São bons os indicadores macroeconômicos do País. A maioria dos analistas de cenários favorecidos pelo crescimento do Produto Interno Bruto não contém a euforia. Vários deles concordam com a afirmação de que o Brasil vive um período de recordes. E traduzem essa euforia em números: até maio último a expansão industrial conseguiu gerar 1 milhão de empregos; o PIB somou R$ 665,5 bilhões apenas no primeiro trimestre deste ano e a entrada de investimentos diretos (IED) no mercado brasileiro alcançou o patamar de US$ 34,6 bilhões ao longo de 2007.
E não se pode esquecer o aumento galopante da carga tributária: os tributos pagos entre janeiro e março deste ano somam R$ 258,90 bilhões, correspondentes a 38,90% do PIB. Mesmo com a extinção da CPMF, que o governo quer ressuscitar a qualquer custo, a maior carga tributária da história brasileira.
Apesar desses números, há uma dissintonia entre o que eles representam no quadro econômico geral e a vida diária, ou seja, “a vida como ela é”, no dizer do Nelson Rodrigues. Na prática, a riqueza não é transferida, ao menos em escala minimamente satisfatória, para a melhoria da qualidade de vida da ampla população que depende do poder público na saúde, transportes e equipamentos urbanos. Ela convive com a expansão da violência, com a falta de perspectiva da juventude que está saindo dos bancos das universidades e com a informalidade, que continua crescente.
Onde estaria, no caso, o paradoxo? Essa, a questão que diversos especialistas vêm colocando. Mesmo cidades situadas em pólos econômicos que vêm atraindo fortes investimentos públicos e privados, as carências mais elementares continuam. As explicações para esse fenômeno são várias. Uma delas está na raiz da política tradicional brasileira: a concentração de poder – de todo o poder – no Executivo federal. Todos os municípios, segundo alguns prefeitos, dependem das benesses “lá de cima”.
Não há repasses de impostos na medida e na regularidade exigidas e, quando projetos são apresentados nos órgãos próprios, esbarram na burocracia clássica até que sejam analisados e despachados. São muitas as obras que estão na estreita dependência do poder central. Basta analisar o Programa de Aceleração do Crescimento. Quase todas as obras que ali se encontram listadas dependem do dinheiro do governo federal, o que leva a dizer que parte delas depende de palanque.
Além disso, quando alguns municípios possuem dinheiro ou condições para tomar financiamento para bancar obras prioritárias, invariavelmente se revelam vulneráveis a critérios heterodoxos, conforme tem salientado a própria Controladoria Geral da União (CGU). São vários os prefeitos ou subordinados apanhados em flagrante dilapidando, como ratazanas, os recursos municipais. A esse comportamento, soma-se o caso daqueles administradores que prometem tudo na campanha eleitoral e, eleitos, não movem uma palha para fazer pelo menos o mínimo necessário.
Essas reflexões sobre números da riqueza e a situação de carência em inúmeros municípios (só para exemplificar: hoje, apenas 47% da população do País, correspondentes a 89 milhões de pessoas, têm acesso à rede de coleta de esgoto e somente 20% contam com esgoto tratado) vêm, a propósito, em período em que muitos políticos retornam à cena eleitoral. Eles buscam os holofotes para serem eleitos ou reeleitos prefeitos. E novamente prometem para os cidadãos, saneamento, saúde, transporte digno, habitação.
Considerando as raríssimas exceções, preparemo-nos para assistir às próximas pantomimas dos experts em ludibriar o povo.
Fonte: Estadão