As vulnerabilidades diante das cheias com data marcada

Na falta de planejamento e da previsão de planos de emergência para preservar a população, e manter a rotina dos serviços básicos de atendimento em casos de inundações – ou de ocorrências provocadas por acidentes ou fenômenos naturais inevitáveis – os improvisos adotados nas instâncias municipais, estaduais ou federal, apenas aumentam a imagem do caos.
A frase acima se encaixa à situação que está se vendo este mês no Norte e Nordeste e o que se viu em estados do Sul, em especial, em Santa Catarina, em fi ns do ano passado. Embora possa parecer repetitivo, é bom continuar batendo nessa tecla. Quem sabe um dia os que respondem pela administração do País se deem conta de que, sem planejamento de médio e longo prazo, não se constrói uma nação; apenas vai se empurrando com a barriga problemas que lá no futuro nos submergirão em novas tragédias.
Compreendemos que há cheias ocasionadas por chuvas torrenciais que alteram as previsões dos picos dos regimes hidrológicos, dando às inundações dimensão de catástrofe. Mas há falhas seculares na maneira de encarar essas ocorrências.
Não é de hoje que populações pobres ou miseráveis se empoleiram em palafitas à beira-mar e à margem de rios e lagoas, ou em barracos montados junto a ferrovias e nas proximidades de rodovias de alta velocidade. Além de ocuparem essas áreas, elas também passam a erguer suas moradias em outras zonas absolutamente impróprias, na expectativa de que um dia os loteamentos clandestinos sejam regularizados. Diante daquilo que pode constituir uma massa de manobra cativa para alguns redutos políticos, autoridades fecham os olhos para essas irregularidades, e só vão abri-los, para condenar o problema que poderiam ter resolvido no nascedouro, quando é tarde demais.
Somente no Estado de São Paulo, segundo dados recentes que ora estão sendo divulgados, vive em áreas apontadas como ilegais, uma população equivalente à da cidade do Rio de Janeiro, ou seja: 6,2 milhões de pessoas. Em menor escala, isso acontece em outras regiões brasileiras. As últimas inundações fluviais registradas no Norte e Nordeste colocaram a nu a situação de risco em que sobrevivem as populações ribeirinhas, e mesmo aquelas que conseguiram ocupar outras áreas urbanas. São populações indefesas, que não têm para onde ir quando são vítimas de cheias, mesmo as periodicamente previsíveis.
O lastimável é que essas ocorrências se dão com maior visibilidade naqueles estados – Maranhão, Piauí e Bahia – onde o tradicional caciquismo político, caracterizado pelos currais eleitorais, continua a ser uma marca da servidão eterna imposta àquelas populações.
Como não há planejamento para se enfrentar as catástrofes, também não há infraestrutura para atendimento de urgência. Nas cidades afetadas há falta de energia elétrica, os hospitais se encontram ao abandono, sem médicos e enfermeiras, e os poucos espaços públicos disponíveis para abrigar o povo carente parecem pocilgas. Enquanto isso, no plano federal há promessas de liberação de recursos, mas não há garantias para que eles sejam corretamente aproveitados. A burocracia, morosa, se encarrega de retardar as ajudas possíveis.
Diante da situação, ressalta-se a postura de algumas autoridades. Veja-se o que disse o ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), da Integração Nacional: "A solução definitiva da tragédia ocasionada pelas chuvas, em vários estados brasileiros, não depende só do governo, mas também das pessoas que assumem o risco de viver em áreas impróprias". Ora, caro ministro: se as pessoas assumem o risco de viver em áreas impróprias, é porque o Estado não lhes proporciona outra opção. O Estado as empurra e as encurrala em áreas impróprias. Imprópria é miopia do Estado.

Fonte: Estadão

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