A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nega oficialmente, mas especialistas do setor que convivem com técnicos do órgão regulador já ouviram – mais de uma vez – que a nova província, que inclui o reservatório de Tupi, apresenta reservas potenciais de 100 bilhões de barris. Apenas a título de comparação, a Arábia Saudita, ainda hoje o maior manancial de hidrocarbonetos do planeta, dispõe de reservas provadas da ordem de 250 bilhões de barris. Oficialmente, a Petrobras e o governo trabalham com estimativas de 5 a 8 bilhões de barris de potencial, só no campo de Tupi. Mesmo essa fração representa praticamente a metade do total de reservas comprovadas do País (de 13,920 bilhões de barris de petróleo e gás, segundo o critério utilizado pela ANP). Apesar das dúvidas que ainda persistem, especialistas do setor, como o consultor Armando Guedes Coelho, ex-presidente da Petrobras, identificam no pré-sal potencial para alavancar o Brasil ao patamar da Arábia Saudita. Outros mais céticos, no entanto, preferem aguardar os testes que se iniciam no próximo mês, em Tupi, para arriscar um palpite.
Anunciada no fim de 2007 pela virtual candidata do PT à sucessão de Lula, a descoberta de Tupi foi encarada, à época, com um misto de euforia e desconfiança pelos agentes econômicos. A Petrobras confirmou que o novo reservatório possivelmente faz parte de uma província gigante que se estenderia do litoral do Espírito Santo à Santa Catarina, com uma área total de 800 quilômetros de extensão por 400 quilômetros de largura.
Comissão interministerial
Na época, a despeito de todos os testes ainda necessários, a euforia deu lugar à cobiça. Preocupado em preservar a nova mina de ouro, o governo formou um grupo interministerial, capitaneado pelo Ministério de Minas e Energia, para estipular as regras de exploração da jazida. Na discussão de um novo modelo, o governo já manifestou a intenção não só de modificar a Lei do Petróleo (9.478/97) – firmada no auge do processo de abertura do setor – como também de criar uma segunda estatal para gerenciar o processo exploratório do pré-sal.
Embora o próprio ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, tenha assegurado o direito de companhias estrangeiras sobre as áreas do pré-sal já concedidas, executivos das petroleiras não escondem o receio de uma solução "chavista", até com o confisco das áreas. O grupo, que pelo cronograma oficial já deveria ter anunciado o novo modelo, decidiu frear as discussões à espera de mais clareza em um cenário econômico mundial hoje conturbado pela crise global. "A Petrobras trabalha com um patamar de US$ 45 para o preço do barril como referência de viabilidade econômica do pré-sal", explica o ex-superintendente da ANP, John Forman, sócio da JForman Consultoria. Há quem diga, no entanto, que apenas a US$ 60 o pré-sal torna-se viável. De qualquer forma, é preciso esperar o resultado dos testes de longa duração, para se ter respostas importantes para o futuro.
O próprio Forman justifica que, por meio dos testes, será possível saber, por exemplo, qual será o comportamento do petróleo extraído do pré-sal em contato com a superfície. Em princípio, o óleo de Tupi apresenta características semelhantes ao árabe, de tipo leve, de melhor qualidade e preço. É preciso saber se esse padrão permanece na superfície. Também é necessário conhecer qual o comportamento do reservatório durante o processo de extração, uma vez que a camada de sal apresenta instabilidade que pode dificultar a extração.
"O maior dos desafios não será o tecnológico, mas o logístico", afirma Guedes Coelho. O campo de Tupi fica a uma distância de até 300 quilômetros da costa.
Nenhum helicóptero hoje apresenta autonomia para percorrer a distância do litoral até o campo.
Para se ter ideia da dificuldade, as atividades da Bacia de Campos demandam o transporte diário por helicóptero de até 50 mil trabalhadores. Por volta de 2015, quando a Petrobras pretende produzir 500 mil barris/dia em Tupi, o fluxo de funcionários será semelhante. "Como a empresa vai fazer para transportar tanta gente, isso ainda não foi respondido", questiona Guedes Coelho.
Plano da estatal
Adiado por duas vezes antes de ser divulgado definitivamente no início do mês, o novo Plano de Negócios da Petrobras foi salvo da tesoura pela necessidade de acelerar os investimentos no pré-sal. Não fosse o interesse estratégico em tomar logo conta do que já alimenta a cobiça de estrangeiros, o orçamento da estatal não teria sobrevivido à degola provocada pela crise mundial. Ao todo, a companhia se propõe a investir US$ 174,4 bilhões entre 2009 e 2013, com a maior fatia (US$ 104,6 bilhões) prevista para a área de Exploração e Produção. A nova versão prevê aumento de 61% do total de recursos em relação ao plano anterior (2008-2012).
Especialistas do setor, como o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), identificam no aumento dos recursos um estímulo político-eleitoral, apesar de reconhecer o caráter oportuno de se aumentar o naco de recursos destinado aos projetos de exploração e produção. Ao evitar a exclusão dos projetos de cinco novas refinarias, a empresa teria obedecido orientações do próprio governo, disposto a agradar governadores da base aliada.
Fonte: Estadão