A jornada da revista OE como observadora da infraestrutura brasileira – incluindo a construção industrial e imobiliária – surge na nossa memória, mesmo sem ordem cronológica precisa, e percorre seis décadas. Começa com a visita do então jovem jornalista à hidrelétrica de Ilha Solteira em companhia do seu mentor, o jornalista Nildo Carlos de Oliveira. A novidade que nos surpreendeu foi a produção de concreto com escamas de gelo, para combater o calor da hidratação, no canteiro de obras da antiga CESP.
Outra hidrelétrica visitada algum tempo depois foi a de Paulo Afonso, quando uma barata cascuda colidiu na minha testa ao descer do avião. Nessa usina, sobrevoamos de helicóptero a área para melhores fotos, cuja porta havia sido removida para dar maior visibilidade. O piloto avisou que a única coisa que não podíamos fazer era bater no peito – abrindo a trava dos dois cintos de segurança em X.
Na inauguração da usina de Sobradinho, no sertão da Bahia, os jornalistas presentes esperavam ansiosamente por quitutes baianos no jantar servido no refeitório da obra, mas o chef fez strogonoff para decepção da maioria. Na TV passava Dancing Days, novela ambientada no Rio, mostrando, é claro, cenas de praia. Um choque cultural inesperado!
Em Manaus, quando OE foi acompanhar o lançamento de um emissário de esgotos no rio Negro, apelidamos de Operação Buiuna na matéria — nome esse emprestado do folclore amazonense. Fomos experimentar o melhor peixe frito da cidade num boteco na margem do rio. Quando o pedido chegou à mesa, imediatamente uma nuvem de moscas pousou. Nosso guia nos ensinou que se pega o peixe com a mão direita, enquanto a mão esquerda abana as moscas.
Ao final do milênio passado, a revista OE lançou o livro “100 Anos da Engenharia Brasileira”, cujo conteúdo foi organizado pelo jornalista Nildo Carlos de Oliveira. Uma obra celebre, sem desmerecer as demais, foi a ponte Rio-Niterói, que teve que enfrentar o subsolo e o mar da Baía da Guanabara, cujas difíceis condições quebraram literalmente o consórcio construtor que venceu a concorrência. Aí tiveram que chamar o engenheiro Bruno Contarini, que foi buscar na Alemanha uma perfuratriz de fundações, operando sobre plataforma que se apoiava através de colunas treliçadas no fundo do mar. Foi com essa tecnologia que se fincaram as fundações da ponte de 13 km.
Acompanhamos a odisseia da construção da hidrelétrica de Itaipu, a maior usina do mundo em geração média — seus 14 mil MW superam inclusive a Três Gargantas na China, embora esta tivesse capacidade nominal maior. O consórcio construtor reuniu as quatro maiores construtoras do país e empresas paraguaias. Ela também mostrou a rivalidade política entre Brasil e Paraguai e obrigou que metade das unidades geradoras fosse de 60 hertz e metade de 50 hertz, para atender o país vizinho – e que exportava de volta essa energia para nós. Um absoluto contrassenso em termos de tecnologia!
Descemos de Kombi a precária estrada de Cunha até Parati, para visitar as obras da usina nuclear de Angra dos Reis. Eram os anos 70. Ela entraria em operação em 1985. Quem imaginaria que hoje ainda estamos para iniciar a conclusão da usina 3? É mais um absurdo da complexa gestão de obras públicas que muda a cada quatro anos por conta das eleições. Nessas décadas recentes, queimamos trilhões no PAC — Programa de Aceleração de Crescimento, mas estamos a enfrentar uma nova crise energética em pleno ano de 2021!
Antes de partir desse plano, Nildo Carlos de Oliveira, também escritor de ficção, redigiu a biografia do engenheiro Bruno Contarini, que desde os tempos de Brasília fez cálculos para colocar de pé as linhas geniais de Oscar Niemeyer. O Museu de Niterói está aí para testemunhar a fusão da criatividade dos dois visionários, cada um no seu metier. O livro teve copatrocínio da Arcelor Mittal.
Falando do Niemeyer, lembramos do complexo da Cidade Administrativa Tancredo Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O Palácio Tiradentes fica literalmente suspenso no ar, com imenso vão livre embaixo, replicando sem querer o impacto do Museu MASP na Avenida Paulista, em São Paulo, com sua estrutura suspensa desenhada por Nina Bo, e o maravilhoso Hotel Unique, do arquiteto Ruy Ohtake que foi meu professor no Mackenzie, no curso de arquitetura que não concluí. (se arrependimento matasse…)
E nas andanças pelas feiras internacionais de Construção e Mineração, a experiência, que seria sensacional se repetida hoje, foi viajar na cabine do condutor do TGV, em Paris, quando o operador me explicou que há guarda-trilhos que afugentam animais na rota a despeito de cercas de vedação. Mas quando um é atropelado acidentalmente pelo trem, ele acaba invariavelmente no forno na hora de jantar….Os franceses adoram carne de caça!
E foi com orgulho que viajamos no trem bala de Xangai, na China, para ver aquela multidão que precisava embarcar em apenas 20 minutos. Foi um empurra-empurra, mas com muita educação, porque a minha mulher temia me perder no meio da multidão. Embarcamos — e aí, descobri que alguém tinha surrupiado minha carteira, com os cartões de crédito e tudo.
Em 2010, publicamos o livro “Aço e Concreto que Parecem Voar” pela lei Rouanet, com o copatrocínio de Gerdau, SH, Protende e Mecan. Ele reúne obras de infraestrutura, de construção imobiliária e industrial que se destacaram pelas soluções estruturais, projeto arquitetônico e inovações construtivas. Elas mostram concretamente como a atividade de construção é essencial para dar suporte à economia e qualidade de vida da população — do norte ao sul do País, tanto em regiões carentes como em áreas desenvolvidas.
Em 2011, começa a contribuir ao conteúdo editorial da revista OE o jornalista Augusto Diniz, fluminense de Niterói. Em temas de infraestrutura, fez uma expedição pessoal de ônibus pela África do Sul, um ano antes de ingressar na revista (que depois virou matéria na publicação), visitando todos os estádios construídos para a Copa do Mundo FIFA de 2010.
Ficou impressionado de como o governo local justificaria essa montanha de recursos investidos em um torneio bilionário, cuja receita vai toda para a FIFA, em um país ainda com extremas carências a solucionar na população de baixa renda.
Outra matéria, feita por ele in loco, foi a recém-pavimentada estrada no Acre, que liga a capital Rio Branco a Cruzeiro do Sul, de mais de 600 km, com quatro pontes robustas atravessando caudalosos rios da Bacia Amazônica. Os cursos d’água naquela região de floresta ainda densa, a cada período de chuvas mudam de leito. A estrada percorre transversalmente a esses cursos, estabelecendo um desafio à engenharia naquela estrada de como a água deve transpor a rodovia. Centenas de condutos foram posicionadas embaixo da via para passagem de água, sendo que alguns funcionam mais que outros menos, dependendo do ciclo chuvoso.
Ele teve oportunidade ainda de viajar com Nildo, em uma de suas últimas reportagens, para conhecer as obras da UHE Belo Monte. Percorreram cerca de 1 mil km da Transamazônica, pelas áreas de influência. A obra da usina hidrelétrica no Pará impressionou na construção do canal de derivação de 20 km, onde mais de mil equipamentos e veículos trabalhavam incessantemente para sua construção – pareciam brinquedos vistos à distância. Entre um sítio e outro da obra, percursos de cerca de 50 km davam a dimensão e a complexidade do projeto.
Uma equação insolúvel: Copa FIFA + Olimpíada Rio 2016
Embora o orgulho do brasileiro não permita admitir, hoje é razoável questionar que o sonho de grandeza de sediar a Copa do Mundo FIFA em 2014, seguido pela Olímpiada Rio 2016, não trouxe o retorno “espetacular” esperado – embora a revista tenha publicado muitas matérias feitas in loco sobre as obras do Mundial de Futebol (quase todos os estádios em obras foram visitados pela publicação) e também dos Jogos (tanto do Parque Olímpico como da infraestrutura desenvolvida, incluindo BRTs, metrô, vias públicas).
O País não se tornou a estrela entre os emergentes que se esperava nos anos subsequentes, e os Jogos Olímpicos não chegou a criar um novo ciclo de desenvolvimento para o Rio de Janeiro, nem a maioria dos estádios FIFA mostrou grande serventia para a população.
A crise do Lava-Jato paralisaria o mercado de obras públicas a partir de 2014. Era o efeito cascata, afetando empresas de engenharia e centenas de subcontratadas delas — cada uma dessas com vários de fornecedores. A penúria de recursos públicos nos três níveis de governo para investir em obras de infraestrutura seria o divisor de águas para o ingresso de concessionárias privadas – que passaria a ter peso crescente no fluxo de recursos para novas obras.
A plataforma digital www.revistooe.com.br amplificaria sua atividade ao atualizar seu conteúdo todo dia, inclusive com vídeo-entrevistas de contratantes privados a concessionárias, além de empresas de engenharia, para pontuar obras potenciais que amadureciam no pipeline do mercado e relatar soluções desenvolvidas nos canteiros dos projetos em execução. As obras de porte eram de recursos privados na sua maioria absoluta, com raras exceções. É o caso dos megaempreendimentos de papel e celulose — Fibria, Suzano, Klabin, e mais recentemente, Bracell.
A renovação das concessões das principais hidrelétricas atraiu estatais da China como CTG, State Grid, CGN e Spic. A primeira delas é pioneira em programa de modernização digital de usinas hidrelétricas construídas há décadas, que começou no complexo Jupiá-Ilha Solteira. Outras usinas devem seguir o mesmo caminho, como a Itaipu.
Em 2018, a revista OE promove o 1º Fórum Infra sobre os projetos em curso e futuros das concessionárias de Transportes, Energia, Saneamento, e Petróleo e Gás.
O sucesso das concessões federais dos aeroportos antes gerenciados pela Infraero trouxe uma revoada de players globais ao País, como Fraport, Vinci, Zurich e Anae, além de fundos estrangeiros.
Com o marco regulatório do Saneamento aprovado em Junho de 2020, este fórum já ocorre duas vezes ao ano cobrindo sempre os quatro setores, desenhando o norte dos novos projetos no pipeline. O setor de transportes, que engloba rodovias, ferrovias, mobilidade urbana, portos e aeroportos, é o setor mais dinâmico pelo número de novos players. A Dutra, vista como joia da coroa no modal rodoviário teve sua nova concessão conquistada pela operadora atual, o grupo CCR – que finalmente vai construir nova pista na Serra das Araras.
O monotrilho VLT, que chegou como a nova estrela da mobilidade urbana, ainda na época da Copa do Mundo FIFA 2014, frustrou as expectativas injustificadas, porque não haveria recursos para implantar este modal nas capitais que sediariam os jogos. Era um “sonho de grandeza” com pés de barro – embora diversos sistemas tenham sido retomados nos anos recentes. O modal de ônibus BRT, mais barato, ocupa hoje espaço crescente nas maiores cidades brasileiras.
Em 2019, a revista OE cria o Prêmio InovaInfra para valorizar as inovações das concessionárias na operação e manutenção de ativos de Infraestrutura e as soluções concebidas por construtoras nas obras, projetistas e gerenciadoras na fase de estudos e posterior gestão dos empreendimentos, empresas de montagem industrial no encaixe final para colocar de pé instalações complexas, além das prestadoras de serviços especializados de engenharia que dão suporte em etapas específicas das obras.
A 1ª edição do Prêmio InovaInfra atraiu 140 trabalhos participantes, entre concessionárias e engenharia – um sucesso absoluto! Curiosamente, o resfriamento do concreto para combater o calor de hidratação e cura ainda é uma dificuldade no canteiro, que agora pode recorrer a nitrogênio líquido fornecido pela indústria. O BIM finalmente começa a se acelerar nos projetos e obras – evoluindo de 3D para 4D e 5D. Os drones deixaram de ser curiosidade e hobby para assumir função de ferramenta nos canteiros de obras e na operação e manutenção de ativos de infraestrutura pelas concessionárias!
Esta Linha de Tempo da Infraestrutura Brasileira 2010-2021, aqui publicado, reúne projetos relevantes de Transportes, Energia, Saneamento, Petróleo e Gás Natural — que com certeza omitiu empreendimentos significativos. Desde já pedimos escusas pelas falhas involuntárias, que podem ser justificadas em parte pela não participação de importantes contratantes públicos e privados, que mesmo convidados preferiram não indicar suas obras mais expressivas.