Política para mim é esperança

“Esperança e planejamento são duas palavras do meu fazer como administrador, desde que me iniciei na vida pública. Entendo que administrar é transformar. E foi isso que fiz nos anos 40 em Belo Horizonte. Eleito prefeito daquela capital, tive um encontro com o Rodrigo Melo Franco de Andrade, então diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com quem conversei sobre um plano de mudanças urbanas. Ele me aconselhou a procurar o Oscar, caso quisesse mesmo realizar alterações profundas na fisionomia da cidade.

Oscar Niemeyer foi um dos meus maiores colaboradores. Ele me ajudou a transformar a barragem de Pampulha em ponto turístico e de lazer para a classe média local. O que eu pretendia era construir ali um restaurante debruçado sobre as águas e, na curva formada pelo morro vizinho, erguer uma igreja sob a invocação de São Francisco, o mesmo patrono do velho templo de minha terra natal, Diamantina.

Ao longo das margens do futuro lago seriam construídos outros edifícios, dando o arremate arquitetônico indispensável à unidade do conjunto. A partir dessas idéias, Niemeyer me ofereceu uns rabiscos que, em princípio, não entendi, mas que foram ganhando forma. Todos aqueles rabiscos resultaram na plasticidade modernista incomum da Pampulha, que ganhou renome nacional e internacional. Mas as mudanças de Belo Horizonte não se limitaram à Pampulha: estenderam-se por toda cidade, que eu queria ver estuante, forte, em reboliço, aberta para a melhoria da qualidade de vida da população.

Lúcio Costa, que depois me ajudaria a planejar Brasília, esteve em Pampulha pelas mãos do Oscar. E muitos artistas nos ajudaram naquela composição. Santa Rosa se dispôs a fazer a decoração interna do conjunto, enquanto Burle Marx e Portinari se preocupavam com os quadros, o paisagismo, o painel da igreja de São Francisco.

Mas a política, sendo esperança, é dinâmica. Chegamos naqueles anos de 1950, quando o Brasil possuía 52 milhões de habitantes, 33 milhões dos quais vivendo em zonas rurais. O País queria crescer, construir, multiplicar-se. Energia e transportes formou o binômio dos meus discursos, encampado pelo PSD, que homologou a minha candidatura ao governo do Estado de Minas Gerais, depois que recebi, de Benendito Valladares, convite para esse fim. Em minhas andanças por todo o estado, eu falava, sim, de construir usinas, fábricas, hidrelétricas, estradas, escolas, estabelecimentos para o ensino técnico, produção de adubos.

Sempre fui contra o imobilismo sorna, sem frutos, de gente que vive na pasmaceira cômoda, sem querer acordar, se mexer. Procurava dar o exemplo: inaugurei minha campanha ao governo mineiro visitando 168 municípios em 60 dias. Saía dos comícios para bailes, onde ficava até as 5 da manhã, acordava às 7 e reassumia o ritmo da campanha. Num pequeno Bonanza cruzei esses céus de Minas acompanhado do Ribeiro Pena, então vice-governador, Osvaldo Penido e do jornalista José Moraes, meu futuro secretário de Comunicação no governo mineiro. Lembro do Tancredo Neves. Quando estive em São João Del Rei, ele me arrancou o compromisso de construir a usina de Itutinga no Rio Grande, com capacidade para 40 mil quilowatts.
Diplomei-me governador no dia 4 de janeiro de 1951, consciente de que naquele momento começava a minha trajetória em direção à Presidência República.

Um historiador, Murilo Badaró, generoso demais em suas análises, registra que a grande mudança que introduzi na maneira de se fazer política no Brasil, primeiro em Minas e, depois, no governo da República, foi o estilo. Ele diz que eu acendi de vez todas as luzes do velho Palácio da Liberdade; estradas se abriam por todos os espaços, usinas começavam a quebrar a monotonia da economia estadual, máquinas e tratores rompiam o sossego das matas e montanhas. Generosidade do Murilo. Quem sofria com esse meu estilo era a Sarah, que para me fazer lembrar da hora do jantar, lançava mão do expediente de mandar minhas filhas, perto das 9 da noite, para o salão despachos. Diante delas, me rendia: suspendia o trabalho para atender ao chamado de minha mulher.

Para retirar os municípios do isolamento secular em que se encontravam comecei a fazer rodovias. Mandei que elaborassem um programa rodoviário, de modo a interligar todos os municípios. Não tinha sentido uma cidade, por menor que fosse, viver desconectada uma da outra. Dentre as empresas que na época construíam obras no Estado estavam a Construtora de Estradas, Companhia Mendes Júnior, Construtora Rabelo, do Marco Pólo Rabelo, Construtora Andrade Gutierrez e a Nacional Construtora, nomes deram origem às grandes construtoras de Minas Gerais.

Enfim, chegamos àquele ano de 1956, quando fui eleito presidente da República reunindo o PSD e o PTB na chapa em que ficou ao meu lado o senhor João Goulart. Foi o resultado de uma grande jornada cívica, marcada pelas tensões provocadas pelas tentativas de instabilidades do processo democrático. Eleito, busquei o equilíbrio político a qualquer custo, de olho no mercado interno e na política internacional.

Sabia que a urbanização, a alfabetização, a educação, a expansão dos meios de comunicação, a intelectualidade voltada para as inovações nas artes, tudo isso contribuía para ampliar a consciência política dos brasileiros. Não seria fácil governar para uma população que naquele período tinha uma renda per capita de apenas 137 dólares.

O café, havendo esgotado o humo da zona sorocabana, investira para o sul, impondo a abertura de imensas lavouras no Paraná. Minas, após o meu governo, respirava pelos pulmões de 3 mil km de estradas que eu construíra e começara a acionar as polias de suas primeiras fábricas, tornadas possíveis pela energia elétrica proporcionada pela Cemig. O sul, no Rio Grande, beneficiado por grandes financiamentos agropecuários autorizados por Getúlio Vargas, via seus rebanhos crescerem. A única falha, nódoa sempre presente naquele conjunto de perspectivas animadoras, era o Nordeste. Epitácio Pessoa havia tentado enfrentar o problema do subdesenvolvimento da região, mas com o término de seu mandato, paralisaram-se as obras que ele procurara realizar. Assim, o meu governo teria de forçar o Brasil a passar para a industria pesada: obrigá-lo a trocar as pequenas manufaturas pela produção de aço e de outros metais; pela química de base e pelos demais produtos intermediários. Para resolver o problema da seca, da energia e da industrialização no Nordeste, criei a Sudene.

Celso Furtado e vários outros colaboradores – que não eram meus colaboradores, mas
homens abnegados que pensavam o País – me ajudaram na montagem do Plano de Metas, com o qual pretendia construir 50 anos em cinco. Não, ele não era um plano inflacionário, como então se dizia. Os próprios fatos desmentiram isso. Meus opositores achavam que eu não estava preparado para realizar, em meu governo, um grande esforço de desenvolvimento econômico, simultaneamente com a luta
contra o problema da inflação. Mas eu estava preparado. Tanto assim, que dei curso às obras de que o Brasil necessitava, incluindo a mudança da capital da República, para o Planalto Central.

O Plano de Metas, é bom esclarecer esse ponto, foi montado para implementar decisões de poder público quanto a políticas de desenvolvimento: consolidar a industrialização com a instalação de indústria pesada, principalmente a automobilística; multiplicar as plantas siderúrgicas e desenvolver a construção naval e os transportes, necessários à modernização da agricultura. Pensando em tudo isso, trouxe para o Brasil a Verolme, a Ishikawajima, a Niigetabras, e a Ellicor, e ajudei a ampliar os estaleiros Mauá, Emaq, Caneco e Aratu. A fabricação de chapas grossas em Minas foi decisiva para esse fim.

Enquanto o Plano de Metas era implementado e realizado, eu sobrevoava o Planalto Central em todas as direções. Conhecia, quilômetro a quilômetro, a planura sem fim do cerrado. A construção de Brasília ali seria a etapa mais importante do esforço de integração do País. Um sonho que vinha de longe, antes mesmo da transferência da capital de Salvador, para o Rio de Janeiro, em 1763. Anotei em meus registros que certa ocasião, no tempo do Marquês de Pombal, o cartógrafo goiano Francisco Tosi Colombina já havia percorrido todo aquele planalto e se propusera a abrir um caminho, a partir de São Paulo, até Cuiabá, passando pela Vila Boa de Goiás, antecedendo de dois séculos – vejam só – a estrada Santos-Brasília, projeto que, no entanto, nunca se realizou.

A construção de Brasília foi uma epopéia brasileira. Lúcio Costa costumava dizer que ela nasceu de um gesto de quem assinala um lugar ou dele toma posse: os eixos se cruzam em ângulo reto, formando o sinal-da-cruz. E, depois, com Niemeyer, a inteligência brasileira da engenharia e da arquitetura ali se completou e se internacionalizou. Israel Pinheiro foi outro grande maestro que me ajudou a tocar aquela obra.

Com todas as obras que fiz, me chamaram de presidente que provocou inflação. Pois digo o seguinte: o Brasil estava, há muitos anos, muito anos antes do meu governo, a esperar que acontecesse o que aconteceu: obras da infra-estrutura necessária para a garantia da liberdade econômica. E o povo brasileiro está satisfeito com o que o meu governo pôde fazer.

Não, não construí apenas Brasília. Investi maciçamente em energia realizando as obras de Três Marias, explorando o potencial da hidrelétrica de Paulo Afonso e cuidando da primeira etapa de Furnas. Voltei-me para as possibilidades da energia nuclear, com a instalação de um reator de pesquisas no Instituto de Energia Atômica na Cidade Universitária, em São Paulo. Aumentei a produção do carvão mineral e a capacidade de refino do petróleo, que passaria de 130.000 bb/d, em 1955, para 308.000 bb/d em 1960. O meu governo investiu US$ 239 milhões no reaparelhamento ferroviário e construiu 826,5 km de ferrovias numa meta de 1.500 km; construiu 14.970 km de estradas, correspondentes a 115% da meta prevista, que era 13.000 km e pavimentou 6.202 km de estradas, quando a meta era pavimentar 5.800 km.

Procuramos, eu a minha equipe, aumentar também os investimentos na indústria de base. Em 1955 o crescimento industrial teve aumento de 96%. A capacidade de produção da indústria cimenteira, que era de 2.700.000 t em 1955, passaria para 5.000.000 t em 1960. E assim aconteceria com celulose e papel, borracha, exportação de minérios de ferro etc.
Tínhamos uma meta para expandir a capacidade física aeroviária. Resolvemos expandir e construir novos aeroportos, com a realização simultânea dos serviços de infra-estrutura correspondentes. Em 1957 houve a encomenda de três Boings B-707 e de dois Caravelle. A Panair operava no interior e a Sadia, futura Transbrasil, obteve licença para realizar transporte de alimentos. Na época, a Varig inaugurou vôos regulares para Nova York, subsidiados pelo governo.

Durante a minha administração, percorri 33 milhões de quilômetros nas viagens que fiz pelo Brasil. São quilômetros suficientes para dar a volta ao mundo 75 vezes. Permaneci no ar cerca de 5 mil horas. E, nesse período, o meu governo bateu todos os recordes em construção de hidrelétricas e na abertura de estradas. Belém-Brasília-Porto Alegre foi seguramente o maior tronco rodoviário em construção no mundo. Quando assumi a Presidência da República, o volume de água acumulada para irrigação, energia e abastecimento era da ordem de 7 bilhões de litros; ao final do governo, o volume acumulado de água para aquelas finalidades chegava a 80 bilhões de litros.

Hoje, tentam comparar a administração atual com o meu governo. É compreensível, porque tenho a consciência de que o meu legado é um parâmetro. Crescimento, no entanto, é planejamento a longo prazo. E quem projeta crescimento, tem de renunciar a tudo, para o trabalho em favor desse objetivo. E, para administrar com essa visão de futuro, é necessário assimilar e incorporar a alma dos governados. Porque a arte de governar, de mudar e crescer, não é para ninguém; é para os governador. Eles são o País.”

Fonte: Estadão

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