaquetas submersas.
As juntas de dilatação foram distribuídas na interface entre a estrutura superior e a inferior, dividindo-se o píer em dois conjuntos para permitir deformações independentes provocadas pela temperatura. O bloco principal do píer mede 840 m x 520 m e foi projetado considerando-se uma gama de temperatura de +20°C a -30°C. Nesta condição, a deformação na extremidade seria de 150 mm — cujo valor se explica pela camada superficial de solo mole no leito do mar no qual as estacas estão cravadas e a baixa rigidez lateral do píer conforme projetado.
Conforme o projeto, na maioria dos fenômenos sísmicos, a estrutura do píer receberia danos ligeiros e a estrutura superior onde os aviões operam permaneceria íntegra no limite de elasticidade. A resistência sísmica foi verificada por ensaios numa seção representativa da estrutura da pista.
Características do subsolo
No sítio do píer, a camada superficial de 20 m é de argila mole, seguida por argila que vai até a cota AP-60 m. Abaixo, há uma camada onde se alternam solos arenosos e argilosos. Na cota AP-80 m, fica a camada 5-S, que servirá de suporte, de solo arenoso ou cascalho, cujo valor N atinge 50 ou mais.
Como na mesma época estava em construção a ponte da Baía de Tóquio, na mesma região do aeroporto Haneda, que empregou estacas de 1,5 m — contra 1,6 m de diâmetro das estacas da pista D, os ensaios realizados na obra da ponte foram considerados válidos. Foi fixada que a profundidade a ser alcançada pela estaca do píer equivale a três vezes seu diâmetro. De qualquer maneira, testes de carga foram efetuados no local.
Das alternativas de terem juntas entre jaqueta e estaca soldadas ou grauteadas, esta última foi adotada em vista da cota da cabeça da estaca ficar a AP+3 m, abaixo do topo da jaqueta. Neste caso, a nata de cimento ou argamassa preenche o espaço entre as pernas da jaqueta e as estacas, integrando a estrutura. Para aumentar a resistência ao cisalhamento, “chaves” são posicionadas nas superfícies das pernas das jaquetas e estacas, numa faixa de 5 m dentro da zona a ser grauteada, onde as forças axiais seriam transferidas às estacas.
Proteção anticorrosiva
A seção do píer é coberta por lajes extensas de piso, num ambiente severamente corrosivo onde sais marinhos particulados se aderem à estrutura e não são eliminados pela chuva. Sendo posicionada offshore, a manutenção rotineira é difícil. O aço estrutural é revestido por aço inoxidável resistente à água marinha, impacto e desgaste, utilizando um método com crescente aplicação em estruturas offshore. Esse tipo de superaço inox, SUS312L, deve sua alta resistência à corrosão por pitting pelo maior teor de cromo e molibdênio. A espessura da placa de inox mede 0,4 mm, instalada por costura indireta e solda plasma.
Além disso, placas de cobertura foram instaladas numa extensa área para proteger as vigas de aço superiores, mais expostas à corrosão, e as plataformas destinadas aos serviços de manutenção. Elas protegem a superfície inferior e as laterais das vigas de aço que se encontram na periferia do píer. São painéis de titânio com uma capa externa de altíssima resistência à corrosão, com um núcleo de materiais de poli-isocianurato e capa interna de aço. Esses painéis mede
m 1 m de largura por 11 m de extensão, fixados por dispositivos de aço.
No espaço interno, entretanto, sabe-se que a condensação provocado pelo ar que se infiltra vai gerar corrosão nas vigas. Para manter a umidade do ar abaixo de 50%, há um sistema de desumidificadores, insufladores de ar e dutos, que forçam a circulação de ar seco previamente tratado — conforme ensaios feitos em modelo.
A proteção catódica do tipo anódico, usada com sucesso em portos, foi incorporada na parte submersa e subterrânea do píer. A vida prevista dos anodos atinge 35 anos e cerca de 16 mil destes foram instalados no píer todo. Extensos testes foram realizados durante o período de construção, como de carga nas estacas, características de vibração das jaquetas e movimentos sísmicos, sendo esses resultados retroalimentados ao projeto estrutural e métodos construtivos em curso.
Fonte: Revista O Empreiteiro