Engenheiros, arquitetos, urbanistas e técnicos das diversas áreas da segurança concordam unanimemente: estamos vivendo o auge da insegurança urbana. Os problemas – e as tragédias nesse campo sensível do cotidiano das populações – não se concentram e se tornam agudos apenas nas macrometrópoles; eles se espalham pelas cidades pequenas e médias, em doses menores ou em escala que provocam espanto internacional. Veja-se o caso da cidade de Santa Maria, esse polo universitário do Rio Grande do Sul, onde morreram 239 pessoas, a maioria jovens estudantes.
Nas metrópoles estamos mal. As cidades fragmentaram-se, perderam a coesão que poderia torná-las menos vulneráveis à violência. As casas viraram abrigos herméticos, com a vida doméstica escondida intramuros, e os condomínios proliferam cercados por muralhas formadas por uma parafernália futurista de segurança. Mas, mesmo assim, continuam expostas à ação dos vândalos e dos arrastões.
Os shoppings também deixaram de ser aquelas catedrais de segurança, assim preconizadas no começo dos anos 1970. E, se por ali as coisas não vão bem, vão piores nas ruas e avenidas, a qualquer hora do dia ou da noite. Nos congestionamentos, os cidadãos estão sujeitos aos arrastões, que hoje se estendem às rodovias, todas elas, mesmo as vias expressas. E isso não acontece tão somente nos acessos às metrópoles, como o Rodoanel; a insegurança está nas estradas mais remotas do Norte e Nordeste; há até exemplos de cobrança de “pedágio” em algumas delas. Os caminhoneiros, donos das estradas, evitam se aventurar por ali fora de hora. Há quadrilhas à espreita por onde quer que eles passem.
Antes, dizia-se que o medo rondava as periferias. Mentira. Ele se encontra nas regiões centrais, que o êxodo para os pontos outrora julgados mais seguros, contribuiu para deixá-los degradados e entregues à marginalidade. É uma contradição, se considerarmos que é nos grandes centros que se encontra à mão a melhor infraestrutura de serviços: linhas de metrô, redes ferroviárias, terminais de ônibus, iluminação, sistema de abastecimento de gás, água e esgoto. Lastimavelmente a vida urbana fica rarefeita e limitada à precariedade de funcionamentos de estabelecimentos específicos.
O sonho ancorado naquele conceito, segundo o qual “a cidade é para todos”, não tem mais sustentação. Isso acontece porque os resultados dos dividendos econômicos também não são para todos. Se perguntarem ao economista Henrique Meirelles por que a situação geral está assim, no País todo, ele provavelmente vai dizer que por aqui e alhures estão faltando três coisas: educação, educação, educação.
Vez ou outra algo mais grave, que atinge a sociedade, faz as autoridades abandonarem o conforto da estatística para avaliar números que saltam aos olhos e envergonham a cidadania. E, nesse caso, está aí a tragédia que vem do Sul, da cidade gaúcha de Santa Maria. Ali, não foram assaltos solitários ou arrastões que deram o alerta; foi a tragédia provocada pelo incêndio em uma boate que funcionava sem condições mínimas de segurança. Tudo ali era inflamável.
O que chama a atenção é que um estabelecimento desse tipo operava sem estar amparado em um projeto de arquitetura ou engenharia; sem um projeto que especificasse materiais adequados àquele tipo de atividade. Não havia ali um projeto prevendo quaisquer providências de segurança. E, no entanto, ele vinha operando plenamente aos olhos do poder público. A omissão ocasionou a tragédia que fechou o horizonte da vida para 239 jovens. Eles não tiveram a chance de uma única rota de fuga.
Fonte: Nildo Carlos Oliveira