Essa é uma das soluções sugeridas pelo engenheiro e consultor Luiz Célio Bottura, ex-Dersa, que foi, recentemente, guindado à condição de ombudsman dos pedestres da cidade de São Paulo. O teleférico serviria para aliviar os outros modais já saturados para o transporte de cargas em direção ao porto de Santos. Sua visão sobre o futuro inclui também a criação de um estado que englobaria a Região Metropolitana de São Paulo, São José dos Campo, Campinas, Sorocaba e Baixada Santista
Joás Ferreira (São Paulo – SP)
Asugestão do teleférico surgiu durante uma entrevista com o engenheiro Luiz Célio Bottura, concedida no Instituto de Engenharia, onde ele figura como conselheiro, e foi logo sucedida pela inevitável pergunta: "Há exemplos de teleféricos para transporte de cargas em outros países?". A resposta do engenheiro: "Eu não tenho notícias de que existam jabuticabeiras em outros países e, no entanto, no Brasil elas frutificam que é uma beleza!".
O recado, embutido na bem-humorada resposta, é que temos de encontrar soluções próprias para resolver os nossos graves problemas de transporte e de acesso tanto à Baixada Santista como ao Porto de São Sebastião, onde também, segundo ele, caberia uma ligação por teleférico para contêineres, partindo de São José dos Campos. Na sua mente, esse "inusitado" sistema poderia complementar os modais convencionais, entre os quais estão rodovias, ferrovias, oleodutos, etc.
Para o engenheiro, já que tem de aumentar a capacidade de acesso à Baixada Santista seria importante que fosse estudada a implantação do teleférico de carga, que cobriria o percurso do Planalto a Santos. "A principal vantagem dessa alternativa é que ela contribuiria para aliviar as atuais rodovias do excesso de tráfego de carga, levando cargas [contêineres] diretamente para o porto. Isso não dispensaria, entretanto, a necessidade de se resolver muitos problemas no próprio porto, que se ressente de soluções para a intermodalidade, o retroporto, a acessibilidade, o entrosamento das diversas ferrovias existentes e o problema da ocupação urbana".
Bottura, que de 1984 a 1987 atuou como presidente da empresa Desenvolvimento Rodoviário SA (Dersa), de São Paulo, durante o governo de Franco Montoro, acredita que, tanto hoje como no futuro, próximo ou distante, qualquer solução – seja rodovia, ferrovia ou outro meio de transporte – não pode ser programada isoladamente, sem medir as consequências que podem decorrer da sua implantação. Além disso, "é preciso adequar cada modal com o tipo de carga que se pretende transportar, seja ela agrícola, industrial ou mineral, sem se esquecer das pessoas, que, num certo sentido, também podem ser consideradas como ‘carga’ a ser transportada".
Para resolver essas questões, há que se ter em foco o fato de que as baixadas litorâneas, a Grande São Paulo, Campinas e até Rio de Janeiro, incluindo o eixo no traçado do Trem de Alta Velocidade (TAV), praticamente já se tornaram a megalópole prevista pelo arquiteto e urbanista grego Constantino Doxiádis, durante a gestão do governador Carlos Lacerda, na primeira metade dos anos 1960. Isso só não aconteceu antes, segundo o engenheiro, em função das reiteradas crises ocorridas entre 1978 a 1994.
Nesse sentido, as iniciativas não podem prescindir de uma visão ampla e abrangente que privilegie realmente toda essa região. Pois, as consequências afetarão o meio ambiente, o solo urbano e rural e a vida de milhões de pessoas, sem falar das empresas, indústrias e organizações que têm sua sobrevivência dependente dos investimentos em infraestrutura.
Na avaliação de Bottura, as rodovias brasileiras são muito precárias. Poucas podem ser consideradas como de média qualidade e nenhuma figura como exemplar. Segundo ele, rodovia que tem acesso lindeiro descontrolado ou frequente, com problemas de pavimento e de geometria, está longe de ser estrada moderna, eficiente e segura. "A Rodovia dos Bandeirantes é a única que se aproxima, em alguns trechos, do que se poderia chamar de exemplar. Ela ainda é a grande rodovia moderna que o Brasil construiu, embora o seu projeto seja de 1974, com construção iniciada em 1976 e a inauguração, em 1978."
No caso da Rodovia dos Imigrantes, ele lembra que, embora não permita o tráfego de caminhões, tem o mérito de liberar a Via Anchieta para o transporte de cargas. "O seu projeto inicial, entretanto, não foi executado integralmente, porque não acolheu a ideia de dotar as pistas de áreas de escape que dariam segurança para a descida de grandes caminhões. Para justificar essa falha ou a proibição, chegou-se a dizer que a rodovia tinha 6% de nível de rampa, o que tornaria insegura a descida. É impossível, pois, segundo os meus cálculos, se assim fosse, a estrada chegaria à Baixada cerca de 6 m abaixo do nível do mar."
Em meados da década de 1940, o Estado de São Paulo tinha apenas 47 km de estradas pavimentadas, quando o Adhemar de Barros inaugurou a Via Anchieta e, logo em seguida, a Anhanguera. "Considerando-se, evidentemente, os conhecimentos da época, eu reputo que a Anchieta é a melhor estrada que temos, com projeto e tecnologia nacionais. Na ligação com a Baixada Santista, aliás, nós temos o que há de melhor da história da engenharia brasileira aplicada ao transporte. Tudo o que se fez lá é uma escola para a engenharia nacional, desde as obras imperiais, o oleoduto, a ferrovia do século 19 e a da Sorocabana (Mairinque-Santos, na vertende direita de Cubatão), a Via Anchieta e as pistas da Rodovia dos Imigrantes".
Água de beber
Diante do panorama de crescimento acelerado que se prevê para o País, Bottura alerta para a questão fundamental do abastecimento de água potável: "A água é o único recurso natural que eu ainda não encontrei uma solução para o seu suprimento. Ela é finita e o que a tem tornado mais finita é, justamente, a ocupação humana. Ultimamente, nós só pensamos na água do desastre e da enchente. Esquecemos, quase completamente, a água que mata a sede e que é básica para a sobrevivência dos seres vivos. Temos a falsa ideia de que o Brasil tem água em abundância. Mas, essa riqueza está concentrada lá na Amazônia. E eu nem falo dos aquíferos que temos no subsolo, porque ainda não se tem a dimensão exata do que pode acontecer se começarmos a retirar essa água subterrânea. Arrisco a dizer que o seu uso poderia alterar a sustentação geológica do território sob o qual ela se encontra".
A título de exemplo, ele cita o surgimento de crateras na região de Cajamar, na Grande São Paulo, na década de 1980. Estudado aquele fenômeno, uma das explicações encontradas indicava que a construção de poços artesianos acabou por retirar
a sustentação do terreno, os tetos das cavernas, que foram, consequentemente, criadas, ruíram e casas e ruas foram engolidas. É preciso lembrar também que, no caso do petróleo offshore, completa-se com água do mar o espaço deixado pela retirada do óleo, para garantir a sustentação do local explorado.
Um olhar diferente
A Baixada Santista, na visão do engenheiro Luiz Célio Bottura, se estende de Bertioga até Peruíbe ou Cananeia. A região tem uma definição geográfica, mas para efeito de desenvolvimento urbano e territorial ela tem outras influências. "Toda essa região já está praticamente retalhada, ou seja, loteada. Boa parte dela no péssimo padrão de loteamentos que se desenvolveram na década de 1950 ou 1960, na Praia Grande e, posteriormente, em Cananeia. Por isso, ao aumentar o movimento, principalmente de turismo, em direção à Baixada Santista, só fazendo mais estradas, sem se preocupar com as consequências, nós estaremos agredindo demais a região, que não tem infraestrutura, ao menos, para atender à demanda local, quanto mais para enfrentar o aumento de população temporária de fins de semana e feriados".
Na questão urbana, Bottura cita o projeto de interligação, por túnel, ponte, viaduto ou passagem em nível, entre Santos e Guarujá, que hoje é feito, principalmente, por balsa. "Estão esquecendo as consequências que isso pode acarretar, com o desenvolvimento urbano e industrial decorrente. Em relação a uma travessia, eu não tenho preferência por túnel, ponte, viaduto ou em nível. Eu me preocupo com a necessidade de pistas de rolamento que deem capacidade de escoamento e de chegada de veículos, levando-se em consideração o desenvolvimento e os congestionamentos possíveis. O que precisa ser evitado são as grandes filas de caminhões, que se vê tanto em Santos como no Guarujá. Em síntese, tudo isso tem de ser pensado, em pormenores, para privilegiar a qualidade de vida".
A Baixada Santista demanda intervenções urbanas pesadas. Entre elas, deve-se cogitar uma analise das condições do aeroporto do Guarujá, da necessidade de um novo aeroporto na região de Samaritá, São Vicente e Praia Grande. A região precisa organizar o seu sistema ferroviário, que, para o engenheiro, deve ser de média velocidade. "É primordial que se façam investimentos em saneamento [esgotos e água potável], drenagem, em tratamento de lixo e resíduos, em viário urbano e até em cemitérios", sugere o engenheiro Bottura.
Há que se levar em conta, ainda, aspectos sociológicos, como os referentes ao aumento da violência, na Praia Grande e no Guarujá, por exemplo. "São consequências, sem dúvida, da falta de um macroplanejamento, que deve sempre anteceder os investimentos para o crescimento de uma região. Pode-se dizer, entretanto, que aquela região, fora das temporadas e dos feriadões, tem um nível de qualidade de vida bem aceitável".
Terminais intermodais
Nesse processo, Bottura vê a necessidade de se implantar um sistema de terminais intermodais logísticos, que permitam fazer o alfandegamento de cargas. Esses terminais deveriam envolver aeroportos, ferrovias, hidrovias, rodovias, oleodutos, ferrodutos, teleférico, etc. Entre as regiões que poderiam receber esses terminais, ele cita Mailasqui, em São Roque; Campinas, numa área próxima a Viracopos; e Salto, onde deverá chegar brevemente a Hidrovia Tietê-Paraná, através da extensão que vem de Conchas, possibilitando consideravelmente a ampliação da capacidade de se buscar cargas de outras regiões do País.
Mas todas essas inovações devem ser precedidas de investimentos e de ordenamentos, pois, "se o poder público não predefinir as diretrizes básicas de cada projeto, pode acontecer que a iniciativa privada se adiante e faça o que melhor lhe aprouver, visando apenas o lucro imediato".
A iniciativa privada é muito benvinda, segundo ele, "mas, ela tem de arcar também com as consequências advindas de interferências desse tipo. No mínimo, tem de se comprometer com a realização de algumas ações que dotem a região de atributos condizentes com o progresso que deverá enfrentar. Casos em que essas questões não foram bem resolvidas são o que não falta. Vejam-se os exemplos das Operações Urbanas, da Avenida Faria Lima, da Avenida Jacu Pêssego, do Rodoanel, etc. Corremos um sério risco de cairmos nesse erro também no trem-bala, que está em cogitação. O segredo do desenvolvimento territorial é saber como conciliar os interesses públicos e os privados".
Sem medo de ser ousado
Já que é para falar de novas ideias, o engenheiro Luiz Célio Bottura extrapola e revela uma tese de usa autoria que, no mínimo, é ousada e criativa. Ele propõe que se crie um novo estado brasileiro, que seria eminentemente urbano e englobaria a Região Metropolitana de São Paulo, a Baixada Santista e as regiões de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos.
Essa macrorregião justificaria plenamente essa iniciativa, segundo Bottura, na medida em que responde por, aproximadamente, 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e detém cerca de 1/3 da população do País. "A criação desse estado propiciaria um melhor direcionamento para o emprego dos substanciais recursos gerados nessas regiões, que são caracterizadas predominantemente por um perfil urbano e industrial".
Ele já tem, inclusive, a sugestão de um nome para essa nova unidade da federação, que seria Estado de Anchieta, como forma de homenagear o padre jesuíta José de Anchieta que, originário das Ilhas Canárias, veio para o Brasil com apenas 20 anos e aqui teve grande importância na fundação da cidade de São Paulo.
O Estado de São Paulo continuaria existindo, com a escolha de uma nova capital, congregando as demais regiões que ficariam fora do quadrilátero traçado pelo engenheiro para o Estado de Anchieta.
Fonte: Estadão