Rio de Janeiro à espera de outras tragédias anunciadas

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A imagem de 7 mil t de terra caindo sobre a saída de uma das galerias do túnel Rebouças, uma das principais ligações entre as zonas Norte e Sul do Rio de Janeiro, trouxe à tona uma grande preocupação de cariocas e fluminenses, principalmente quando se aproxima a temporada de chuvas de verão: onde é seguro transitar pela cidade e o que precisa ser feito para evitar os riscos de deslizamentos em encostas?

Enquanto especialistas tentam elaborar um diagnóstico da situação das encostas na cidade e buscam soluções para o problema, a Prefeitura do Rio e o Governo do Estado trocam acusações e transferem responsabilidades – por pouco não ocorreu uma tragédia, já que pelo Rebouças passam cerca de 190 mil veículos por dia.

No troca-troca público de acusações, o secretário municipal de Obras, Eider Dantas, afirmou que a causa do deslizamento havia sido um vazamento de água provocado por um cano furado da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto), localizado no alto do morro. Como resposta, a Cedae entrou com um processo na Justiça, por danos morais, contra o secretário e ainda devolveu a acusação, afirmando que testes feitos com corantes na tubulação detectaram que o problema estava na ineficiente drenagem de galerias de águas pluviais, cuja manutenção é de responsabilidade da prefeitura.

Segundo a assessoria da Cedae, não é atribuição da empresa vistoriar encostas. Ainda segundo a assessoria, as obras de infra-estrutura de programas como Rio Cidade e Favela Bairro, ambos da prefeitura, são realizadas sem consulta ou acompanhamento por técnicos da companhia.

Em outras palavras, além das ligações irregulares em favelas, existe, ainda, a possibilidade de alguma obra oficial não estar dentro dos padrões de segurança mínimos. Independente disso, o presidente da Cedae, Wagner Victer, vem repetindo à exaustão que se um cano vazando água pudesse causar o estrago que ocorreu no Túnel Rebouças, todas as encostas com favelas já teriam desmoronado.

“Noventa por cento das ligações em favelas são ‘gatos’, e todo ‘gato’ vaza água”, afirma.

Cada vez menos investimentos

Independente de quem foi o responsável pelo problema no Túnel Rebouças, os níveis de investimentos no Programa de Contenção de Encostas da prefeitura vem caindo vertiginosamente, segundo dados do Tribunal de Contas do Município, usados como base para um estudo da Comissão de Orçamento da Câmara de Vereadores do Rio.

Pelos dados, em 1996, último ano do primeiro mandato do prefeito Cesar Maia, a verba para obras em encostas era de R$ 43,547 milhões. Dez anos depois, em 2006, o TCM acusa uma queda nos gastos para R$ 2,598 milhões, descrevendo, no relatório, um quadro de adiamento de obras de baixo risco, outras urgentes, que ficaram paradas por falta recursos e carência de pessoal, para vistoria de obras públicas.

“Desde 2005, a prefeitura vem dando prioridades para obras emergenciais e para o que chamam de obras de alto risco. Não fazem mais as preventivas”, afirma a vereadora e presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, Andréa Gouvêa Vieira (PSDB).

O secretário Eider Dantas contesta o resultado do relatório do TCM. “Nós investimos no Rio de Janeiro, em 20 anos, uma fábula em proteção de encosta. Reflorestamos a área do Rebouças e construímos um muro de contenção. Mesmo assim, a força da chuva causou o desabamento”, disse.

Segundo o diretor de obras da Geo-Rio (Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro), Márcio Machado, há em andamento, atualmente, 14 contratos de obras de contenção, que resultam em 35 frentes de trabalho, num investimento total de cerca de R$ 7 milhões. São obras preventivas ou corretivas, como no caso do corte do maciço da Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, zona sul da cidade, que na avaliação do engenheiro é um dos trabalhos atuais mais importantes, devido ao risco de queda de rochas ao lado da Universidade Santa Úrsula.

Esses números, entretanto, não atingem as metas anuais com as quais a própria Geo-Rio trabalhava no início de 2007, quando previa a necessidade de realizar obras em 38 encostas, além de quatro recuperações e manutenções de muros de contenção. Boa parte desses projetos não saiu do papel por falta de verba.

Para o professor do Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio, Alberto Sayão, a falta de recursos faz com que a Geo-Rio invista apenas nas obras emergenciais, como no caso do Túnel Rebouças. “É preciso que haja recursos para buscar novas tecnologias, aumentar as vistorias e a prevenção”, afirma Sayão, lembrando que hoje o risco de deslizamento é detectado apenas visualmente pelos técnicos, quando seria necessário realizar estudos para conhecer o tipo de material das encostas, a situação física em que se encontram e adotar medidas de prevenção.

Onde mora o perigo

A Geo-Rio entregou em fevereiro de 2007, um estudo sobre a situação atual das encostas da cidade. O diagnóstico identificou 32 pontos de risco em encostas da capital fluminense, onde vivem pelo menos 6.505 pessoas, em constante ameaça de desabamento. Ainda de acordo com o levantamento, 157.581 motoristas se arriscam ao passar por estradas e túneis da cidade. A avaliação é de que as obras de estabilização e drenagem, remoções de moradias em áreas de risco, reflorestamento e delimitação da área ocupada custariam aproximadamente R$ 26,4 milhões.

As avenidas Niemeyer (entre o Leblon e São Conrado, na Zona Sul) e Grajaú-Jacarepaguá (Zona Norte), além dos túneis Zuzu Angel, na Gávea (Zona Sul), e Noel Rosa, em Vila Isabel (Zona Norte), são os pontos que mais inspiram cuidados, principalmente em dias de temporais.

Em junho deste ano, a Prefeitura do Rio iniciou a elaboração de dez projetos de engenharia dos 32 pontos listados. As localidades do Montante e do Morro do Encontro, na estrada Grajaú-Jacarepaguá, estão entre as priorizadas, assim como Vila Verde, na Rocinha; e Grota do Alemão, no Morro do Borel. Para essa fase de projeto, a prefeitura recebeu R$ 240 mil do Ministério das Cidades. Após essa etapa, serão, ainda, pleiteados recursos para a execução das obras.

O que fazer

Além da falta de verbas, a prefeitura também recebe muitas críticas de especialistas por falta de vontade política para atacar o problema de frente. “Ainda est&aacut

e;vamos no ano 2000 quando entregamos, a pedido da própria prefeitura, através da Secretaria de Meio Ambiente, três relatórios sobre a situação das encostas no Rio. Mas nada foi utilizado até agora”, conta Ana Luiza Coelho Netto, coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia (Geoheco) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ela, o básico de toda ação preventiva contra deslizamentos em encostas deveria ser o monitoramento contínuo, não só com vistorias nos locais, mas com análises técnicas da situação do solo e do entorno das áreas. Ana Luiza enfatiza a questão do reflorestamento, mas destaca a diferença entre vegetação arbórea e de floresta. No caso do Túnel Rebouças, ela explica que ali há vegetação arbórea, o que não necessariamente é capaz de impedir problemas como erosão e deslocamento do solo.

Mas não é só isso. “O ideal seria resgatar as funções ecológicas e hidrológicas das áreas de encostas, restabelecendo a estabilidade do solo. Todo esse processo, no entanto, demanda muito tempo para surtir efeito : uns 40 ou 50 anos. Isso não quer dizer que não adianta fazer. Ao contrário, é uma necessidade urgente, e as autoridades deveriam investir cada vez mais em tecnologias que possam baratear e acelerar esse processo”, diz.

Como a maioria dos especialistas no assunto, Ana Luiza considerou acertada a ação dos técnicos da Geo-Rio, no caso do Túnel Rebouças, com a interdição do local depois do deslizamento. Ela ainda avalia que o muro de concreto erguido ali funcionou bem, evitando que toda aquela lama se precipitasse direto e rapidamente sobre a pista. Mas a coordenadora da Geoheco explica que é preciso focar também áreas mais distantes dos centros urbanos.

“A noção de risco está muito associada ao impacto. No caso de deslizamento de terra, o impacto mais grave é o que atinge as pessoas, pondo em risco suas vidas. Por isso é compreensível que as autoridades públicas foquem mais suas ações em áreas povoadas. Mas uma das necessidades relatadas na avaliação que fizemos no ano 2000 é a de construir barreiras nas encostas montanhosas”, afirma Ana Luiza.

Para a especialista, as conseqüências de um deslizamento numa dessas regiões mais remotas atinge uma área muito maior que a do próprio deslizamento em si. Os detritos levados, por exemplo, rio abaixo, sejam de lixo ou de material da própria floresta, acaba soterrando as áreas de baixada. Quando chove, o resultado são enchentes e prejuízos grandes para a cidade.

“Existem, ainda hoje, verdadeiras clareiras na baixada de Jacarepaguá, na Zona Oeste, por exemplo, herdadas dos temporais de 1996. Nessas áreas não foram feitas nem obras de retenção, nem reflorestamento. Certamente este é um dos pontos críticos de risco numa próxima temporada de chuvas fortes”, avalia.

Fonte: Estadão


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