Governo, empresas e representações trabalhistas agiram, com atraso, para bloquear as causas das paralisações em obras do PAC, sobretudo nas usinas do rio Madeira. A impressão que ficou, com o quebra-quebra nos canteiros, é de que houve despreparo no tratamento das questões operárias
Foi como um rastilho de pólvora. A tensão social explodiu em Jirau e alastrou-se por outros canteiros em regiões e obras diferentes. E, em pouco tempo, não eram apenas os 22 mil trabalhadores daquela hidrelétrica, em construção no rio Madeira, que haviam cruzado os braços. Outros mais, talvez pelos mesmos motivos, embora com variações específicas, também agiram de modo semelhante e o número de operários parados subiu para cerca de 80 mil.
Ficaram parados os canteiros das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira; da hidrelétrica São Domingos, em Mato Grosso do Sul; da petroquímica de Suape e da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco e da usina termelétrica de Pecém, no Ceará e, depois, alcançou até o terminal marítimo de Açu, no Rio de Janeiro.
Que pretendiam, em resumo, inicialmente, os operários de Jirau e Santo Antônio? Cumprimento de reajustes acertados; isonomia no tratamento entre funções iguais; melhoria na alimentação oferecida nos refeitórios e melhoria nas condições de alojamento, sobretudo nas instalações sanitárias; melhor possibilidade de comunicação com familiares deixados em Estados distantes; transporte; apuração de denúncias de maus-tratos; maior controle nos preços de remédios e materiais de consumo cotidiano no comércio da região, para evitar aumentos abusivos; salários pagos em dia; alívio na pressão persistente, por conta de um cronograma rigoroso e considerado, por alguns, absolutamente extenuante; e tantas outras reivindicações humanas e naturais do gênero.
Deflagrada a rebelião, quando ônibus e alojamentos começaram a virar cinza nos incêndios, e a notícia desses acontecimentos se espalhou pelo País, observadores verificaram que nas das obras do PAC nem tudo era “sustentabilidade”. Com o passar dos dias, fortaleceu-se a constatação de que há uma distância muito grande entre a realidade dos canteiros e o discurso das empresas e do governo, em relação ao decantado “desenvolvimento sustentável” (ver O Empreiteiro edição 495). A convicção é de que esse conceito não deve ter em conta apenas os procedimentos de obediência à legislação ambiental, mas considerar, com prioridade, a integração do agente desse desenvolvimento às amplas melhorias das condições sociais.
O exemplo do passado foi negligenciado
Greves sempre existiram. E vão continuar a existir, como consequência natural de motivações políticas legítimas ou ilegítimas ou por motivos legitimamente reivindicatórios. Elas eclodem nas democracias ou nas ditaduras e, detectadas suas motivações, não podem ser tratadas como caso de polícia.
Nos acontecimentos que paralisaram Jirau, a ideia que se tem é de que os gestores da obra foram apanhados de surpresa. Não tiveram a percepção para se antecipar aos fatos a fim de neutralizá-los. Esse desequilíbrio, exposto a olhos vistos nas relações empresas-empregados, leva à análise da montagem, contratação e operação de outros canteiros de obras.
Empresas estatais como a Cesp, Eletronorte, Cemig, Chesf etc., conseguiram realizar grandes obras de engenharia sem necessariamente passar pela situação que os gestores de obras como Jirau, Santo Antônio, Pecém e Suape estão passando.
A Cesp, por exemplo, construiu o Complexo Urubupungá/Ilha Solteira, administrando as questões sociais em íntima parceria com a empreiteira. Pode-se até dizer que se vivia, à época, sob o jugo da ditadura. Mas, mesmo naquele regime – e apesar dele – a Cesp construiu uma notável cidade ao pé da obra, para dar sustentação aos trabalhos de construção de Ilha Solteira e conforto aos seus empregados: a cidade de Ilha Solteira. Planejada pelo escritório do engenheiro Ernesto Roberto de Carvalho Mange, falecido em 2005, ela hoje é uma cidade autônoma, com população de mais de 25 mil habitantes, e conta com um campus da Unesp. Anteriormente, tendo em vista as obras de Urubupungá, a Cesp montara a Vila Piloto, nas proximidades de Três Lagoas, dotando-a de condições satisfatórias para um contingente de mais de 30 mil trabalhadores.
Nos tempos da plena democracia do governo JK, grandes hidrelétricas foram construídas pela Cemig e pela Chesf sem que um quebra-quebra como esse ocorrido no rio Madeira haja acontecido. Dentre outros exemplos que podem ser citados estão Itaipu, construída pela Itaipu Binacional e Tucuruí, no rio Tocantins, a cargo da Eletronorte.
Nessas obras, as concessionárias adotaram medidas preventivas de ajustes sociais e, em alguns casos, os operários adquiriam a consciência de que não se encontravam ali apenas em trânsito, como nômades, sem a retaguarda de uma segurança trabalhista, mas como responsáveis pela construção de um bem essencial ao desenvolvimento do País e às suas futuras gerações. Analistas independentes apontam a nítida diferença entre procedimentos operacionais de empresas públicas, onde o lado social ganha maior relevância, e os consórcios ou empresas privados que são concessionários ou proprietários dos empreendimentos mais recentes.
O vandalismo e os direitos sociais
Uma coisa são os movimentos reivindicatórios; outra, o vandalismo, que é o desvio para o crime. Mas tanto em um caso, quanto no outro, as empresas falharam na percepção para detectar o ambiente de animosidade entre os grupos mais radicais.
Outro dado a ser analisado é a decisão dos construtores de antecipar a entrega da obra. Isto gerou um clima de tensão entre os trabalhadores. Também por aí houve falha até de comunicação ou na forma de fazê-la. Em especial, porque se sabe que trabalhador é parceiro e que o salário é um meio de reconhecer essa parceria, dentre os demais direitos que compõem a relação nesse campo.
O reconhecimento na falha dessa percepção está no desdobramento das ações do governo, o principal interessado nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento. O ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, disse que o governo não vai tolerar nessas obras um regime de trabalho inadequado (ele falou, textualmente, “indecente”) e a contratação de “gatos” – essas figuras que atuam como intermediários no recrutamento de operários. Após reunião entre governo federal, empresas e sindicalistas no último dia 31 de março ficou decidido que, a partir de agora, as contratações serão realizadas pelo Sistema Nacional de Empregos (SINE).
Já a direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), adiantou que poderá exigir contrapartida sociais e trabalhistas mais rigorosas (Brasil Econômico/24/03/11), nos megaprojetos que venha a financiar. Aparentemente, segundo a notícia, a instituição estaria estendendo essa preocupação às obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no rio Xingu.
Comissão tripartite
Apesar do atraso, governo, empresas e centrais sindicais estabeleceram um acordo tendo em conta as negociações para um pacto nos canteiros. Têm-se em vista o atendimento a uma lista de reivindicações dos trabalhadores e a uma série de propostas do governo e das empresa para apagar o incêndio. Uma comissão tripartite acompanhará o processo prevendo-se condições de “sustentabilidade” em Jirau, Santo Antônio e onde houver outras obras do PAC, sobretudo, Belo Monte, onde o canteiro das obras está sendo instalado. Estima-se que haverá uma concentração de 100 mil pessoas em Belo Monte, contingente que se somará à população de 100 mil pessoas de Altamira, cidade localizada a 50 km do local da futura hidrelétrica. (NCO)