Shinkansen demorou 17 anos para pagar custos de construção

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Com os acidentes recentes na Espanha e na França, o trem-bala japonês comprova novamente seus diferenciais em mais de 50 anos de operação – sem vítimas em acidentes por colisão e descarrilamento

Joseph Young

Desde 1964 ele vem transportando 8,2 bilhões de passageiros sem acidentes com feridos ou vítimas fatais. E apresenta benefícios socioeconômicos de uma rede ferroviária de alta velocidade, implementada ao longo de décadas como política de desenvolvimento regional do país.

O termo trem-bala foi inventado pelos japoneses e eles não estavam brincando. O Shinkansen Tokaido viaja hoje a 300 km/h em muitos trechos, com intervalo de apenas 3 minutos entre os trens, totalizando 15 frequências por hora e 333 trens por dia. Nessa primeira linha TAV, entre Tóquio e Osaka, eram feitas apenas 60 viagens por dia quando ela foi inaugurada, em 1964. Em 2007, o número de trens operando em todas as linhas de alta velocidade chegou a 841 viagens/dia. Apesar dessa densidade de tráfego, o atraso médio por trem era de menos de um minuto.

Antes do TAV, o percurso de 515 km entre Tóquio e Osaka, numa das regiões mais densamente povoadas do mundo, demorava 6 horas e meia. O Shinkansen Tokaido reduziu esse tempo para 4 horas no início; um ano depois, caiu para 3 horas e 10 minutos; hoje, a viagem dura 2 horas e 25 minutos. Por isso, o trem é competitivo em relação ao avião e a outros modais, além de favorecer os usuários com facilidade muito maior de acesso através de suas estações e conexões com metrô.

O nível de segurança é produto de um programa que abrange múltiplos aspectos, começando por uma lei que proíbe o ingresso de pessoas não autorizadas na faixa de domínio dos trilhos. A construção de via segregada sem cruzamentos de nível; o sistema ATC de controle de trens, com sistemas redundantes comandados com computadores, à prova de falhas e erros humanos; dispositivos múltiplos instalados nas vias para detectar anomalias e proteger o TAV etc. – tudo isso, mais a experiência de décadas em gerenciar o sistema, levou as três empresas a sustentar a taxa de acidente zero, provocado por descarrilamento ou colisão, em mais de 50 anos de operação comercial.

Faz parte desse conjunto de sistemas de segurança o monitoramento contínuo de irregularidades nos trilhos, uma rede elétrica sofisticada que fornece suprimento estável de energia para operação do TAV; sensores diversos para detecção antecipada de fenômenos climáticos e tremores de terra; inspeções e manutenção sistemática e regular; controle rigoroso de qualidade; testes de fadiga, envelhecimento e desgaste etc.

A prevenção de desastres naturais é uma prioridade nacional no Japão, localizado numa região propensa a esses fenômenos, como tufões e terremotos. O sistema Terra-S serve para detecção antecipada de tremores, com sismógrafos instalados ao longo da linha Tokaido, bem como nas áreas costeiras para detectar a primeira e segunda ondas de choque produzidas por um terremoto, permitindo que a operação do TAV seja suspensa imediatamente. Existem ainda sensores para medir a temperatura dos trilhos, quantidade de chuva, ventos e nível d’água.

Ao longo desse meio século de operação, o Shinkansen funcionou como vetor de desenvolvimento regional ao longo de suas linhas, acelerando a urbanização no entorno das estações, chegando a criar novas cidades em alguns casos. O fato de a população poder viajar por largas distâncias em curto espaço de tempo, num único dia, passando por cidades e regiões distintas, acelerou o intercâmbio comercial e cultural entre elas. Quando a linha Tokaido abriu a primeira estação após Tóquio — a Shin-Yokohama, construída numa região pouco habitada —, permitiu que, em seguida, ela recebesse um terminal de metrô e conexões com outros modais de transporte. Hoje existe uma verdadeira cidade em torno da estação.

Outro exemplo foi Sendai, uma cidade importante no nordeste do país. Quando a linha TAV Tohoku iniciou serviço, a cidade se transformou num centro regional, propiciando a construção do metrô e outros sistemas de transporte urbano. Com o tempo, Sendai entrou no grupo restrito das cidades japonesas com mais de 1 milhão de habitantes. Outros núcleos urbanos se formaram da mesma forma ao longo das diversas linhas do TAV.

O avanço da tecnologia

O progresso tecnológico do material rodante e dos sistemas de suporte, ao longo das vias, foi simultâneo. Uma característica distinta é a tração distribuída nos carros com motores elétricos individuais em cada eixo, que também funciona como freios, ao contrário do conceito tradicional de uma locomotiva puxando os vagões. Os trens podem ser reduzidos ou alongados em número de carros, com facilidade, para atender a demandas variadas.

A partir do carro série 0, introduzido em 1964, o modelo de dois pisos com restaurante e cabines privadas chegou em 1985, além do vagão série 100 com interior redesenhado para melhorar o serviço e o conforto do passageiro. Em 1992, a série 300 adotou os motores de tração AC e a estrutura de alumínio nos carros, chegando à velocidade de 270 km/h. Nesse meio tempo, um modelo experimental, batizado de 300X, chegou a 443 km/h em testes. A série 500, de segunda geração, incorporou uma série de avanços e opera a 300 km/h na linha Sanyo, tendo menor consumo de energia. A série 700 entrou em serviço em 1999 e a atual é a N300, comissionada em 2007, cujo dispositivo de inclinação natural permite que mantenha a velocidade de 270 km/h mesmo nas curvas.

A performance do trem-unidade Shinkansen beneficiou-se dos avanços em eletrônica e semicondutores nos sistemas de tração e potência, com redução significativa do peso dos carros. O perfil aerodinâmico reduz o arrasto, resultando-se em maior velocidade final e menor consumo de energia ao longo do tempo. Além disso, o estudo detalhado dos movimentos do c
arro melhorou seu desempenho nas curvas, a suspensão ativa diminuiu as vibrações, o avanço da tecnologia dos sensores e dos sistemas de ar-condicionado baixou o nível de ruído no compartimento dos passageiros, tornando a viagem mais confortável.

Trem-bala nasceu nos anos 40

A história das ferrovias japonesas começa em 1872, quando o governo pediu assistência técnica da Inglaterra para construir a primeira linha, adotando a bitola estreita de 1.067 mm. Ao final do século, com a expansão das ferrovias interestaduais nos EUA, discutiu-se a troca pela bitola-padrão de 1.435 mm no Japão e foi lançada a ideia de uma ligação rápida entre Tóquio e Osaka. Por volta de 1940, a proposta de um trem-bala neste trajeto, viajando a 200 km/h, provocou opiniões controversas; sua construção chegou a ser iniciada mas foi interrompida pela 2ª Guerra Mundial (1939-45).

Em meados dos anos 50, a linha Tokaido entre Tóquio e Osaka, ainda em bitola estreita, estava saturada. Foi então retomado o projeto do Shinkansen Tokaido, em bitola-padrão, com o governo e a indústria convencidos de que o país detinha tecnologia própria para realizá-lo, como a tração distribuída em trens de longo percurso, a eletrificação executada com sucesso nas ferrovias existentes, avanços nos sistemas de controle de tráfego com uso de computadores e a fabricação do material rodante usando tecnologia da indústria aeronáutica. A construção dessa linha foi iniciada em 1959 e concluída cinco anos depois, em 1964. Sua inauguração ocorreu em 1º de outubro e dez dias depois houve os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Embora a velocidade máxima da linha Tokaido fosse de 210 km/h, em alguns trechos era reduzida nessa fase pioneira. Em novembro de 1965, o tempo de viagem já caiu de 4 horas para 3 horas e 10 minutos. Em 1970, quando se realizou a Exposição Mundial em Osaka, o TAV passou de 12 para 16 carros e transportou 400 mil passageiros/dia. Na mesma época, uma lei criou a rede nacional Shinkansen.

A segunda linha TAV foi a Sanyo, começando pelo trecho Shin-Osaka-Okayama, executado entre 1967 e 1972. Na sua abertura, entrou em serviço o COMTRAC, que usava computadores para tomar as decisões sobre rotas e ajustes de tráfego. O trecho Okayama-Hakata foi criado entre 1970 e 1975, ligando esta última à capital num percurso de 6 horas e 56 minutos.

Como as ligações Tokaido e Sanyo se estendem na direção ocidental do arquipélago nipônico, a linha no sentido norte, Tohoku e Joetsu, entrou em obras em seguida. A linha Tohoku, que ambicionava ligar a capital ao extremo norte, passando por Fukushima, Sendai, Morioka, Aomori e enfim Hokkaido — via o túnel submarino Seikan —, teve o primeiro trecho, de 43 km até Morioka, iniciado em 1971. A linha Joetsu também começou na mesma data, atravessando uma cadeia montanhosa até Niigata, no Mar do Japão. Como as obras dentro da capital eram de vulto, optou-se por executar os trechos até Omiya, a 30 km de Tóquio, até 1982; três anos depois o trecho Omiya-Uenno, de 27 km, ficou pronto; e finalmente, em 1991, o trecho Ueno-Tóquio, de 3 km.

Com a privatização das ferrovias japonesas em 1987, a rede foi dividida em três partes, ficando então a Shinkansen Tokaido com a JR Central; a Sanyo com a JR West; Tohoku e Joetsu com a JR East. Então, essas operadoras privadas começaram a aumentar o limite de velocidade do TAV.

A JR East registrou o recorde de 425 km/h com o modelo experimental Star 21 em 1991. A JR Central lançou o trem 300X, que atingiu 443 km/h. Os trens comerciais das séries 500 e N700 têm operado normalmente a 300 km/h. As três operadoras privadas planejam atingir a velocidade comercial de 360 km/h em futuro próximo.

O inventor do Shinkansen

Hideo Shima é o seu nome e quando começou a projetar seu trem-bala no Japão, a Europa operava os seus trens rápidos a 144 km/h. Ele ambicionava muito mais. Quando o projeto chegou ao gabinete do governo japonês, em 1958, parecia o empreendimento perfeito para impressionar o mundo quando os visitantes chegassem à Olimpíada de Tóquio, em 1964. Mas o custo estimado na época, US$ 540 milhões, era assustador.

Ele foi despachado para Washington (EUA) a fim de buscar financiamento com o Banco Mundial. Os técnicos da instituição esbarraram na restrição de que o banco não podia financiar projetos experimentais. Mas o currículo de Shima era impressionante — ele era engenheiro ferroviário desde 1925, quando se formou e ingressou na estatal ferroviária do Japão. Passou por todos os postos técnicos até tornar-se seu diretor e engenheiro-chefe. Projetou locomotivas elétrica e a vapor — ferrovia estava no seu sangue.

O banco se convenceu e emprestou US$ 80 milhões ao Shinkansen. O custo da linha Tokaido, de 512 km, que precisou de centenas de pontes e 67 túneis, acabou custando o dobro — pouco mais de US$ 1 bilhão. Ela precisou de 17 anos de operação para pagar seus custos de construção e tornar-se lucrativa, ao contrário das outras linhas rápidas que ainda não o são — no Japão e em outros países.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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