José Ayres de Campos*
Sob o ponto de vista técnico, entendo que a formação brasileira representa o “estado da arte” da engenharia mundial. O conhecimento técnico do engenheiro brasileiro, norte-americano, europeu e oriental é do mesmo nível. Entretanto, existem outros conhecimentos, necessários aos desafios da internacionalização, que as escolas ainda não abordam. Além disso, poucas empresas investem no treinamento sobre o assunto. Com isso, a engenharia brasileira paga um preço elevado pelo desconhecimento de fatores fundamentais para o êxito nas atividades de exportação de engenharia. |
Os principais conhecimentos necessários para superar os desafios da internacionalização que as escolas e empresas ainda não tratam adequadamente são:
a) Entender que cada país e região têm sua cultura, costumes e valores. Eles precisam ser entendidos, interpretados e assimilados para possibilitar o relacionamento.
b) Adaptabilidade é a característica que o engenheiro necessita ter na internacionalização, para assimilar as demandas profissionais da região ou país no menor tempo possível, aplicando os conhecimentos técnicos que, sim, são comuns.
c) Mobilidade. Essa característica é atualmente um dos maiores desafios para a globalização da engenharia brasileira. É comum os engenheiros graduados nos grandes centros urbanos brasileiros não se disporem a trabalhar em locais longínquos. Além disso, muitos têm a expectativa de que, em curto prazo, deixarão os desafios da engenharia para migrar para a administração. Nos demais países com cultura mais adaptada à internacionalização, os engenheiros se formam com o desejo de desbravar o mundo e estão abertos para trabalhar onde houver desafios que os motivem ao desenvolvimento técnico e gerencial de suas carreiras.
d) Treinamento. De maneira geral, as empresas brasileiras do ramo de engenharia investem muito pouco em treinamento. É comum a expressão treinamento “on the job”, onde o profissional é colocado à frente de um serviço, aprende com seus erros e acertos e se mantém na organização se o seu índice de acerto for maior do que o de erros. O que as empresas não realizam é que o custo desses erros é muito maior do que o do treinamento.
Há de se destacar que engenharia, mesmo sendo uma ciência exata, é exercida por seres humanos. Por isso, o relacionamento social e empático é essencial. O maior desafio do engenheiro é o de abrir a mente para entender as diferentes culturas, costumes e valores. Ele precisa deixar de lado todas as premissas culturais anteriores para melhor interpretar e responder às demandas do novo mercado, com a bagagem técnica e tecnologia que abriu as portas desse mercado.
Nesse sentido, entendo que as escolas de engenharia devem abordar as diversidades culturais para melhorar e facilitar a internacionalização da engenharia nacional. Todavia, também é responsabilidade das empresas o desenvolvimento de seus profissionais para esse desafio.
Recentemente, estive na China, palestrando no Fórum Internacional de Investidores e Construtores Chineses, cujo principal interesse é ampliar a internacionalização das empresas chinesas. Trouxe como aprendizado a atenção e preparo dos chineses para aprender as diferenças culturais, normas e ambiente de trabalho para o êxito de seus investimentos.
Sobre a questão relacionada ao momento, hoje, da engenharia brasileira, tenho a dizer que é preciso diferenciar técnica de tecnologia. Esta última é o resultado de conhecimento técnico, aplicado com resultados. Portanto, acredito que o melhor investimento que um país ou uma empresa pode fazer é na aquisição de tecnologia de que não dispomos.
Pela falta de investimento por quase duas décadas, a indústria naval brasileira foi destruída. Agora, por uma decisão estratégica do governo brasileiro, por meio da Petrobras, esta se reconstruindo em novos moldes: mais eficiente, com novas tecnologias de desenho e construção. Isso exigiu (de forma inteligente) a importação dessa tecnologia.
A tecnologia é o resultado do investimento contínuo em um segmento. Não se perpetua conhecimento sem investimento. Acredito que a importação de conhecimento e tecnologia é importantíssima para que a engenharia brasileira assimile de forma rápida o estado da arte nesses setores, de forma a podermos ter esse conhecimento no futuro.
Ao falarmos em internacionalização, devemos ter em mente uma abertura de mercados, onde importar e exportar tenham o mesmo valor, até porque se somente exportamos, ou exportamos mais do que importamos, estaremos contribuindo para o desequilíbrio da economia interna. Por isso, importar bem é muito bom, de tal forma que tenhamos uma balança econômica equilibrada e de alto valor. É esse equilíbrio que mostra o Brasil como economia globalizada, onde o mercado competitivo rege as suas relações.
*José Ayres de Campos é engenheiro e presidente da CNEC Worley Parsons.
Fonte: Estadão