Poluição, descaso e mortes nos rios brasileiros

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SOS Mata Atlântica divulga estudo inédito sobre a poluição de rios e lagos. A entidade apontou que 68 corpos d’água analisados em 15 estados brasileiros estão contaminados

*Marisa Marega (SP)

A fundação coleta e analisa as amostras d´água desde 2009, mas escolheu o material recolhido entre janeiro e dezembro de 2010. Os resultados obtidos foram divulgados em fevereiro último e não são nada animadores.A qualidade da água é péssima em 4% das amostras, ruim em 28% e regular em 68%. Esse regular, segundo o geógrafo da entidade Vinicius Damazio, significa “que a água é sofrível, longe da qualidade boa”.

As amostras de 69 rios espalhados por 70 municípios foram realizadas nas cidades em que realiza o projeto “ A Mata Atlântica é aqui ”, um trabalho de conscientização em relação à poluição. Com um kit de monitoramento, procedeu-se a classificação em cinco categorias: péssimo, ruim, regular, bom e ótimo. Nenhum dos rios e lagos se enquadrou nas duas últimas classificações. O sistema utilizado toma como base o Índice de Qualidade de Água(IAQ), padrão definido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Consiste em pontuações realizadas de acordo com variáveis como temperatura, espumas, lixo, situação dos peixes, etc.

Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da Mata Atlântica, explica: “As coletas de água foram realizadas em corpos d´água de regiões urbanas, até mesmo no caso dos parques. E a principal fonte de poluição constatada foi o esgoto doméstico sem tratamento, ou com baixos índices de tratamento. A consequência mais nefasta é a quantidade de doenças de veiculação hídrica, o impacto nos ecosistemas e o empobrecimento das regiões afetadas pela poluição dos rios”.

Vinte anos atrás, a poluição dos rios era causada principalmente pelas indústrias, metais pesados, produtos químicos e cancerígenos. Agora, essa forma de poluição tem maior controle e foi substituída por outra; 70% dos elementos poluentes vêm do esgoto doméstico e outros 30% do lixo. Isso significa que a falta de conscientização das populações das grandes cidades e ribeirinhas é a responsável pelo quadro sombrio.

Os pesquisadores apontaram situação de água ruim ou péssima no rio Tietê, Paraíba do Sul e nascente do rio Bussocaba, em Osasco. O mesmo quadro se repetiu nos rios Meia Ponte em Goiânia; Maranguapinho, em Fortaleza; Paraibuna, em Juiz de Fora e Santa Maria, em Vitória. Os rios que alcançaram os piores índices foram rio Verruga em Vitória da Conquista(BA) e o lago da Quinta da Boa Vista em pleno Rio de Janeiro(RJ). De modo geral, também em cidades menores havia poluição, mas por outra causa: vestígios de adubação química das lavouras (ver quadro pag 54).

A situação encontrada pelos pesquisadores está sendo combatida em alguns estados, porém, os índices ainda preocupam. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo(Sabesp), por exemplo, investiu US$ 2,1 bilhões desde 1992 no projeto de despoluição da Bacia do Tietê, segundo informações da Secretaria de estado de Saneamento e Energia. O dinheiro foi usado na ampliação da rede de coleta e construção de estações de tratamento de esgoto. A previsão é investir mais US$ 1,05 bilhão até 2015, a fim de elevar a coleta de esgoto em 2%, dos atuais 85% para 87%. Além disso, a companhia quer aumentar o índice de tratamento de 72% para 84%. Segundo especialistas, o problema, está nas cidades que não são servidas pela Sabesp. Nelas, as prefeituras são as responsáveis, e não investem em saneamento como seria necessário.

Mananciais contaminados viram foco
de doenças

Malu Ribeiro informa que os municípios estão perdendo a vez para a poluição: “ O que mais chocou foi que, em cidades pequenas, ou em lagos dentro dos parques, as nascentes já estão contaminadas. Bacias importantes estão com a água ruim e as pessoas estão nadando ali, bebendo a água contaminada e, portanto, colocando em risco a própria saúde. Em outros locais, foi possível perceber a chamada poluição difusa, gerada pelo lixos das ruas que é levado pelas chuvas e se decompõe nos rios. Essa poluição por exemplo, é responsável por 30 da sujeira dos corpos d´água. O jeito de resolver isso é conscientizar a população”.

O professor Aldo da Cunha Rebouças, um dos maiores especialistas em hidrologia e planejamento de recursos hídricos,além de descobridor do Aquífero Guarani, faz um levantamento da situação da água no Brasil em seu livro Águas Doces no Brasil. Ele aponta que o País é o que tem mais água doce no mundo, é cortado por rios perenes que não somem na seca, tem algumas das maiores represas do mundo e chuvas em 90% de seu território. A situação de abastecimento de água é a seguinte: 65% dos estados são bem abastecidos, 25% tem problemas localizados e 10% vivem em situação crítica, sem chuvas nem políticas públicas.

Mesmo assim, há locais que tem muita água em volta, como Manaus, Belém e Recife, que sofrem racionamentos com frequência. São contradições que mostram a falta de planejamento no sistema. Além disso, o mau uso da água doce, a poluição, o desperdício e o descaso fazem com que a água boa para beber vá ficando escassa. O cálculo de pesquisadores é que os estados desperdiçam de 40% a 50% de água. No caso de Recife, o índice chega a 70%.

Os mananciais da grande São Paulo e de outras regiões metropolitanas, por exemplo, já estão comprometidos pelo desmatamento, poluição e ocupação urbana descontrolad

a e não fiscalizada. Com isso, essas cidades estão dependendo de trazer águas de locais cada vez mais distantes. São Paulo, por exemplo, precisa do rio Jaguari, que nasce em Minas Gerais e vem para auxiliar o abastecimento. O Guarujá, outro caso, no litoral paulista, obtinha água no rio Jurubatuba que nasce na Serra do Mar. Com o incremento da população e do turismo, a água já não é mais suficiente . E a cidade terá que gastar nove milhões de reais para trazer água tratada de Cubatão, através de uma adutora que vai atravessar o canal local.

A gravidade da situação

O SOS Mata Atlântica está realizando um trabalho com exposições itinerantes para sensibilizar as populações que moram na região da Mata Atlântica sobre a importância da preservação de rios e lagoas limpas. Malu Ribeiro diz que o estudo foi um alerta e que a informação é fundamental. “Precisamos convencer as comunidades ribeirinhas e a sociedade como um todo sobre o caráter indispensável da água para a vida.Ao contrário do que dizem, ela é um bem escasso que precisa ser preservado.De nada adianta ter água se ela for contaminada. ”

O professor Aldo Cunha Rebouças, em entrevista ao programa Roda Viva da Tv Cultura, disse que é fundamental que os estados informem a população sobre atitudes a tomar em relação ao desperdício de água, a importância do uso racional da água e adoção de hábitos de higiene. Para isso, ele considera necessário haver transparência dos governos estaduais.

Citou, como exemplo, duas áreas onde as atitudes ainda não foram tomadas. Estímulo à redução de gastos de água e multa para quem desperdiça. Ele citou: “ Ninguém vai quebrar um banheiro para trocar uma bacia sanitária por outra mais econômica se não houver um estímulo. No Canadá, por exemplo, em 1981, quando se criou o Programa Nacional de Uso Racional da Água, o governo reembolsava bacias sanitárias. As antigas, que consumiam 18 a 20 litros foram substituídas por outras mais modernas que gastam cinco litros. Cada um que chegava no banco e apresentava sua fatura , tinha um bônus da companhia de água.

Além disso, ele continua o raciocínio: “As pessoas também devem ter multa quando desperdiça, água. Por exemplo: ao comprar um carro de última geração, o velocímetro marca 240 km, no entanto, ninguém anda na rua a essa velocidade. As barreira eletrônicas estão lá impedindo o excesso.E quem ultrapassar o permitido tem multa, carteira apreendida, etc. Então devíamos ter multa para quem não sabe usar a água e estímulos para quem a usa corretamente”.

Outro ponto lembrado por especialistas para coibir o abuso, como lavar calçadas, é aumentar as tarifas acima de um determinado limite. Todo mundo acha a água barata e não se preocupa em economizar. Além disso, os relógios são por prédios e não individuais (como a conta de luz) então, os moradores rateiam o custo e fica ainda mais difícil controlar o esbanjamento. Num mesmo prédio, há o morador que passa o dia todo fora e usa pouca água. Mas ele tem um vizinho cuja família é de seis pessoas, que gasta muito mais e, no entanto, esse vizinho não é cobrado pelo uso a mais que faz da água”.

O professor Rebouças conta: “ No Japão a situação é muito diferente. Ao chegar num hotel cinco estrelas, quando alguém lava as mãos, se ouve o barulho da água que cai no tanque de descarga. É o reuso que o governo está estimulando na prática. Um amigo voltou apavorado com o custo da água de lá. Pagava mais por água de banho que a diária do hotel, porque a diária não inclui o custo da água. Para se ter uma ideia do desperdício no Brasil, a Organização Mundial de Saúde calcula que se o brasileiro evitar o desperdício de 10% com a irrigação, por exemplo, daria para abastecer o triplo da população brasileira”.

Descaso no saneamento e mortes

Segundo os sanitaristas, outra preocupação com relação à água vem da área de saneamento. Todos os dias, 5,4 bilhões de litros de esgoto sem tratamento são jogados no País diretamente na natureza, contaminando solo, rios, praias e mananciais, e trazendo impactos diretos à saúde da população. O número, levantado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, foi divugado no fim do ano de 2010, em São Paulo, e é mais um indicador que o saneamento ambiental no País vai muito mal. Os serviços de coleta de esgoto chegaram pela primeira vez à metade da população brasileira. E a cifra ainda foi atingida de raspão: apenas 50,9% dos brasileiros têm acesso à rede.

A pesquisa divulgada pela Oscip é a 5ª de uma série iniciada em 2008, e foi realizada em 79 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes. Nelas vivem cerca de 70 milhões de pessoas, responsáveis por gerar 8,4 bilhões de litros de esgoto diariamente. Em média, apenas 36% do esgoto gerado por esta população recebe algum tipo de tratamento. Isso porque são grandes cidades. Na periferia, em geral, a situação piora.

Um novo estudo divulgado agora em janeiro, realizado pelo ITB “ Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População”, revelou que as diarreias respondem por mais de 50% das doenças vindas de saneamento ambiental inadequado e são responsáveis também por mais da metade dos gastos com esse tipo de enfermidade. O estudo, desenvolvido pelos pesquisadores Denise Kronemberger e Judical Clevelário Júnior confirma ainda a associação entre saneamento básico precário, pobreza e índices de internação por diarréias.

O estudo fez um recorte da realidade dos 81 municípios mais populosos do país entre 2003 e 2008, a partir da compilação e do cruzamento de informações sobre níveis de coleta de esgoto, taxas de internação por diarréias e custos hospitalares assumidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Para o Presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, os resultados do estudo evidenciam a existência de dois “Brasis” no que se refere a abrangência dos serviços de coleta
do esgoto. O primeiro é formado por municípios com elevados níveis de cobertura e, portanto, menos sujeitos a doenças decorrentes de saneamento inadequado. No segundo, predominam localidades mais pobres, desassistidas de condições mínimas de esgotamento sanitário e com uma população permanentemente exposta a enfermidades. O Norte e o Nordeste aparecem entre 2003 e 2008 como as áreas com as taxas mais elevadas de internações por diarréias – 7 das cidades com pior desempenho eram dessas regiões. As outras estavam no Centro-Oeste (Complexo Brasília-Goiânia) e no Sudeste (Baixada Fluminense). Esse ranking indica serem as regiões mais pobres do país e as periferias das grandes cidades as áreas mais críticas em termos de internações por diarréias.

Na tabela abaixo, você pode conferir os 10 municípios com as maiores e as menores taxas de internação por diarréias para o ano de 2008:

10 maiores taxas de internação

Ananindeua (PA)

Belém (PA)

Nova Iguaçu (RJ)

Vitória da Conquista (BA)

Belford Roxo (RJ)

Campina Grande (PB)

Anápolis (GO)

João Pessoa (PB)

São João do Meriti (RJ)

10 menores taxas de internação

Campinas (SP)

São Bernardo do Campo (SP)

Santos (SP)

Rio de Janeiro (RJ)

Itaquaquecetuba (SP)

Bauru (SP)

Jundiaí (SP)

Montes Claros (MG)

Betim (MG)

Franca (SP)

“Os resultados do estudo também chamam atenção para um dado bastante preocupante, um verdadeiro golpe silencioso em parte da geração que irá formar o Brasil de amanhã: as crianças de até 5 anos são o grupo mais vulnerável às diarréias. A situação é mais grave onde há menos saneamento e mais pobreza”, completa Édison Carlos.

Saneamento

no Brasil está
entre piores do mundo

Pesquisa divulgada em outubro de 2010 pela Organização Mundial de Saúde já indicava que, no ranking dos 14 países com piores sistemas de tratamento de esgoto, o Brasil fica com o 7º lugar. São cerca de 18 milhões de brasileiros que não têm sequer banheiro em casa (ver tabela abaixo).

Para tentar minimizar o problema – e resolvê-lo no longo prazo –, a Organização das Nações Unidas estipulou uma meta para países em desenvolvimento a fim de diminuir em 2,77% seu déficit em saneamento para alcançar 2015 com metade do número inicial.Então, se o déficit de um país era de 80% em 1992, até 2015 ele deveria ser de 40%, segundo as Metas do Milêniohttp://www.un.org/millenniumgoals/.

O déficit brasileiro atual é de 49,08%, mas ele já foi bem pior. Em 1992, chegava a 63,98%. Do ano em que a cidade do Rio de Janeiro foi sede da Conferência da ONU para o Meio Ambiente (Eco 92) até 2008, a queda nesta taxa foi de 1,6%, o que, segundo o Instituto Trata Brasil, significa que seriam necessários 56 anos para que o país alcançasse a meta da ONU. Para se ter uma idéia do quanto esse avanço é lento, a diminuição da pobreza no país ocorre quatro vezes mais rápido do que a implementação de serviços básicos para a os brasileiros.

O estudo da ONG mostra que analisando apenas o período entre 2007 e 2008, quando o país teve uma melhora substancial na implementação de serviços de tratamento de esgoto devido, às ações do governo federal e governos locais, a queda foi de 4,18%. “Se seguissemos a queda dos últimos dois anos, em 16 anos alcançaríamos a meta do Milênio da ONU”, diz Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da FGV

Vontade política pode fazer a diferença

Só que a boa notícia precisa ser vista com cuidado, já que a melhora não reflete uma tendência, dizem os pesquisadores. A implantação de serviços de saneamento básico pode ter uma reversão do quadro, caso ela não consiga acompanhar o inchaço das cidades. Os responsáveis pelo estudo mostram ainda que a melhora na oferta de serviços de coleta e tratamento de esgoto não está necessariamente relacionada à classe social ou à riqueza da cidade. Florianópolis (SC), por exemplo, tem um dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano(IDHs) do Brasil, é polo turístico e, no entanto, tem déficit em saneamento (54,9%) maior do que capitais de estados mais pobres, como Rio Branco (AC, déficit de 49,82%), João Pessoa (PB, déficit de 53,38%) e Palmas (TO, déficit de 39,78%). A capital de Santa Catarina está em 17º lugar no ranking de déficit em capitais brasileiras e atrás de periferias do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paraná.

Em sentido contrário, a região metropolitana de Salvador é um exemplo de como a melhora nos serviços está diretamente ligada à ação do poder público local. Com a implementação do programa Bahia Azul, responsável pela execução de obras e ações na área de coleta e tratamento de esgoto para os municípios da Grande Salvador, a taxa de acesso passou de 18,84% para 68,42% em apenas nove anos. A capital baiana é hoje, segundo o ranking do Trata Brasil, a segunda cidade com menor índice de déficit em saneamento (7,49%). “Não adianta a cidade ou o estado terem dinheiro se os recursos não são investidos na área”, diz Marcelo Neri.

Fonte: Estadão


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