A batalha que os ingleses perderam no Brasil

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Foi uma batalha que os brasileiros tinham tudo para perder e os ingleses tudo para ganhar. Os brasileiros se propunham a enfrentar poder econômico, tradição de engenharia arraigada nos usos e costumes ferroviários e técnicas há muito praticadas com êxito, aqui, pela São Paulo Railway. Nessas circunstâncias, como levar adiante uma batalha que poderia ser considerada perdida, antes mesmo de ser iniciada?

Numa conversa com o professor Augusto Carlos de Vasconcelos situamos o período – entre 1928 e 1937 – em que o campo da batalha se desenhou. A idéia dos brasileiros envolvidos era construir a linha Mairinque-Santos, a fim de que a indústria e a agricultura paulistas tivessem acesso fácil, rápido e seguro ao porto de Santos, para embarcar os seus produtos. E não haveria outra saída, para assegurar a movimentação dos dois eixos principais da economia paulista, na época, senão construir o acesso que ligaria Mairinque a Samaritá, na Baixada.

Quando se difundiu o plano inicial para a construção do ramal ferroviário, a São Paulo Railway já considerava sua responsabilidade e primazia nos trabalhos como favas contadas. Apesar das dificuldades naturais para transpor a Serra do Mar com a abertura de 27 túneis e 5.400 m de viadutos e pontes, tudo lhe parecia favorável. Não havia como questionar, dentre outros, os dois trunfos que ela tinha em mãos: o poder e a técnica.

Foi aí, no entanto, que a empresa inglesa viu surgir uma pedra no meio do caminho. O ramal fora projetado exclusivamente por brasileiros e, estes, pretendiam construí-lo com engenharia própria, sem tecnologia de importação. O grupo que defendia o emprego da engenharia nacional, naquela obra, era formado por Gaspar Ricardo Júnior, Armando Zenesi, Sinísio Barbosa, José Alfredo de Marsillac, Sebastião Ferraz, Argeu Pinto Dias, P. Falcão, Durval Micaste, Humberto Nobre Mendes, Márcio Sales Souto e outros técnicos que integravam os quadros da administração da antiga Sorocabana. Dentre esses engenheiros, um sobressairia: Humberto da Fonseca.

Humberto da Fonseca, engenheiro baiano, bateu firme na tecla de que o trecho ferroviário não deveria ser construído com engenharia e componentes metálicos dos ingleses. Ali, pontes e viadutos teriam de ser feitos com concreto armado. A luta, pela imprensa e por outros meios de convencimento, parecia desigual. Como o concreto armado poderia disputar espaço – e ganhar – dos componentes metálicos? Os ingleses consideravam que o concreto armado jamais resistiria ao peso e ao tráfego intenso e contínuo dos pesados trens de carga no acesso para Santos. Ele se fragmentaria e os prejuízos seriam consideráveis.

A disposição do engenheiro baiano prevaleceu e todo o trecho foi construído em concreto armado. Ali, os viadutos e pontes acabaram se convertendo no maior conjunto de obras de arte ferroviárias em concreto armado do mundo. A tragédia, dessa história é que Humberto da Fonseca faleceu antes de ver o seu sonho – motivo de sua batalha com os ingleses – realizado.

Fonte: Estadão


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