Seca expõe fragilidade da infraestrutura para navegação

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Transporte de longo curso pelo Tietê está interrompido desde fim de maio; obras de melhoria importantes ainda aguardam licenças e não foram executadas

 

Guilherme Azevedo

 

A estiagem que se demora no estado de São Paulo tem servido para colocar à mostra problemas que costumavam ficar invisíveis, ou submersos, como no caso do modal hidroviário. Exemplo emblemático, e crítico, é o da hidrovia Tietê-Paraná, com 2,4 mil km de extensão, cuja navegação encontra-se parcialmente suspensa.
 
A redução do volume da vazão no rio Tietê lança o dilema: transportar cargas ou produzir energia?
 

A interrupção ocorre justamente no trecho mais importante da hidrovia, do ponto de vista da logística do transporte de carga: aquela que atrai e ajuda a escoar parte da produção graneleira do Centro-Oeste, rumo ao Sudeste, depois ao exterior, via porto de Santos (SP). Especificamente, a indisponibilidade atinge o transporte hidroviário desde São Simão (GO), onde está o porto local, no rio Paranaíba, que atrai grande parte da safra de soja e milho da região que é líder nacional. Mesmo que, ali, a navegação esteja liberada, de nada adianta o embarque, pois não há passagem à frente, para o transbordo e a conexão com outros modais, o ferroviário (em Pederneiras, SP) e o rodoviário (em Anhembi, SP).

 

A interrupção total da navegação de longo curso com destino aos terminais localizados no rio Tietê teve início no dia 30 de maio devido à redução expressiva do calado para navegação, resultante da estiagem e do uso prioritário da vazão para a produção de energia. É que, nos mananciais que formam a hidrovia, embarcações e usinas hidrelétricas compartilham o mesmo recurso hídrico e o mesmo espaço, com o uso de eclusas para transpor os desníveis das barragens.

 

O calado mínimo normalmente exigido pela Marinha, para a operação dos comboios (empurrador mais quatro chatas), é de 2,20 m. Desde fevereiro a operação hidroviária ocorria com restrições e, em maio, estratégia emergencial para contornar o problema foi lançada: a adoção da prática de ondas de vazão no rio, isto é, de manobra pela qual se turbina a geração de energia em Nova Avanhandava para aumentar o nível da água e auxiliar na passagem do comboio pela eclusa local. Segundo o Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo (DH), órgão que administra a hidrovia Tietê-Paraná em sua porção paulista (800 km), a medida teve alcance relativo, ao possibilitar a passagem de sete das 21 embarcações que utilizam a via para navegação de longo curso. Em 29 de maio, sem ondas de vazão, o calado caiu para apenas 1 m e a passagem foi proibida.

 

Muitas pedras no caminho

O trecho mais crítico está localizado entre as usinas hidrelétricas de Três Irmãos e Nova Avanhandava, ambas no Tietê, em São Paulo. É o canal de navegação de Nova Avanhandava, em cujo leito se multiplicam pedras e bancos de areia. Com a estiagem, o obstáculo se colocou formalmente como problema. Aliás, existe projeto de derrocamento do canal, para aumentar sua profundidade em mais 2 m, mas ele ainda se encontra em fase de licenciamento ambiental, segundo o DH. A previsão é encerrar projetos e estudos da intervenção no canal até outubro deste ano e pré-qualificar empresas até o fim do ano, para iniciar as obras no primeiro semestre de 2015. O projeto está estimado em R$ 200 milhões.

 

A movimentação de carga pela hidrovia Tietê-Paraná vinha num crescendo ano a ano, conforme dados do Departamento Hidroviário: em 2000, fora de 1,724 milhão de t, volume que em 2013 chegou a 6,1 milhões de t. Os principais produtos embarcados foram soja, milho, cana e areia.

 

O conjunto tradicional de carga que navega pela hidrovia Tietê-Paraná, formado por empurrador e chatas; navegação está interrompida desde 30 de maio

 

Embora estratégico, como meio de transporte econômico e adequado ao transporte de commodities agrícolas e minerais (base da exportação brasileira), o modal hidroviário segue no País com baixo índice de utilização. Segundo o Ministério dos Transportes, hidrovias absorvem apenas 13% do total transportado, contra 61% das rodovias. No estado de São Paulo, de acordo com a secretaria estadual de Logística e Transportes, o modal hidroviário atrai apenas 0,5% do total transportado, contra 93,10% do modal rodoviário.

 

O reflexo dessa situação naturalmente se sente no aumento do custo do produto brasileiro e em margens menores de rentabilidade. É um problema já antigo e muito bem conhecido. Um país que se quer grande e eficiente não pode negligenciar uma questão tão importante assim.

 

“É uma afronta”

O Movimento Pró-Logística, que reúne entidades dos setores agropecuário, industrial e comercial e da sociedade civil de Mato Grosso em defesa da melhoria da infraestrutura de transportes, considera priorizar a produção energética “uma afronta ao uso multimodal das águas do rio Tietê”. A crítica vem do diretor-executivo da entidade, Edeon Vaz Ferreira. Refere-se ao fato de a navegação pela hidrovia estar interrompida em parte pela seca, em parte pelo aproveitamento da vazão para gerar energia nas usinas hidrelétricas de Ilha Solteira e Três Irmãos, ambas no Tietê.

 

Segundo ele, como o sistema de energia do País é interligado e está sob a coordenação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a redução da energia produzida nessas usinas poderia ser compensada com a gerada em outras regiões. Edeon pede que se proceda a uma diminuição temporária da vazão com fins energéticos (por 15 a 20 dias), de modo a elevar o nível do rio e permitir novamente a passagem dos comboios de carga.

 

Nas contas do Movimento Pró-Logística, a interrupção da passagem no Tietê deverá gerar custo extra de US$ 37 milhões, devido à contrata
ção de cerca de 45 mil caminhões para fazer o transporte dos produtos locais. Isso já vem ocorrendo desde fevereiro, quando as restrições à navegação no Tietê tiveram início.

 

Segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), a safra de soja no estado, este ano, é de 28 milhões de t e a safra de milho, de 17 milhões de t. O transporte de grãos mato-grossenses pelo Tietê ainda é comparativamente pequeno em relação aos demais modais: menos de 1% do total (mais ou menos 1 milhão de t/ano).

 

O Movimento Pró-Logística aponta o desenvolvimento de hidrovias como prioritário, uma vez que o item logística, segundo os produtores, é o que mais onera o produto e, portanto, fator decisivo de ganho (ou perda) de valor. “Hidrovia é o modal de transporte mais econômico e ecológico que existe. O País precisa investir nele”, defende o diretor-executivo. 

Fonte: Revista O Empreiteiro


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