Ser estadista não é para qualquer um

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“A injustiça é a ignorância da justiça; a despesa inútil é furto à Nação; sem a liberdade de imprensa não há sistema constitucional e o ministério que transgride ou consente na transgressão pode ser considerado o maior inimigo do Estado.” As afirmações não são de nenhuma das personalidades políticas do momento e de nenhum integrante dos partidos disponíveis no mercado da política atual. Estão no testamento do homem público D. Pedro II, biografado pelo escritor José Murilo de Carvalho para a Companhia das Letras, na série Perfis brasileiros, coordenada por Elio Gaspari e Lilia M. Schwarcz.

O volume, lançamento deste ano, aproxima o leitor da História, puxando-o para o interior dos acontecimentos e mostra como o Imperador, deposto e exilado aos 65 anos, passou a vida toda amparado nas leis, procurando ser o melhor servidor público do País. Ele consolidou a unidade nacional, apoiou o crescimento de uma indústria incipiente, deixou as bases do sistema rodoviário e ferroviário brasileiros, expandiu o ensino e, resolvido a criar uma escola de mineralogia no Brasil, buscou na França professores da matéria e estimulou o diretor Henri Gorceix a fundar a Escola de Minas de Ouro Preto. Um dia, visitando essa escola, ele ouviu de Gorceix, a quem sustentou até o fim do reinado, a informação de que Minas possuía reservas de cerca de 81 bilhões de t de ferro e poderia abastecer de minério o resto do mundo.

Não era seguramente um homem comum, embora se empenhasse nesse sentido e gostasse de ser considerado como tal. Costumava dizer: “Nasci para consagrar-me às letras e às ciências. Tenho ambição de servir a meu País, mas quem sabe não o serviria melhor noutra posição?” E sobre a hipótese de vir a ser deposto, raciocinava: “Se os brasileiros não me quiserem como imperador, irei ser professor”.

E capacidade não lhe faltaria para o magistério. Tinha memória fabulosa e uma predileção natural para o aprendizado de línguas. Falava latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol. Lia grego, árabe, hebraico, sânscrito, provençal e tupi-guarani, apreciando fazer traduções nessas línguas. Considerava normal promover doações para instituições educacionais e científicas, chegando a entregar 100 mil francos para a criação do Instituto Pasteur.

Na política, apoiou o movimento abolicionista. Quando, em junho de 1887, viajou para tratamento de saúde na Europa, a princesa Isabel assumiu a regência e, com a cumplicidade do engenheiro André Rebouças, envolveu-se de corpo e alma no trabalho pró-abolição. Silva Jardim, republicano ferrenho, acusava-a de transformar o Palácio de Petrópolis em quilombo, com a anuência do Imperador. Por conta da abolição, a monarquia ficou com os dias contados e D. Pedro II perdeu uma das bases de sustentação do regime – os grandes fazendeiros de café, sobretudo os de São Paulo. Cotejipe, político dos mais experientes daquele final de Império, afirmava que a princesa Isabel “redimira uma raça, mas perdera um trono”.

Enfim, deposto pelos republicanos, ainda foi instigado a resistir. Respondeu: “Resistir para quê? O Brasil há de saber governar-se; não precisa de tutor”.

Ao ser levado, deposto, para o navio Paraíba, rumo ao exílio, apareceu-lhe um tenente do Exército com um decreto do governo provisório concedendo-lhe um subsídio de 5 mil contos. Guardou o documento sem saber do que se tratava. Nas proximidades da ilha de São Vicente, em Cabo Verde, lembrou-se da papelada e, ao tomar ciência do conteúdo, mandou dizer ao governo provisório que não aceitava aquela ajuda de custo.

Morreu no modesto hotel Bedford, em Paris, no dia 5 de dezembro de 1891, vítima de pneumonia. O presidente da república francesa determinou que lhe fossem prestadas honras militares, apesar dos protestos do representante do governo brasileiro. O livro de José Murilo de Carvalho termina com frase do republicano José Veríssimo sobre o imperador: “Todos pensávamos como queríamos e dizíamos o que pensávamos. Não sei que maior elogio se possa fazer a um estadista”.

Fonte: Estadão


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