Proteger o dinheiro público em favor das obras para a população

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Escândalos no Ministério dos Transportes, provocados em processos licitatórios e, em outros casos, ocasionados por conta de aparelhamento político, evidencia as lacunas que o governo precisa vedar para a destinação correta do dinheiro público

Os problemas que vêm sendo apurados no Ministério dos Transportes, alguns ocorridos em superintendências do Departamento Nacional da Infraestrutura de Transportes (DNIT), em regiões diferentes do País, mostram a necessidade de se aumentar o rigor da fiscalização e de se identificar as causas que os está ocasionando.

Pelos levantamentos que estão sendo realizados, há diferentes tipos e escalas dos delitos praticados. Enquanto alguns acontecem em razão do aparelhamento político, demarcação de território desta ou daquela pretensa liderança política, outros são atribuídos à promiscuidade entre público e privado, de que não escapam sequer esgarçados laços familiares. E outros atos criminosos descobertos estão na raiz dos desvios que processos licitatórios viciados proporcionam.

Em entrevista ao O Empreiteiro o jurista Ives Gandra Martins se manifesta tematicamente reconhecendo que não é fácil, mas é possível, estancar o processo de corrupção na contratação de obras da infraestrutura do País. A seguir, a entrevista dele.

É possível, professor Ives Gandra, estancar o processo de corrupção na contratação para a construção de obras públicas?

É possível, mas não é fácil. Toda a legislação protetora da lisura nas licitações, por melhor que seja, não elimina a possibilidade de acordos pré-licitatórios, os quais terminam por inviabilizar a invulnerabilidade dos processos. Por outro lado, a investigação sobre acordos prévios depende muito mais de erros, descuidos daqueles que os fazem a ensejarem investigações policiais e atuação doMinistério Público. É de se lembrar que a corrupção é endêmica ao poder, como procurei demonstrar no meu livro Uma breve teoria do poder. E sempre encontram-se caminhos novos para contornar barreiras criadas à corrupção. Nem por isto, deve-se desistir. O processo de oferecimento de preços sem conhecimento daqueles que serão oferecidos pelos concorrentes é uma forma de reduzir o nível de acertos e soluções extraconcursos. Vale a pena ser testado.

O planejamento criterioso e, em seguida, o projeto executivo, com a divulgação do valor previsivelmente correto das obras, não seria o caminho mais adequado com esse fim?

Considero que é também uma boa solução para contornar acordos prévios, visto que previamente o governo examina, calcula e define os custos reais de uma obra para depois abrir o processo. É algo que vale a pena ser testado, igualmente.

A Lei 8.666/93, promulgada pelo hoje saudoso presidente Itamar Franco, estaria de tal modo defasada que já possua brechas capazes de favorecer a prática de ilicitudes em concorrências?

Estou convencido que sim, visto que não impediu durante estes anos todos os acordos preestabelecidos. O número de processos em curso na Justiça por corrupção, concussão e acordos prévios é grande, acumulando também os Tribunais de Contas no exame dos adendos e acréscimos contratuais, assim como dos valores superfaturados.

É de se lembrar, por outro lado, que as exceções aos concursos licitatórios provocam alternativas várias a facilitar a política de “privilégio aos amigos do rei”, quando não de corrupção pura e simples e até mesmode concussão real. A lei está, portanto, ultrapassada.

Enfim, como a sociedade organizada pode se proteger, se considerarmos que o dinheiro que corre solto, à margem dos contratos, em razão das irregularidades constatadas pelo TCU, é dinheiro nosso, dos contribuintes?

O dinheiro é dinheiro do contribuinte que beneficia os detentores do podere seus amigos, mais do que a sociedade. Quando da Constituinte de 1988, propus transformar o Tribunal de Contas num Tribunal Judiciário com poder de executar suas decisões, sendo, pois, um autêntico poder responsabilizador. No livro editado pela Forense (Roteiro para uma Constituição) defendi tal solução, infelizmente não aprovada na Constituinte. Creio que valeria a pena voltar a insistir na proposta. Muitas vezes o receio de ser punido é a melhor forma de se combater a corrupção.

Fonte: Estadão


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