Projeto do senador Raimundo Colombo (DEM-SC) é visto por empresários,
em especial José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior
do Brasil (AEB), como um desserviço à economia brasileira
Exportar serviços de engenharia nunca foi e jamais será tarefa fácil. Que o digo a Mendes Júnior, nos tempos em que se lançou pelas terras do Iraque. E outras empresas mais que firmaram presença na América do Sul, no Caribe, nos Estados Unidos, na Europa e África. Hoje, falar da usina hidrelétrica de Capanda, no rio Kwanza, em Angola, é uma coisa. Mas falar dos trabalhos que a Construtora Odebrecht executou nos primórdios de sua atuação para construir aquela hidrelétrica, é outra.
Se construir no Brasil, dependendo das condições de logística e técnica, requer mais do que ousadia e capacidade gerencial e política para enfrentar toda sorte de obstáculos – incluindo dificuldades burocráticas e a insuperável "boa" vontade do governo – imagine construir lá fora, onde a empresa precisa disputar mercado e provar que sua capacidade não está limitada pelo rótulo de emergente, invariavelmente aplicado a seu país de origem.
E, no entanto, a engenharia brasileira tem construído bastante no exterior: hidrelétricas, rodovias, ferrovias, metrôs, redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário, linhas de transmissão, viadutos e pontes de grande porte. Um exemplo: a ponte de mais de 3 km de extensão que a Odebrecht construiu sobre o rio Orinoco, na Venezuela, a partir de projeto estrutural da Figueiredo Fereraz. Dentre outros empreendimentos em outras regiões do mundo, estão a mina de carvão de Moatize, da Vale, em Moçambique, com o gerenciamento da Concremat e construção a cargo da Camargo Corrêa; e a hidrelétrica de Mphanda Nkuwa, que essa mesma construtora está executando naquele país. Não são poucos os brasileiros que, desembarcando em Miami, veem o nome da Odebrecht encimando a lista das empresas que ampliam o aeroporto local.
Outra empresa que fincou raízes no exterior é a Andrade Gutierrez. Tem obras na América Latina, Europa, Ásia e África. Ajudou a construir o metrô de Lisboa e a ampliação do aeroporto da Ilha da Madeira. Em setembro de 2008 venceu a licitação para construir, em Constantine, a 430 km a leste de Argel, a ponte que transpõe o rio Rhumel, com 130 m de altura, 20 m de largura e 1.150 m de extensão. A obra tem duas pistas de rolamento e a estrutura central foi concebida estaiada, semelhante à da ponte Octávio Frias de Oliveira, em São Paulo-SP. Na Argélia, a mesma construtora constrói uma barragem na província de Jijel, amplia o aeroporto de Orã e dá andamento às obras portuárias na localidade de Awana, também em Jijel.
Por uma política de exportação de serviços
Há algum tempo, durante um encontro nacional de comércio exterior, Ângelo Vian, presidente da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), defendeu uma política específica para exportação de serviços. Deixou claro que exportar serviços de engenharia não é a mesma coisa que exportar produtos industrializados. Reúne múltiplas interfaces: criatividade na elaboração do projeto, resultado de acuradas pesquisas multidisciplinares, além da necessidade de identificação do país de origem com o país objeto dos serviços, superando as barreiras da língua, usos e costumes.
Ajuda a compor o pacote de exportação de serviços de engenharia, o esforço para agregar valores, a capacitação de mão-de-obra local e o apoio ao estabelecimento da logística, a fim de que o processo seja implementado com eficiência. Faz-se essencial que existam, na retaguarda, a segurança jurídica e a segurança de instituições financeiras capazes de proporcionar o suporte à aquisição de máquinas, equipamentos e insumos, tanto no mercado interno, quanto em outras praças. Essa retaguarda contribui para fazer girar a roda da cadeia produtiva, interna e externa.
Embora Vian haja falado mais especificamente sobre a exportação da consultoria de engenharia, a explanação dele, pela abrangência, é extensiva a toda a cadeia produtiva nesse campo. Diz ele que algumas condições para a exportação de serviços nessa área é a capacidade da empresa para utilizar experiências acumuladas em trabalhos de maior porte e complexidade, o que lhe facilitará a obtenção de sucesso em serviços até de menor porte no exterior, e o jogo de cintura para oferecer preços competitivos em nível internacional. A empresa não pode esquecer que estará competindo com as mais avançadas nações do mundo, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto de estratégias agressivas, comercialmente.
Lembra Vian que os países industrializados contam com organismos financiadores e promotores de exportações. Na Alemanha, há a GTZ (Deutsch Geselschaft Fur Technische Zusammenarbeit); no Canadá, a Cida (Canadian International Development Agency); na Espanha, o programa FEV (Fondo de Estudos de Viabilidad) e no Japão a Jica (Japonese International Cooperation Agency). Os Estados Unidos, com o seu Eximbank, e outros países mantêm órgãos específicos para estimular a exportação de serviços de engenharia e proporcionar às empresas as garantias necessárias até a entrega final das obras.
No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem procurando cobrir essa lacuna, apoiando, mediante desembolsos, o desenvolvimento de projetos e obras, tais como as hidrelétricas Las Placetas, Pinalito e Palomino, na República Dominicana, onde são executadas também outras obras, incluindo aquedutos; as linhas 3 e 4 do metrô de Caracas, na Venezuela; o aeroporto de Quito, no Equador; a rede de gás de Montevidéu, Uruguai; a ampliação do metrô de Santiago do Chile; as obras de saneamento em Buenos Aires, que incluem uma estação de tratamento com capacidade para tratar 33 m³/s (obra a cargo da Camargo Corrêa), e outros empreendimentos em países vizinhos.
De repente, um projeto do contra< /font>
O País vinha assim, usando os recursos do BNDES para financiar obras no exterior, que invariavelmente envolvem compras substanciais, no Brasil, de equipamentos e insumos, quando apareceu o senador Raimundo Colombo (DEM-SC), e apresentou um projeto de lei para bloquear os financiamentos da instituição a governos e empresas que prestam serviços em outros países.
As justificativas do senador consideram que os governos estrangeiros mais beneficiados pelo BNDES são os da América do Sul e, mais recentemente, o de Angola. Alega que o saldo de desembolsos para esses países seria da ordem de US$ 1,6 bilhão. Embora admita que tais operações de crédito contribuam para estimular as exportações brasileiras, salienta que "não está claro se a atuação do Banco é de fato imprescindível àquele fim". E afirma haver o risco de que os empréstimos acabem sendo concedidos a países com "histórico ruim".
Dentre os argumentos a que o senador recorre para assegurar o trâmite do projeto está a controvérsia envolvendo o Brasil e o Equador no caso do empréstimo de US$ 243 milhões para as obras da hidrelétrica San Francisco. Essa obra foi executada pela Construtora Norberto Odebrecht e contestada pelo governo equatoriano.
Representantes de empresas de engenharia com atuação no exterior argumentam que as justificativas para que projeto do senador Colombo prospere são muito frágeis. Os financiamentos são imprescindíveis e, segundo eles, até fundamentais para ampliar a abertura do mercado externo a empresas nacionais.
Tiro nos pés
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior no Brasil (AEB), acredita que, se projeto dessa ordem, que hoje tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, vier a ser aprovado (o que segundo ele dificilmente acontecerá), será ruinoso, em toda a linha, para as exportações de serviços de engenharia. De saída, ele trancará o mercado interno à produção de máquinas, equipamentos e insumos para as empresas que operam no exterior e os desdobramentos disso serão traumáticos para a economia.
Segundo ele, chega a 1.500 o número de empresas que poderão ser diretamente afetadas. Aparentemente o senador tentou atirar no que viu e pode atingir o que não viu. Sobretudo, porque iniciativa dessa ordem é adotada na contramão do que vem acontecendo em todos os países. Nenhuma nação quer deixar de conquistar e ampliar seu espaço no mercado externo. E o exemplo maior, nesse sentido, é a China.
Curiosamente, segundo José Augusto, o projeto para limitar os financiamentos do BNDES é colocado em discussão no momento em que o Banco e o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior celebram o crescimento das exportações de serviços de construção e engenharia.
Luiz Antônio de Araújo Dantas, superintendente da área de comércio exterior do BNDES, sustenta que, inferiores na US$ 100 milhões até 2002, os desembolsos do Bando para financiamento de serviços de engenharia e construção no exterior, tiveram comportamento oscilante até 2007. A partir daí, porém, os desembolsos cresceram: chegaram a US$ 665 milhões em 2008 e, em agosto de 2009, a US$ 957 milhões. Pelas contas que estão sendo feitas, o patamar dos desembolsos pode ter chegado, ao final do ano passado, a US$ 1,25 bilhão.
Em recente entrevista ao jornal Valor Econômico, Luiz Antônio afirmou que cerca de 55% das exportações brasileiras de serviços na área de engenharia destinam-se à América Latina e, outros 45%, para a África, onde o Brasil e a China não se cansam de travar uma disputa acirrada.
É nesse cenário, positivo para o Brasil, que um projeto, elocubrado por interesses que não se encontram adequadamente justificados, tenta embolar o meio de campo. Conforme diz o vice-presidente da AEB, ele não significa apenas um tiro no pé; é um tiro nos pés.
Fonte: Estadão