Os vários acidentes que infelizmente vêm ocorrendo amiudadamente em obras de engenharia em todo o país, alguns poucos chegando ao noticiário de mídia, têm trazido à baila a íntima relação dessas obras com os terrenos geológicos em que são construídas. E, por conseguinte, a enorme importância que as investigações geológicas têm para o êxito técnico desses empreendimentos. Necessário, nesse contexto, que todos os profissionais de Engenharia tenham um exato e uniforme entendimento sobre o significado e as características conceituais e metodológicas dessas investigações.
Ainda que em todas as fases de um empreendimento deva existir sempre um sadio e eficiente espírito de equipe, uma ação colaborativa e interdisciplinar entre as diversas modalidades profissionais atuantes, é fundamental que nunca se perca de vista a responsabilidade maior que uma modalidade deve exercer, e por ela responder, em cada atividade e em cada fase.
Nas investigações geológico-geotécnicas que antecedem o projeto e o plano de pbra e se prolongam no período de obra e na própria operação do empreendimento, essa responsabilidade maior é da Geologia de Engenharia, entendida essa geociência aplicada como a responsável pela interface tecnológica do Homem com o meio físico geológico.
E para tanto é preciso que fique muito claro a todos que a missão da Geologia de Engenharia não se reduz a entregar ao projetista um arrazoado acadêmico sobre a geologia local, a posição do NA, um punhado de perfis e seções geológicas e outro punhado de resultados de ensaios com os índices de comportamento geotécnico dos diversos materiais presentes.
O trabalho da Geologia de Engenharia transcende essa limitada visão meramente descritiva e parametrizadora, ainda infelizmente bastante comum entre geólogos executantes e engenheiros demandantes.
A abordagem da Geologia da Engenharia é essencialmente fenomenológica. Todos os dados e informações anteriormente mencionados são muito importantes, mas o produto final e essencial das investigações geológico-geotécnicas na fase anterior ao projeto e ao plano de obra é um quadro fenomenológico onde todos esses parâmetros não estejam soltos ou isolados, mas sim associados e vinculados a esperados comportamentos do maciço e dos materiais afetados pelas futuras solicitações da obra. Ou seja, a missão essencial da GE é oferecer ao projetista o quadro completo dos fenômenos geológico-geotécnicos que podem potencialmente ser esperados da interação entre as solicitações próprias da obra que será implantada e as características geológicas (materiais e processos) dos terrenos que serão por ela afetados.
Assim, todo o esforço investigativo deve ser orientado, desde o primeiro momento, a propor, aferir, descartar e confirmar hipóteses fenomenológicas, de forma, ao final, ter concluso seu quadro fenomenológico real. Ou seja, não faz desde há muito mais sentido uma campanha investigativa cega, geometricamente sistemática ou coisas do gênero. Esse império do padronizado e do repetitivo não é o império da inteligência, da competência e da eficiência.
A esse quadro fenomenológico a GE juntam-se as sugestões de cuidados e providências que projeto e obra deverão adotar para ter esses fenômenos sob seu total controle.
A partir desse ponto a GE entrega o bastão de comando (e responsabilidade maior) para a Engenharia Geotécnica, passando a assumir, nesta nova fase, o papel de apoio e complementação. Lembrando que a frente de obra sempre constituirá o lócus privilegiado para a confrontação das hipóteses levantadas com o real, para as investigações complementares que se mostrem necessárias e para o monitoramento dos parâmetros geotécnicos envolvidos nos fenômenos identificados como possíveis. Deve-se então, por corolário, afirmar que não faz sentido um sistema de monitoramento geral e universal.
Um sistema de monitoramento, seja ele visual ou instrumental, é sempre específico, voltado a permitir o acompanhamento ininterrupto, durante e após a obra, da eventual evolução de um determinado fenômeno potencialmente esperado. Assim, em uma mesma obra poderemos e deveremos ter diversos sistemas de monitoramento, cada qual especificamente associado a uma hipótese fenomenológica. Donde, mais uma vez, se depreende a enorme importância do Quadro Fenomenológico elaborado pela Geologia de Engenharia. Esse quadro deve ser tido como completo e final para uma determinada combinação geologia/solicitações de obra, mas se por algum motivo houver alguma alteração no tipo de solicitações, por exemplo se for alterado o método construtivo, há que ser rever e atualizar o quadro, pois a geologia continuará a mesma, mas alterar-se-iam as solicitações, e portanto o resultado dessa nova interação poderá ser fenomenologicamente diferente.
Dentro desse entendimento, será de total responsabilidade da Geologia de Engenharia qualquer problema que venha a acontecer e que decorra de fenômeno geotécnico que não tenha sido previsto em seu Quadro Fenomenológico. Como será de total responsabilidade do projetista ou dos elaboradores do Plano de Obra qualquer problema que ocorra por não ter sido levado em conta algum fenômeno potencial incluído no referido Quadro.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos
santosalvaro@uol.com.br
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT, Ex-Diretor da Divisão de Geologia do IPT, Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”, Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente, Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão
Fonte: Estadão