As hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira deram origem à engenharia consultiva
nacional nessa especialidade
Um complexo hidrelétrico nacional considerado pioneiro é formado pelas hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira, no rio Paraná, entre São Paulo e Mato Grosso do Sul, aproveitando o chamado Salto do Urubupungá. A primeira usina construída foi Jupiá, cujo nome oficial é Engenheiro Souza Dias, que entrou em operação em 1969, com 1.551 MW de capacidade instalada. As obras de Ilha Solteira começaram enquanto os serviços em Jupiá ainda não tinham sido concluídos e a usina, com 2.816 MW de potência, iniciou a geração de energia em 1973, embora tenha sido inaugurada oficialmente no ano seguinte.
Os primeiros estudos para aproveitamento do Salto do Urubupungá foram solicitados pela Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (CIBPU) à empresa italiana Societá Edson, que em 1960 apresentou um ante-projeto propondo a construção das duas usinas. Para levar os dois empreendimentos adiante foi criada em 1961 a Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa), sucedida cinco anos depois pela Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), que assumiu a responsabilidade sobre as duas obras. Posteriormente, a razão social da Cesp foi alterada para Companhia Energética de São Paulo.
Pouco sobrou do ante-projeto italiano, que foi radicalmente reformulado por uma empresa brasileira criada durante a construção de Jupiá: a hemag. O engenheiro Francisco Souza Dias, diretor da Celusa, achava que era preciso ter uma empresa brasileira na obra e estimulou os consultores envolvidos no projeto a se unirem, pois não havia na época uma projetista brasileira de renome.
A Themag desenvolveu uma solução diferente, apresentada pela Camargo Corrêa na concorrência para a obra, tornando a construção mais econômica e rápida. O vertedouro por exemplo, foi posto na margem direita do rio Paraná, no Estado do Mato Grosso, fato considerado como uma incongruência apesar de tornar a obra mais barata, pois acreditava-se que ele deveria ficar sempre no leito do rio. A colocação da subestação no teto da usina foi outra inovação, porque se ficasse situada na margem, seguindo a tradição, haveria um problema para levar a energia gerada pela hidrelétrica até ela.
Jupiá trouxe ainda outras inovações. A área de geologia aplicada à engenharia, por exemplo, ganhou força em Jupiá com Ernesto Picheler, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que já havia participado da hidrelétrica de Paulo Afonso juntamente com Miltom Vargas. Picheler acabou falecendo durante os trabalhos de investigação em campo de Jupiá.
Outra área que se desenvolveu durante a construção de Jupiá foi a tecnologia do concreto. Pela primeira vez no Brasil, por exemplo, foi estudada a fundo a questão das tensões térmicas no concreto, gerando parâmetros sobre as condições ideais de lançamento e do traço do material, levando os técnicos a utilizarem o concreto refrigerado. A tecnologia do concreto de massa foi uma das mais expressivas contribuições da obra à engenharia da época, até então mais dirigida para o concreto estrutural.
A utilização de cabos de alta resistência, de até 310 t, em estruturas de concreto protendido foi outro marco da obra, assim como a análise tridimensional por elementos finitos da barragem, que proporcionou um dimensionamento mais econômico da mesma. Também foram utilizados pela primeira vez no Brasil durante a construção do complexo Jupiá-Ilha Solteira os stop-logs lutuantes.
Os equipamentos para Jupiá foram fornecidos pelo Gruppo Industrie Elettro Meccaniche per Impianti All’Estero (GIE), mas duas turbinas foram produzidas pela Escher Wyss. As empresas Mecânica Pesada, Bardella, Asea do Brasil, Ishikawajima, Coemsa, General Electric e IEEB também participaram da obra.
Ilha solteira
A construção de Ilha Solteira foi mais tranqüila, quase um prolongamento natural de Jupiá. As obras começaram em maio de 1965, aproveitando em parte a estrutura de Jupiá, mas o início oficial dos serviços foi marcado para abril de 1966 e contou com a presença do presidente da República da época, Humberto de Alencar Castello Branco. A Themag e a Camargo Corrêa participaram da obra, que teve montagem eletromecânica realizada pela Tenenge. Os equipamentos foram fornecidos pelo Pentaconsort (Mitsubishi electric, Hitachi, Toshiba, Asea e Brown Boveri), European Consortium (Gruppo Industrie Elettro Meccaniche per Impianti All’Estero – GIE, Voith, Neyrpic, Alsthom e Siemens) e pelo Consórcio Industrial Francês (Voith do Brasil, Neyrpic, Delle-Alsthom e Creusot-Loire).
A princípio foram imaginadas estruturas de concreto do tipo contrafortes, para reduzir o consumo do produto e de cimento. Mas ao longo dos estudos geológicos verificou-se que a qualidade da rocha no local era inferior ao esperado. Para reduzir e distribuir de forma mais uniforme as tensões sobre a rocha, a estrutura passou a ser do tipo gravidade, melhorando as condições de estabilidade das fundações. Para reduzir os perfis das estruturas sem comprometer a estabilidade da obra foi projetado um sistema de drenagem sofisticado.
A localização da subestação, assim como ocorreu em Jupiá, também não seguiu o modelo clássico. Se fosse instalada na margem do rio, o ângulo entre as linhas aéreas que ligariam as máquinas geradoras à subestação seria muito fechado, menor do que a distância mínima exigida entre fases. Daí a necessidade de projetar uma plataforma de concreto sobre pilares, à jusante da casa de força, sobre o qual foram instalados os equipamentos de manobra e de onde partem as linhas de transmissão.
O desvio do rio Paraná também foi efetuado de forma diferente. Ao invés de aberturas provisórias nos vertedouros de superfície ou em outra estrutura, a solução adotada foi adaptar a casa de força para isso. Estudos em um modelo reduzido mostraram que a solução era de fato viável e o desvio do rio foi feito em abril de 1972, antecipando o cronograma em 48 dias. O desvio do rio precisou ser feito com um cronograma mais apertado porque a Cesp resolveu antecipar em oito meses a geração em Ilha Solteira, pressionada pelo risco de falta de energia em 1973.
Na corrida contra o tempo, o setor montagem eletromecânica foi espremido pela antecipação dos prazos, pelo atraso na entrega das estruturas de concreto e também dos equipamentos. Com isso, o serviço que seria executado em 25 meses foi realizado em apenas 10 meses, nos quais foram montados 12.300 t de equipamentos.
Fonte: Estadão