Até o início deste ano, ainda não havia explicações conclusivas sobre o desastre, atribuído a uma conjunção de fatores, entre eles problemas de erosão superficial e possível falta de atendimento a uma série de recomendações técnicas
Nildo Carlos Oliveira
Especialistas de diversas áreas da engenharia, especialmente da engenharia geotécnica, têm se movimentado na análise das causas da ocorrência em Mariana (MG), onde as barragens de Fundão e Santarém da mineradora Samarco se romperam.
O efeito desse desastre foi reconhecidamente devastador: cerca de 50 bilhões de m³ de água e rejeitos oriundos do beneficiamento do minério de ferro (há informações de que esse volume seria até de 62 bilhões) soterraram a localidade de Bento Rodrigues e provocaram duas dezenas de óbitos, deixando várias pessoas desaparecidas e cerca de 640 desabrigados.
A tragédia, do ponto de vista ambiental, é considerada a maior desse tipo já ocorrida no Brasil. A lama espraiou-se ao longo de mais de 600 km pelo curso do rio Doce e se esparramou por cerca de 10 km no litoral capixaba. Laudo preliminar do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) identificou destruição em 1.469 ha de vegetação, abrangendo 77 km de cursos de água, até em áreas de preservação permanente. Segundo o Ibama, as medidas para a reparação dos danos, “quando viáveis”, devem se prolongar pelos próximos dez anos.
Laudo técnico circunstanciado sobre as causas do desastre ainda não foi elaborado, mas alguns especialistas dizem que a engenharia geotécnica encontra-se em estado de alerta. É que barragens de rejeito – ou aterros controlados, conforme alguns preferem classificar esse tipo de estruturas – não podem jamais ser consideradas de importância menor.
São obras que devem exigir o maior cuidado da engenharia, tanto durante as fases de projeto e da construção, quanto nas fases posteriores de operação e monitoramento da sua integridade ao longo do tempo.
A rigor, um desastre, como o de Mariana, não poderia ter acontecido. Um engenheiro, que trabalha há anos em obras de barragens, com especialização prática em aterros controlados, diz: “Se há leis objetivas, que orientam projetos nesse segmento da engenharia (lastimavelmente a Lei 12.334, que estabelece a política de segurança de barragens, incluindo barragens de rejeito, é de 20 de setembro de 2010), elas têm de ser obedecidas e devem ser colocadas em prática por alguém que responda pelo emprego dos critérios que levem em conta a maior segurança”.
Cláudio Casarin, da Arcadis
Recomendações técnicas
No caso das barragens da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP, há informações de que a consultora Vogbr realizou relatórios em 2013, 2014 e 2015, expondo uma série de recomendações. Nesses relatórios, ela informava que a estrutura da barragem do Fundão “encontra-se em condições adequadas de segurança, desde que atendidas às recomendações com relação à estabilidade física constante no plano de ação”.
Entre as recomendações estão as seguintes: acertar as irregularidades geométricas pontuais do talude de jusante; revegetar as áreas desprotegidas do talude do dique 1 e ombreira direita; monitorar vazão do tapete drenante do dique 1 e implantar projeto executivo para adequação e melhoria das saídas dos tubos; concluir a implantação do projeto executivo do sistema de drenagem superficial e reparar trincas de caneletas existentes; ajustar a geometria das bermas de forma a garantir uma declividade transversal com o sentido do fluxo para as canaletas de drenagem; realizar o monitoramento da vazão das surgências tratadas na ombreira direita etc.
Em resposta a um questionamento, a respeito dessas recomendações, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos informou: “A questão central está na verificação do cumprimento ou não das recomendações emitidas pela empresa auditora. Pela análise das recomendações, a barragem apresentava problemas de erosão superficial, por deficiência de seu sistema de drenagem superficial e falta de proteção de taludes; a barragem poderia estar apresentando problemas de percolação interna de água, evidenciados pelo aparecimento de surgências e pelo cuidado na orientação de monitoramento do tapete drenante. E há recomendações para controle de compactação (ensaios de compacidade) e de análises de estabilidade”.
Aterro controlado
O engenheiro civil geotécnico Cláudio Casarin, da Arcadis, dirige atualmente um projeto de disposição de rejeitos para a Mina Pitinga, de cassiterita, no norte do Amazonas, com previsão para 35 anos de operação futura. Envolve cerca de 175 milhões de m³ de rejeito, a ser contido no fundo de um vale que já foi explorado como jazida, desde 1980, com a construção de quatro barragens de fechamento do vale e das selas laterais.
Indagado sobre os cuidados para construir barragens de rejeito, que prefere chamar de aterros controlados, afirma: “Esses aterros são feitos de material que pode ter grandes volumes com baixa permeabilidade e nem sempre se prevê uma drenagem franca do rejeito que ali é lançado. Isso provoca a elevação do lençol freático dentro da massa lançada. Na medida em que o aterro sobe, o nível de água sobe junto. Isso propicia a formação de superfícies de escorregamento lubrificadas com água. O rejeito não tem uma compacidade alta. Em geral ele tem densidade baixa, comparativamente ao material compactado”.
E prossegue Casarin: “Numa barragem sem água, nada acontece. Todo problema se concentra em saber lidar com a água. Se houver água, tem de haver uma criteriosa instalação de drenos sob o aterro ou em níveis correspondentes a cada alteamento. Com isso se diminui a pressão da água e se minimiza ou anula a ocorrência de escorregamento”.
O engenheiro diz ter feito um projeto de alteamento de dique sobre praia de rejeito de mineração de ferro, onde foi prevista uma base altamente drenante e somente uma vedação com aterro de argila na face de montante do dique. Além disso, havia que se prover resistência contra a liquefação do rejeito, o que foi conseguido com talude bem abatido a jusante, inclinado de 1V:6H.
Para aterros controlados, com alteamento por montante como o da Samarco, uma alternativa para aumentar a estabilidade é se instalar drenos a cada 10 m ou 15 m de altura, formando uma rede de drenagem ou uma espinha de peixe com alcance longo dentro do aterro, o que minimiza a pressão da água ao longo de qualquer possível superfície de escorregamento.
Houve um caso em que ele recomendou fazer, na base do aterro, uma instalação de dreno; depois, a cada 15 ou 20 m de altura, outros drenos, não necessariamente uma superfície total, mas uma espinha de peixe – valetas com material mais drenante. Enfim, algo que atrairia a água a ser colocada para fora, em sítio previamente previsto para isso.
Ele diz que um aterro desse tipo não pode se romper. “Acontece”, salienta, “que em geral as escavações nas minas não operam com fator de segurança 1,5 porque o objetivo é a escavação; trabalham com fator de segurança mínimo, talvez de 1,1”. Nessas circunstâncias, por ser temporário, o talude não é levado em consideração maior. Entretanto, o dique e o rejeito acabam ficando para sempre, e o conjunto deveria ser tratado com fator de segurança usual em geotecnia: 1,5.
Ele complementa que em obras desse tipo não pode haver preocupação com custos, mas sim com a segurança.
Fonte: Revista O Empreiteiro