Em abril do ano passado a revista O Empreiteiro publicou matéria de capa dando conta da greve, seguida de atos de vandalismo, praticados no mês anterior contra as instalações e meios de transporte dos trabalhadores, no canteiro da usina hidrelétrica de Jirau. A reportagem fora ilustrada por fotos de Elianio Nascimento e Rian André (Rondoniagora), que documentaram aquelas ocorrências.
A tensão social, que gerou tais acontecimentos, não ficou circunscrita àquela obra. Ao contrário, alastrou-se pelos canteiros da usina hidrelétrica de Santo Antônio, também no rio Madeira, Rondônia; usina hidrelétrica São Domingos, no Mato Grosso do Sul; petroquímica de Suape e Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; paralisou os trabalhos na termelétrica de Pecém, no Ceará, e alcançou até o terminal marítimo de Açu, no Rio de Janeiro.
Neste ano, também em março, movimento grevista semelhante ocorreu em Jirau, com desdobramentos em Santo Antônio, Belo Monte e Teles Pires. E, a exemplo das violências registradas durante o movimento do ano passado, desta vez houve práticas de vandalismo contra instalações, em especial os alojamentos, que foram incendiados.
A partir da experiência anterior, o governo federal tentou adotar medidas preventivas para inibir paralisações de obras, tendo em vista os prazos apertados e, a essa altura, já comprometidos, para a conclusão das usinas de Jirau e Santo Antônio. Ele tomou até a iniciativa de convocar empresários e trabalhadores, num acordo tripartite destinado a resolver pendências trabalhistas nas obras do PAC. Contudo, embora divulgado com pompa e circunstância no Palácio do Planalto, tal acordo chegou tarde aos canteiros daquelas obras.
É que tensão social não se resolve com discursos. Cada canteiro, aberto em regiões distantes das áreas do poder central e das metrópoles, tem característica de um desbravamento, vulnerável às complexidades logísticas de toda ordem, incluindo as dificuldades para a organização dos contingentes de mão de obra. Santo Antônio, por exemplo, pode agregar maior volume de trabalhadores locais, do que Jirau, que precisou recorrer a contratações, feitas em outras regiões.
Além disso, nos parece que várias das empreiteiras das obras atuais, que antigamente foram contratadas por estatais e, hoje, são concessionárias e gestoras das hidrelétricas em construção, poderiam explorar melhor a valiosa experiência do passado recente, quando executaram hidrelétricas do porte do Complexo Urubupungá, Porto Primavera, Itaipu, Tucuruí, Paulo Afonso e várias outras.
São obras que mobilizaram extraordinários contingentes de trabalhadores e se desenvolveram também sob tensão social, em parte por causa do regime militar da época. Mas as empresas conseguiram acomodar as situações e tirar partido da infraestrutura montada para atendimento dos trabalhadores e de seus familiares. Uma dessas obras, a usina hidrelétrica de Ilha Solteira, contou até com o apoio logístico de uma cidade construída especificamente para aquele fim: a cidade de Ilha Solteira, hoje autônoma, com campus universitário, indústria e rede de serviços.
Em nosso entender, o acordo tripartite, para dar certo, precisa acercar-se do conhecimento histórico das obras construídas em passado recente e do conhecimento, profundo, das causas que geram a tensão social nos canteiros: falta de comunicação dos trabalhadores com a família deixada em núcleos urbanos distantes – um problema que hoje, na era da tecnologia da informação, seria facilmente solucionável; o isolamento; falha na percepção para se antecipar aos fenômenos sociais; maior rigor nos cuidados prévios para a contratação; as condições de alojamento; o trabalho para a construção de um convívio entre pessoas de hábitos e costumes diferentes; e a consciência de que o custo mão de obra tem peso, sim. Contudo, uma usina hidrelétrica vai gerar energia por anos e anos, mesmo depois que o custo dessa mão de obra não venha a ter mais nenhuma significação no conjunto dos lucros contabilizados.
Não pretendemos levar esse raciocínio aos mínimos pormenores, uma vez que ele deverá ser melhor trabalhado do ponto de vista da sociologia. Mas ponderamos, também, que o lazer, as competições esportivas internas (futebol convencional, futebol de salão, futevôlei, pebolim etc.) e o tratamento médico para os “peões” e seus familiares, incluindo médicos ginecologistas, proporcionam segurança e consolidam, entre eles, o sentimento de cidadania. Nessas bases estaríamos caminhando para um acordo tripartite digno desse nome.
Fonte: Padrão