Na charmosa cidade da ponte Golden Gate, uma discussão favorita da opinião pública gira em torno da data em que ocorrerá o próximo megaterremoto, capaz de demolir boa parte das edificações que não tenha recebido reforço estrutural (esta matéria foi
cedida com exclusividade pela revista
ENR-Engineering News Record)
Arespeitada US Geological Survey (USGS) afirma que sismo dessa proporção pode ocorrer a qualquer momento, por causa de três linhas de falha geológica na crosta terrestre nas proximidades de San Francisco, na Califórnia, Estados Unidos: San Andreas, Calaveras e Hayward. A Public Utility Comission da cidade está investindo US$4,6 bilhões no WSIP, sigla em inglês do Programa de Melhoria do Sistema d’Água, a ser concluído em dezembro de 2015, abrangendo 86 projetos de redes e reservatórios cobrindo os condados ao norte e centro do estado. Alguns estão em estágio avançado, outros começaram este ano. |
A USGS prevê que há 63% de possibilidade de que um terremoto significativo ocorra nos próximos 30 anos. O sistema Hetch Hetchy que traz água aos habitantes de San Francisco é o mais vulnerável, porque suas redes e instalações cruzam as três falhas geológicas citadas. Os cientistas da USGS apontam para a falha de Hayward como uma bomba relógio, cuja movimentação pode provocar um sismo de 6,8 a 7 graus na escala Richter. O último terremoto provocado por ela foi em 1868.
Um abalo dessa magnitude pode cortar 85% do suprimento d’agua aos habitantes da baía de San Francisco, durante dois meses, ao interromper a ligação para o reservatório Hetch Hetchy, que fica a cerca de 260 km da cidade, em Yosemite.
As principais obras do programa consistem em reforçar duas estações de tratamento de água (ETAs) e mais de 450 km de tubulações, escavar três túneis novos, incluindo um por baixo da baía de SanFrancisco. Os túneis e tubulações novos criam uma duplicidade na rede, facilitando reparos e manutenção em caso de emergências. Até agora, 42 dos 86 projetos foram concluídos, na sua maioria de pequeno diâmetro, ao custo de US$ 363 milhões. Os 27 projetos em curso são estimados em US$ 2,2 bilhões.
Prioridade total
ao planejamento
Antes de iniciar o gigantesco programa WSIP, a Comissão de Utilidades Públicas (SFPUC) do município fez sua lição de casa e reestruturou seus procedimentos de licitação e contratações, para atrair um número maior de empresas de engenharia. As gerenciadoras de obras, que estão participando do programa, afirmam que o meticuloso planejamento feito pela comissão na fase que precedeu à construção é o grande responsável pelo andamento tranquilo dos trabalhos.
Uma equipe liderada por técnicos da comissão e gerentes da Parsons Corp., contratada para fornecer suporte ao gerenciamento de projetos, montou um plano em que o controle da construção introduz previamente processos e procedimentos mais eficientes e ágeis. Jess Yoder, vice-presidente da Parsons e consultor do programa WSIP, enfatiza “que a comissão reconheceu a importância de definir o processo de gerenciamento antes do início das obras, ao invés de fazê-lo sob a pressão dos serviços já em andamento”.
A Aecom Technology Corp. supervisiona as diversas gerenciadoras de construção que atuam no programa. Ela tem atualmente cinco equipes gerenciadoras regionais, além de igual número de equipes gerenciadoras local para projetos mais complexos. John Kinneen, vice-presidente da empresa, aponta que “um extenso programa como esse precisa ser executado de maneira formal e consistente, com muita organização. Precisamos procurar identificar a origem dos problemas e resolvê-los rapidamente”.
Harvey Elwin, diretor executivo de construção do WSIP, afirma que a identificação de problemas potenciais nas obras tem sido acelerada pela intervenção de facilitadores reconhecidos pela indústria, em parceria formal ou informal, cuja opinião é acatada por todas as partes envolvidas.
Sem litígios ambientais
Não se conhece na Califórnia um projeto de obra pública desse porte que não tenha enfrentado ações legais de grupos ambientais –o que não aconteceu até agora com a WSIP porque a comissão decidiu ir além das provisões legais exigidas a nível estadual e federal. Cerca de US$ 250 milhões foram investidos em obras importantes, além de outras singelas, como cercas para proteger espécies em risco.
Outra questão complexa é a manutenção do sistema em funcionamento a despeito de 150 paradas de variadas instalações do sistema, o que gerou uma extensa lista de medidas preventivas e de backup, de modo que o abastecimento não seja prejudicado independente das paradas programadas em diversos pontos da rede.
A parada mais complicada foi feita entre janeiro e fevereiro de 2010 e durou 41 dias–para esvaziar o túnel Coast Range, de 40 km, o principal conduto de água que atravessa as montanhas Sierra Nevada e abastece a área da baía de San Francisco. No lado leste do túnel fica uma planta de tratamento UV, com capacidade para 1,3 milhões l/dia. No outro extremo estão quatro túneis subterrâneos de 1 km, interligando Coast Range com o túnel Irvington, que abastece o distrito Mission San Jose.
A equipe dedicada a paradas do sistema d’agua sincronizou os trabalhos em ambos os projetos, nas duas pontes do túnel Coast Range, de modo que este tenha que ser paralisada somente uma vez.
Túnel sob a baía de San Francisco
Ken Slota, gerente da PCL Civil Constructors, que trabalha na planta de UV de Tesla, aponta que extenso planejamento prévio foi feito para ligar três novos tubos de 4 m de diâmetro às tubulações existentes, conectando-a ao túnel Coast Range. A planta UV será a terceira maior da América e é o único projeto que, inclui a construção num só pacote, no programa WSIP. Isso permitiu que ao completar 35% do projeto detalhado, as obras fossem lançadas. A planta inclui uma edificação para alojar 12 reatores UV, com capacidade individual de 151 milhões l/dia, além de uma nova estação de tratamento por hipoclorito, que foi concluída em dezembro passado.
A escavação do túnel Bay Division, que vai ligar 11 km de tubulações novas na parte leste da baía e 14 km de tubos na península de San Francisco já foi iniciada. O túnel de 8 km é o primeiro a ser construído sob a baía, a profundidade de 20 a 30 m sob o solo marinho, em variadas condições geológicas. Como ponto de partida, um poço de 45 m foi aberto pelo co
nsórcio Michels Corp., Jay Dee e Frank Coluccio Construction.
O poço terá paredes estanques de 1 m de espessura e um piso de concreto para prevenir movimentos do solo abaixo e infiltração d’água do oceano. Uma TBM, projetada para a obra pela Hitachi japonesa, vai partir do poço para escavar o túnel e revesti-lo com segmentos pré-moldados. Não há poço intermediário de serviço e o túnel deverá estar pronto em fins de 2015.
Outro túnel – Crystal Springs Bypass – tem a função de garantir o abastecimento d’água após um terremoto, numa uma região sujeita a deslizamentos de terra. O consórcio M.L.Shank e Balfour Beatty Infrastructure foi contratado para essa obra, iniciada em dezembro de 2008 e a ser entregue em agosto próximo. Uma TBM projetada pela M.L.Shank escavará o túnel de 1.400 m de extensão e 4 m de diâmetro. Seções de tubo de aço são baixadas através de um poço para revestir o túnel.
A construção da barragem nova de Calaveras deve ter início em breve. Em 2001, devido a temores de sismos, a SFPUC baixou o nível do reservatório existente, formado por uma barragem de terra que fica próxima a falhas geológicas no subsolo. A nova barragem de entrocamento e terra será erguida logo a jusante da estrutura existente. Terá 75 m de altura, 400 m de crista, quase 400 m de largura na base e 27 m no topo.
A SFPUC reconhece que a decolagem do conjunto de obras do programa WSIP foi lenta, considerando que os trabalhos de planejamento começaram em 2003. Mas esse longo prazo aproveitado para planejar em detalhe e montar a estrutura para coordenar esse gigantesco programa de obras tornou todo o processo de gerenciamento mais eficiente e os prazos e orçamentos estão sendo cumpridos. Isso comprova mais uma vez que o planejamento precisa necessariamente anteceder às obras. (Nota da Redação da revista O Empreiteiro: algo para inspirar os gestores brasileiros no confuso cenário das obras para a Copa do Mundo 2014 e a Olimpíada 2016).
Fonte: Estadão