Desde que a antiga Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.) foi transferida para o governo federal, em 1998, o Estado de São Paulo não investia em transporte de passageiros entre municípios, salvo os remanescentes da antiga ferrovia na Região Metropolitana, que ficaram sob a guarda da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CTPM). Ao se tornar federal, o foco da malha do interior do Estado passou a ser o transporte de cargas. As linhas foram privatizadas e passaram a ser operadas por empresas voltadas ao transporte de cargas.
As linhas de passageiros foram extintas.
Nos últimos anos, o governo estadual voltou a estudar o transporte de passageiros intercidades, como forma de estabelecer uma nova diretriz de mobilidade entre municípios importantes. O objetivo do Trem Intercidades (TIC), como o projeto foi batizado, é estabelecer uma rede ferroviária estruturada em eixos para atender as demandas de viagens entre cidades-polo das regiões metropolitanas do Estado de São Paulo.
TIC é parte do Plano de Ação de Transporte de Passageiros e Logística de Cargas para a Macrometrópole Paulista (PAM-TL), que prevê investimentos privados de cerca de R$ 70 bilhões, sendo R$ 54,2 bilhões na malha ferroviária em cinco regiões metropolitanas: São Paulo, Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e São José dos Campos, segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). Juntas, essas regiões concentram cerca de 70% do transporte de cargas do Estado e 32% do PIB nacional.
Segundo o secretário de Parcerias e Investimentos do governo de São Paulo, Rafael Benini, a proposta do Executivo paulista é ter linhas ferroviárias com modernos padrões de serviços e tempos de viagens competitivos, como modal alternativo para o atendimento de passageiros dos atuais serviços rodoviários e também de parte dos transportes individuais. “Rodovia não dá mais conta, é necessário investir em um transporte de maior capacidade como o trem. Com as novas tecnologias, ele se tornou um sistema com melhor qualidade, que pode atender à demanda de passageiros entre cidades de grande fluxo de pessoas.”
Segundo ele, os projetos vão gerar benefícios socioeconômicos por meio das novas conexões das cidades e bairros de forma mais eficiente e com redução do tráfego rodoviário. Além disso, os projetos terão índices de qualidade de prestação dos serviços aos usuários e vão trazer impactos econômicos positivos para a sociedade por meio da geração de empregos e renda. “Quando comparado ao rodoviário, o transporte ferroviário proporciona maior segurança, velocidade, sustentabilidade e menor custo final”, destaca.
O secretário revela que estão em estudos diversas ligações entre a capital e regiões metropolitanas do interior paulista e entre cidades dessas localidades. Entre elas, estão o TIC SP–São José dos Campos, TIC SP–Baixada Santista, TIC–São José dos Campos–Taubaté, TIC Sorocaba–Campinas–São José do Rio Preto e TIC Sorocaba–Bauru. Cada trecho tem suas particularidades. No trajeto a Sorocaba existe uma demanda maior, mas a rota de São José tem uma engenharia mais fácil e barata, segundo dados preliminares do governo.
Mas o maior deles (e já com edital na praça) é o TIC–Campinas, que fará a ligação da capital com a cidade do interior, com previsão de início das operações da primeira fase em 2029 e completo, dois anos depois. O projeto, que prevê investimentos de R$ 13,5 bilhões na modalidade de parceria público-privada (PPP), será leiloado ainda em fevereiro, segundo o governo de São Paulo.
A ligação entre a capital e Campinas, com parada em Jundiaí, terá cerca de 100 km de trajeto, oferecendo um serviço expresso entre a Estação Barra Funda e Campinas, com parada em Jundiaí. A viagem terá duração de 64 minutos, com 15 trens executando a operação. A tarifa média anual do serviço expresso será de até R$ 50 – montante estabelecido no edital do TIC. O valor máximo da tarifa estabelecida no edital é de R$ 64.
Uma questão que se impõe é se haverá interessados em tocar esses projetos, tendo em vista sua complexidade. “O projeto do TIC–Campinas é comentado desde 2000. Em 2010, os estudos avançaram e agora ele está maduro. É um projeto de qualidade, que deve atrair muitos players importantes”, acredita Benini, fazendo uma ressalva.
“Na área da mobilidade sobre trilhos, a maior dificuldade não é a construção, material rodante, isso tem no Brasil, o mais complicado é encontrar operadores com capacidade para atuar em projetos dessa magnitude. Existem poucos. Esse é o maior nó que temos de desatar nesses projetos.”
Uma das novidades do edital é que o Estado garantirá 90% da receita estimada para o funcionamento do serviço expresso. Caso a arrecadação com as tarifas supere em 10% o total previsto, o lucro será igualmente repartido entre o Estado e o operador privado. Esses aprimoramentos vão garantir, segundo o governo de São Paulo, uma receita mínima para a operação do TIC, além de tornarem o modal mais competitivo e com preço justo para o usuário.
No projeto do TIC–Campinas há ainda o Trem Intermetropolitano (TIM), com cinco estações – Jundiaí, Louveira, Vinhedo, Valinhos e Campinas. A linha irá operar com sete trens e o percurso será de 44 km, com previsão de deslocamento de 33 minutos.
O valor máximo da tarifa do TIM será de R$ 14,05. Na estimativa do governo paulista, o empreendimento irá beneficiar cerca de 15 milhões de pessoas em 11 municípios, gerando mais de 10,5 mil empregos, entre diretos, indiretos e induzidos.
A PPP também prevê a concessão da Linha 7-Rubi da CPTM. Ela vai operar entre as estações Barra Funda e Jundiaí. São 57 km, com 17 estações e 61 minutos de viagem. Além disso, 30 trens que fazem esse trajeto serão transferidos ao futuro concessionário, segundo o governo. Já o bilhete da Linha 7-Rubi seguirá a tarifa pública de R$ 4,40.
Prefeituras e governo federal devem participar do TIC. No caso dos municípios, eles entrarão com o uso das faixas do domínio como contrapartida às melhorias que as novas ferrovias devem levar. No âmbito federal, o TIC–Campinas, por exemplo, está no Novo PAC e tem garantido um financiamento de R$ 6,4 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). São Paulo vai entrar com R$ 8,5 bilhões (a previsão inicial era de investir R$ 6 bilhões), cerca de 75% do total do projeto.
Com isso, o valor de contraprestação a ser pago pelo governo estadual caiu de R$ 400 milhões para cerca de R$ 250 milhões ao longo dos 30 anos da concessão.
O primeiro critério de julgamento do leilão será o maior desconto sobre a contraprestação pecuniária máxima. O vencedor será o que apresentar a maior redução de pagamento, pelo Estado, pela prestação dos serviços. Caso seja ofertado desconto igual por mais de um licitante, o pregão será definido pelo segundo critério, que é o de maior redução do aporte do Estado no projeto.
Outros projetos sobre trilhos estão na mira da administração paulista.
O governo de São Paulo contratou a International Finance Corporation (IFC), órgão ligado ao Banco Mundial, para a elaboração dos estudos para estruturar os serviços de transporte sob o regime de concessão, nas modalidades comum ou patrocinada, das Linhas 10-Turquesa, 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade, todas atualmente geridas pela CPTM. Para essas linhas, a ideia do governo é lançar o edital até o fim do ano, para fazer o leilão no início de 2025.
Uma PPP que deve ser lançada em 2025 incluirá a linha 10-Turquesa da CPTM (do Brás a Rio Grande da Serra) e um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de 33 km que será construído desde o zero – a Linha 14-Ônix, que deverá conectar Guarulhos ao ABC Paulista. Esta última tem o diferencial de ser uma linha perimetral, que irá favorecer os usuários que moram em regiões mais afastadas do centro da capital.