Prédio torto ajuda a definir caminho de um engenheiro

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O prédio veio à memória nesses dias em que muita gente começa a lembrá-lo – a exemplo de outros – como referência ao crescimento da cidade de São Paulo, que no dia 25 de janeiro deste ano comemora 455 anos de fundação. Ele fica na rua Líbero Badaró e foi construído por uma empresa que ajudou a fazer a história paulistana: a Severo & Villares. Essa empresa foi constituída por dois dos mais criativos auxiliares de Ramos de Azevedo: Ricardo Severo, arquiteto português e Arnaldo Dumont Villares, engenheiro. Depois da morte de Ramos de Azevedo, os dois resolveram tocar a vida pra frente e formaram a Severo & Villares.

Os dois profissionais desenvolveram os trabalhos para a construção do prédio que deveria abrigar as instalações da Companhia Paulista de Seguros. Era um edifício marcante no centro paulistano. Avultava com os seus 26 pavimentos. Contudo, logo depois de construído, entortou. As indagações eram muitas: Como um prédio construído com todo o cuidado por uma empresa de tal renome de repente ficava torto, desaparelhado, tendendo a assemelhar-se à Torre de Pisa? E, agora, o que fazer com ele? Permaneceria torto? E, para não continuar torto, teria de ser demolido? E, para não ser demolido, como colocá-lo no prumo?

Esses fatos aconteceram nos anos 40 do século passado, quando a Paulicéia ainda preservava alguns traços de provincianismo, embora começasse a experimentar fases seguidas de crescimento. Aperfeiçoava o sistema de transporte – o bonde elétrico – os homens ainda continuavam a usar chapéu e nos hotéis e restaurantes chiques predominava um ar europeu. Era nesse ambiente urbano que as novas fornadas de profissionais da engenharia e da arquitetura que saíam das universidades, notadamente da Politécnica, procuravam o caminho profissional.

A história do prédio torto ganhou relevo. Atraiu a atenção local e internacional. E desafiou a curiosidade dos estudantes de engenharia, dentre eles, Sigmundo Golombeck, que viria a firmar-se como um dos responsáveis pela evolução da engenharia de fundação no Brasil.

Aparentemente não havia motivo para a inclinação do edifício. As sondagens no terreno não haviam detectado irregularidades no terreno. Contudo, uma construção, contígua, poderia ter provocado algum escorregamento de solo. Essa, aparentemente, seria a causa do recalque.

Para corrigir a inclinação apelou-se para uma técnica até então inusitada, conforme lembraria um dos engenheiros da Estacas Franki, que fizera as fundações. Os técnicos congelaram o solo, transformando-o numa massa granítida, o que permitiu o posterior reforço das fundações. Então, utilizando-se macacos hidráulicos, foi possível o retorno do prédio à prumada de origem. Essa operação, que demorou quase um ano, envolveu técnicos do calibre do engenheiro Odair Grillo, formado pela Politécnica em 1934, e que fora professor de Sigmundo Golombeck.

Golombeck acompanhou de perto todas as fases dos trabalhos para endireitar o edifício e apaixonou-se de tal modo pela engenhosidade de fundações, que decidiu: seria engenheiro de fundações. Com o tempo ele fundou a Consultrix. Um dia ele me diria em uma entrevista: "Quando comecei a minha vida profissional, o meu escritório era o único dedicado unicamente à consultoria de fundações, não só em São Paulo, mas em todo o País". O prédio torto teve, portanto, profunda relevância na vida profissional do mestre Sigmundo Golombeck.

Fonte: Estadão


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