Diluiu-se no tempo e no espaço a figura do engenheiro residente. Seu lugar passa a ser ocupado, com possíveis desvantagens para ele e seguramente com vantagens para a empresa, pelo engenheiro múltiplo. A evolução em todos os campos, sobretudo tecnológica, tornou o engenheiro residente um personagem do passado.
A evolução descaracterizou-o. O engenheiro residente, em sua concepção de origem, será encontrado em reportagens antigas, nos livros sobre histórias da Engenharia, nas lendas das construções em regiões remotas, mas nunca mais no campo, onde era pau para toda obra e jamais fugia à sua atividade específica: o homem que adormecia e amanhecia no canteiro. O primeiro a levantar-se e o último a deitar-se, depois de verificar, com os encarregados pelas frentes de trabalho, se tudo estava em paz e segundo o cronograma; em especial, segundo as suas ordens.
Não havia comodidade e não havia tempo para pensar nisso, exceto naquelas ocasiões de trégua consentida em que reunia o contingente para algum lazer, comemorar um recorde na concretagem ou no volume de terraplenagem. Parar mesmo, somente nas ocasiões festivas ou religiosas, que não poderiam ser negligenciadas no calendário. Então, a exemplo do que ocorria no trabalho diário, o espírito de equipe também ali predominava.
Comunicação com a família e, às vezes, com a sede da empresa, só raramente. Telefone, somente um, em povoado longínquo. E, para falar com a empresa, o telex, quando era possível instalá-lo. Não era por outra razão que os donos das construtoras rodavam por aí, de avião, a fim de se inteirarem, in loco, das obras contratadas. Hoje só voam para assinar novos contratos.
A evolução mudou o cenário e, este, mudou o personagem. O engenheiro residente foi retirado de cena e, em seu lugar, apareceu o engenheiro múltiplo: aquele que corre o risco de deixar de fazer o essencial para fazer tudo. Ele aparece hoje como o gerente de contrato. É um nome pomposo e sugere executivo sobreposto à obra, capaz de observar o canteiro, mas, simultaneamente, a produtividade a qualquer custo, além da prospecção de outras obras. Está ali, mas o seu sentido pode estar em outras regiões do país ou do mundo.
Não precisa mais recorrer ao jipe ou a outro meio de condução desconfortável, a resfolegar por estradas precárias, para chegar a algum município isolado e ali ficar duas três ou muito mais horas, a fim de estabelecer comunicação telefônica com a empresa. Tem o celular à mão e, mais do que isso, a internet para o diálogo ou exibição das fotos que documentam o avanço das obras. E pode recorrer ao computador de mão. Sua sala em nada lembra à do antigo engenheiro residente; virou uma "estação de trabalho".
Mas – e aí vem a pergunta – ele continuaria ainda a ser engenheiro? Essa, a indagação circunstancialmente colocada. Segundo o prezado José Roberto Bernasconi, o engenheiro hoje é tudo: gerente de contrato, contabilista, economista, relações públicas, executivo de alto coturno. Se calhar, pode até ser engenheiro, mas, às vezes, profissionalmente inábil, embora tenha a tecnologia nas mãos. Tornou-se um profissional maltratado pela competitividade. Voa de êxito em êxito conforme o contrato, mas está permanentemente com os pés sobre um fio de navalha. Qualquer movimento em falso significa o risco de perder lugar no mercado ou, então, virar suco.
A tecnologia, que veio teoricamente para estreitar diálogos, acabou restringindo o tempo de convívio entre as pessoas e, nesse caso, entre profissionais. Corroborando um pensador argentino, o homem de nosso tempo perdeu a velocidade humana e tem de adquirir a velocidade da máquina. Se não conseguir isso, está descartado.
O pensamento se aplica como uma luva ao exemplo do engenheiro. Apesar de toda a tecnologia disponível, ele passa a ser tudo. Quando der acordo de si, será apenas uma engrenagem ou uma mera peça dessa engrenagem. Por mim, fico com o engenheiro residente, que não era tudo isso, mas tinha a autenticidade da escala humana. Com a vantagem de que sabia bater um bom papo e contar histórias das obras – as grandes aventuras em que se envolvia.
(Matéria publicada em O Empreiteiro e que, pela oportunidade, volto a publicar no blog).
Fonte: Estadão