Com nova lei, recursos para portos devem somar R$ 50 bilhões

Tatiana Bertolim

Quando a família real portuguesa desembarcou no Brasil, em 1808, e promoveu uma conveniente abertura dos portos às “nações amigas”, uma revolução se produziu na vida econômica e social do País. Novos produtos desembarcaram por aqui, mudando os costumes e diminuindo irremediavelmente o domínio da metrópole sobre a colônia.

Ainda que em proporções muito mais modestas e com um perfil bem diferente, a nova Lei dos Portos, aprovada recentemente, também tem potencial para promover uma pequena revolução à sua maneira.Independentemente das divergências que suscitou na fase de debates, a nova legislação cria um ambiente mais favorável a investimentos ao ampliar as possibilidades para os operadores de terminais privados e, sobretudo, ao estabelecer um arcabouço regulatório mais claro para o setor.

“Um dos grandes problemas, nos últimos anos, é que o marco regulatório era confuso e gerava insegurança jurídica”, afirma Willen Mantelli, diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). A questão, diz ele, é que após a aprovação da Lei dos Portos, em 1993, seguiram-se a publicação de decretos e resoluções conflitantes, tornando o cenário confuso para os potenciais investidores.

Paralelamente, passaram-se anos sem que o governo licitasse novas áreas – situação que, em meio a um período de crescimento e modernização da economia brasileira, levou ao caos atual.

“Precisamos aumentar nossa participação nos mercados, escoar os produtos com mais rapidez e menos custos. As novas regras ajudam porque atendem a esses princípios”, diz Mantelli.

A movimentação de cargas nos portos brasileiros praticamente triplicou em 20 anos, chegando a 903,8 milhões de t em 2012, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Enquanto isso, a capacidade dos terminais portuários se esgotará daqui a dois anos se não forem feitos novos investimentos, segundo estimativa da Secretaria Especial de Portos do governo federal.

“Os gargalos estruturais estão relacionados ao fato de termos tido um aumento vertiginoso de nosso comércio exterior sem o correspondente aumento de nossa capacidade logística. Precisamos investir muito para eliminar esses gargalos”, observa Claudio Loureiro de Souza, do Centronave (associação das empresas de navegação).

Para equilibrar o sistema, o próprio governo estima que será necessário investir pelo menos R$ 54 bilhões – dos quais R$ 41 bilhões do bolso das empresas privadas e R$ 13 bilhões na implementação de obras públicas.

A nova legislação tende a reduzir esse déficit na medida em que ataca algumas questões que desencorajavam o setor privado a apostar na área.

Entre as principais mudanças aprovadas, estão a abertura de novos terminais para exploração pelo setor privado; a possibilidade de movimentação de cargas de qualquer empresa (e não apenas cargas próprias) nos terminais privados; e a seleção de empresas para operar portos públicos baseada em critérios de maior eficiência e menor tarifa (e não mais o maior valor oferecido pela outorga).

Por meio de vetos introduzidos pela presidente Dilma a itens do texto aprovado pelo Congresso da Lei dos Portos, companhias de navegação poderão participar de novas licitações. Com isso, foi atendido um dos principais pleitos do setor.

A versão final da lei também derrubou artigos que asseguravam a renovação de contratos de concessão já vigentes nos terminais públicos. Esses artigos haviam sido introduzidos pelo Congresso, sem o apoio do governo, na tramitação da Medida Provisória 595, que deu origem à nova legislação. Com isso, foi vetada a prorrogação dos acordos firmados antes de 1993, data da última reforma do setor, que se encontravam numa espécie de limbo regulatório.

Prioridade para os granéis agrícolas

Paralelamente, caiu o item que garantia a renovação automática das concessões posteriores a 1993, com o argumento de que cabe ao Poder Executivo a prerrogativa de fazer o planejamento e a gestão do setor portuário. A medida afeta companhias já estabelecidas, especialmente Santos Brasil, Libra e Wilson Sons, cujos contratos vencem a partir do início da próxima década e só serão renovados a critério do poder concedente.

Sem a garantia de renovação desses contratos, investimentos que poderiam sair rapidamente do papel poderão demorar mais tempo para ser viabilizados, observa Mantelli o diretor-presidente da ABTP.

No embalo da legislação reformada, o governo da Bahia apressou-se em firmar o primeiro contrato de concessão sob o novo marco legal. A Bahia Mineração (Bamin) vai construir um terminal na retroárea do Porto do Sul, na região de Ilhéus. Segundo o governo baiano, a empresa vai investir R$ 4 bilhões.

No dia seguinte à sanção presidencial, o diretor-geral da Antaq, Pedro Brito, já anunciou que as primeiras licitações de terminais portuários deverão iniciar em novembro, começando pelo Porto de Santos, o maior do País, e pelos portos do Pará, escolhidos porque movimentam cargas estratégicas para a região amazônica.

Em entrevista à imprensa, Brito disse que os investimentos nos portos terão efeitos benéficos na logística de transportes. “Vamos ter, com certeza, uma importante expansão na área de granéis agrícolas, que é a área de que o País mais está precisando no momento e, também, nas de minério e petróleo e gás”, destacou.

Reduzir a burocracia e operar 24 horas

Apesar do ambiente promissor, especialistas são unânimes ao dizer que atrair capital não é tudo. É preciso aumentar a eficiência e reduzir os trâmites burocráticos para que os portos brasileiros se aproximem minimamente de referências como Roterdã, na Holanda, e Hamburgo, na Alemanha.

“Em primeiro lugar, é preciso uniformizar os procedimentos dos órgãos que atuam nos portos. Padronizar a fiscalização de todos os órgãos anuentes envolvidos seria uma forma de ganharmos eficiência. Além disso, algumas iniciativas, como o Porto Sem Papel e o Porto 24 Horas, se ampliadas e consolidadas, também terão impactos positivos”, diz Loureiro de Souza, do Centronave.

Medidas como o Porto Sem Papel, criadas com o objetivo de agilizar os trâmites nos terminais, não foram plenamente implementadas e, dessa forma, não surtiram o efeito que se pretendia. Alguns órgãos do próprio governo, como a Receita, não aderiram à iniciativa.

Ao mesmo tempo, no projeto Porto 24 Horas – que o governo promete ampliar – é relativamente frequente um navio não conseguir liberar sua documentação para entrar no porto porque faltam plantonistas de alguma das áreas.

“Quase dez órgãos públicos atuam nos portos, é uma burocracia excessiva”, ressalta Mantelli. A questão mais urgente, agora, é agilizar os novos investimentos. Mas essas questões também precisam ser abordadas.

English Version

With the new law, funds for ports should be R$50 billion

Tatiana Bertolim

When the Portuguese royal family arrived in Brazil in 1808 and promoted a convenient opening of the ports to “friend nations”, a revolution happened in the economic and social life in the country. New products arrived here changing costumes and irremediably changing the domain of the metropolis over the colony.

Even if in more modest proportions and with a quite different profile, the new Law of Ports recently passed also has potential to promote a little revolution on its own way. Independently from the divergences it raised at the debates phase, the new legislation creates an environment more favorable to investments by increasing the possibilities for private terminals operators and mainly by establishing a clearer regulating structure for the industry.

“One of the significant problems in the last years has been that the regulations were confusing and would create legal insecurity”, states Willen Mantelli, president director of the Brazilian Association of Port Terminals (ABTP). The trouble is, according to him, that after the Law of Ports passed in 1993, it was followed by conflicting resolutions and decrees, which made the scenario confused for potential investors.

In parallel, many years passed without the government publishing an invitation to bid for new areas – a situation that in the middle of a growth and modernization scenario in the Brazilian economy, has led to the current chaos.

“We have to increase our market share, drain products faster and cheaper. The new rules help because they meet these principles”, says Mantelli.

Moving cargoes at Brazilian ports has virtually tripled in 20 years, reaching 903.8 million t in 2012, according to data of the National Agency of Waterway Transportation (Antaq). Meanwhile, the capacity of port terminals will extinguish within two years if new investments are not made according to an estimate of the Special Department of Ports of the federal government.

“Structural bottlenecks result from the fact that we have had a dramatic increase in our foreign trade without a matching increase in our logistics capacity. We need to invest hard to eliminate those bottlenecks”, observes Claudio Loureiro de Souza, with Centronave (association of navigation companies).

To equilibrate the system the very government estimates that R$54 billion will have to be invested – out of which R$41 billion from the pocket of private companies and R$13 billion to implement public construction work.

The new legislation tends to reduce that deficit inasmuch as it attacks some issues that used to discourage the private sector to invest in the area.

Among the main changes approved there is the opening of new terminals to be explored by the private sector; the possibility of moving cargoes of any company (not only self-owned cargoes) at private terminals; and the selection of companies to operate public ports based on criteria such as more efficiency and lower prices (instead of more value offered for the concession).

By means of the items of the text of the Law of Ports vetoed by president Dilma, which had passed in the Congress, navigation companies will be able to join new tenders. With that the main claims of the industry have been satisfied.

The final version of the law has also eliminated articles that ensured renewal of concession contracts already in force at public terminals. Those articles had been introduced by the Congress without the support of the government during the procedural steps of Provisional Remedy 595, which originated the new legislation. So, the extension of agreements made before 1993 was vetoed, the date of the last reform in the industry, which used to cause the industry to be in a regulation limbo.

Priority for agricultural products in bulk

In parallel, the item that used to ensure the automatic renewal of concessions after 1993 was vetoed with the argument that the Executive has the prerogative of planning and managing the port sector. The measure affects companies already set up, particularly Santos Brasil, Libra and Wilson Sons, whose contracts end at the beginning of the next decade and will only be renewed at the granting authority’s discretion.

Without any guaranty of having those contracts renewed, investments that could quickly be made may take longer, observes Mantelli, ABTP president director.

Just after the legislation was reformed, the government of Bahia hurried to sign the first concession contract under the new law. Bahia Mining (Bamin) will build a terminal at the back of the South Port in the region of Ilhéus. According to the Bahia government, the company will invest R$ 4 billion.

On the day following the presidential approval, Antaq general director, Pedro Brito, announced that the first tender for the port terminal will start in November, starting with the Port of Santos, the biggest in the country, and Ports of Para, chosen because they move strategic cargoes to the Amazon region.

In an interview to the press Brito said that the investments in ports will have beneficial effects in transportation logistics. “We will certainly have an important expansion in the area of agricultural products in bulk, which is the area where the country is mostly in need right now and also in the ore, oil and gas areas”, he highlighted.

Reducing red tape and 24-hour operation

In spite of the promising environment, experts are unanimous when they say that attracting capital is not enough. It also takes to increase efficiency and reduce red tape for Brazilin ports to come minimally close to the reference port, that of Rotterdam in the Netherlands, and also that of Hamburg in Germany.

“Firstly, we have to make the procedures of the agencies performing at ports uniform. Standardizing the inspections conducted by all consenting agencies involved would be a way to gain efficiency. Additionally, some initiatives, such as the Paperless Port and the 24-Hour Port, if broadened and consolidated, will also have positive impacts”, says Loureiro de Souza, with Centronave.

Actions such as the Paperless Port created with the objective of speeding up procedural steps at terminals have not been fully implemented yet and, thus, they did not bring about the effects it intended. Some agencies of the very government, such as the IRS, have not adhered to the initiative.

At the same time, the very 24-Ho
ur Port – which the government has promised to broaden – is relatively frequent that a vessel is not able to clear its documentation to enter the port because there are no stand-by employees in some areas.

“Almost ten public agencies work at ports, which means excessive red tape”, stressed Mantelli. The most urgent issue now is to speed up new investments. But the other issues must also be dealt with.

Fonte: Revista O Empreiteiro

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