O mesmo erro – a meu ver – já havia sido cometido, em 2000, em relação a Marechal Taumaturgo, no Alto Juruá, também interior do Acre, quando os mesmos índices estabeleceram o município (não levaram em conta a Faixa de Gaza, os feticídios na Índia, para ficar só nestes dois exemplos) como o pior lugar do mundo para uma criança nascer, considerando, por exemplo, a falta de creches, entre outras coisas.
Como no caso de Marechal Taumaturgo de quase uma década atrás, o repórter do Fantástico errou nos seus critérios de avaliação em relação a Jordão ao estabelecer que as crianças do município não seriam totalmente felizes por nunca terem visto, por exemplo, um chuchu ou por nunca terem tomado banho de chuveiro. O jornalista bebeu nas águas impuras da tabela de quesito elaborado por algum tecnocrata da ONU. Afinal, só um desses engravatados que não conhecem o mundo senão a partir de relatórios e de números elaborados a partir dos manuais por eles mesmos construídos não sabe que, num município como Jordão ou mesmo Marechal Taumaturgo e em outras regiões com as mesmas características, menino algum seria feliz internado numa creche. Aliás, para que creches se esses meninos têm o maior e mais belo parque de diversão do mundo? Sim, são meninos que, como eu, nascido em seringal, apesar dos riscos da vida na floresta, têm à disposição um imenso quintal, um autêntico jardim de Deus, a Amazônia. Com o mundo a seus pés, internar um menino daquela região numa creche seria, isso sim, condená-lo à morte.
O que tais reportagens não levam em consideração é que tanto em Jordão como em Marechal Taumaturgo e outros municípios isolados do Acre, a faculdade pública está presente, oferecendo cursos de graduação em diversas áreas – o Acre é o único estado do Brasil a oferecer cursos superiores a seus cidadãos na totalidade de seus municípios. Quanto ao fato das crianças de Jordão não conhecerem um chuchu ou que o quilo de tomate chegue a custar até R$ 7,00, o que precisa ser analisado é que, nesse município, assim como em Marechal Taumaturgo ou em Santa Rosa, e outros municípios acrianos, boa parte da população é composta por indígenas das mais diversas etnias e não há, até que me provem em contrário, qualquer indicador que aponte o plantio de hortaliça como um traço da cultura desses povos.
Mas voltemos à questão da infância em Jordão, conforme mostrou a reportagem.
A avaliação de que a vida naquele município será abreviada porque a criança vai crescer sem tomar banho de chuveiro, é coisa de quem, de fato, não conhece a alegria e a felicidade de um menino ou menina ao tomar banho de rio, principalmente exercitando o nado e os mergulhos de “facada”. E se essas crianças pertencerem a povos indígenas, como o é a grande maioria da população daquele município, é como, para nós, os brancos, a união do côncavo ao convexo, algo tão natural como carnaval e batucada, queijo e goiabada, feijoada e rede…
É claro que um urbanóide desses, cuja vida vai passar seguindo um ritual ou como algo extraído de manual, não pode entender, jamais, especificidades como a Amazônia.
Só mesmo o desconhecimento poderiam alinhar, num mesmo gráfico, ainda que as situações sejam parecidas mas jamais iguais, municípios como Jordão, Tarauacá, na Amazônia, à tragédia da Traipu alagoana ou da pernambucana Manari. Quem vive a realidade do sertão nordestino, se conhecesse e pudesse, adoraria ser miserável na Amazônia, onde a água doce, o peixe, a caça e a extração de frutos da floresta ainda são abundantes. No nordeste brasileiro, ainda que queira lutar contra a desgraça, o sertanejo está condenado porque simplesmente não pode plantar, não pode criar uma galinha e não pode pescar porque simplesmente ali não há água. Se não há água, a vida é mesmo precária, uma situação bem diferente do que vivem os excluídos da Amazônia.
Um miserável de Jordão, diante de um miserável do sertão nordestino – e longe de mim qualquer posicionamento xenófobo – é um felizardo. Alinhá-los na mesma escala é burrice.
É claro que muita coisa ainda precisa ser feita. É absurdo um litro de combustível em Jordão custar praticamente o dobro do que é praticado na Capital do Acre. Mas por que usar como parâmetro as cidades da Europa? Lá é que o combustível deveria ser mais caro que em qualquer outra parte do mundo. Eles não produzem combustíveis e ainda assim estão entre os que mais o consomem, responsáveis, mais que qualquer outro continente, pelos poluentes que tanto agridem o planeta.
buy lipitor generic buy lipitor over the counter
Logo teriam que pagar por isso, o que, na verdade, é assunto para outro debate.
O que se pretende aqui é discutir o IDH e seus critérios.
O Índice foi criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Hag (1934-1998) com a colaboração do economista Indiano Amartya Sem, ganhador do Prêmio Nobel em Economia em 1998, e logo açambarcado pela ONU (Organização das Nações Unidas), segundo o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (www.pnud.org.br/atlas). É aplicado atualmente em mais de 175 países e foi criado para oferecer contraponto ao PIB per capita, o índice que considera apenas a dimensão econômica de um país. O IDH parte do pressuposto segundo o qual, para analisar o avanço no desenvolvimento de uma população, devem ser considerados não apenas a economia, mas sim as características sociais, culturais e políticas que influenciam na qualidade de vida.
É aqui, a meu ver, que os critérios de avaliação precisam ser debatidos. Não se pode aplicar os mesmos índices para uma situação do sertão nordestino, que é única, para uma região como a Amazônia, diferente do restante do país e não raro diferente até mesmo entre si.
Puxar o debate para que os organismos internacionais e até as agências de desenvolvimento do nosso país, que seguem esses critérios, mudem seus conceitos, é o que deveriam fazer os membros da classe política do Acre, independente de partidos ou da posição no tablado do poder. O Governo, por seu turno, deveria utilizar seus técnicos, para mostrar que o Acre, se não é ainda o lugar ideal para se viver, está, felizmente, muito longe da situação de desgraça que humilham e envergonham a todos nós, como brasileiros.
Fonte: Estadão