De São Paulo a Rio, em 88 minutos

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A frente afunilada da locomotiva é inconfundível nos trens de alta velocidade – chamados com certo exagero pela imprensa de trens-bala desde seu lançamento no Japão, nos anos 60. Finalmente os brasileiros, após décadas aturando trens mal conservados, lentos e de horário errático, ficarão muito felizes com um trem rápido, pontual, operado por uma empresa privada.

Já na plataforma, antes mesmo de embarcar no trem, de seis vagões, é possível notar a diferença em relação a um saguão de aeroporto. Nada daquela multidão se acotovelando pelo único portão de embarque, esperando, com visível impaciência, a preferência dada aos idosos, portadores de necessidades especiais e família com crianças. Nos vagões do trem rápido, os passageiros se dividem entre as duas portas e embarcam rapidamente.

Na cabine da classe executiva, há fileiras de apenas três poltronas espaçosas, numeradas. Uma na janela de um lado, duas do outro lado, com o corredor no meio. Existe até um conjunto de quatro poltronas com mesa dobrável no centro, para grupos de passageiros. Espaço confortável, sem a claustrofobia característica dos aviões de Ponte Aérea.

Pontualmente, às 9 horas e 55 minutos, o trem dá partida.

Com as portas já fechadas, e os vidros duplos nas janelas amplas não se escuta mais o burburinho da estação ferroviária. O motor diesel da locomotiva produz um ruído semelhante a um automóvel de luxo. O trem rápido começa a acelerar, sem aqueles trancos dos trens antigos quando passam pelas juntas dos trilhos, que agora são soldados. Era até um som romântico, que a tecnologia tratou de remover.

Diferente do avião, que precisa nivelar em altitude de cruzeiro, antes de se iniciar o serviço de bordo – que hoje está mais para barra de cereais e refrigerantes – as simpáticas atendentes (pensamos em chama-las de rodomoças ou ferromoças) chegam rapidamente com os carrinhos para servir o café da manhã. No cardápio, prato quente de ovos mexidos e presunto, naturalmente incluído no preço da passagem. Na Espanha, há muitos passageiros que não dispensam um copo de vinho tinto no café da manhã!

As paisagens de colinas, plantações, bois e vacas nas pastagens, silos, sedes de fazenda, tratores arando a terra, vistas através de amplas janelas de vidro duplo e escurecidas, para cortar parte da insolação, trazem recordações nostálgicas do campo. Tudo muito diferente das aberturas ovais dos aviões, que se chamam também janelas.

Outra qualidade do trem é que não passa por áreas de baixa pressão, que produzem aqueles desagradáveis solavancos, nos aviões, levando o piloto a acender a luz de apertar cintos. Imagine a aflição do passageiro que, nessa hora, está no sanitário do avião. O único susto para os passageiros do trem é a entrada inesperada em túneis, que produz um baque peculiar, deixando o exterior escuro. Quando termina o túnel, as paisagens rurais recompõem o cenário nas janelas panorâmicas.

Imaginamos que no percurso entre São Paulo e Rio haja no máximo duas paradas – o problema não é o numero de paradas na realidade, mas o tempo que se perde para desacelerar, parar e acelerar de novo.

Para se ter uma idéia da praticidade do trem, o AVE na Espanha opera também no percurso entre Saragoza, ao norte, e Madrid. De avião, se gasta uma hora de vôo, mais meia hora, no mínimo, para o check-in, além de haver apenas dois horários pela manhã e dois ao final da tarde. De AVE, se gasta 1 hora e 20 minutos na viagem e o check-in é imediato quando se chega 15 minutos antes, numa ampla e moderna estação, onde há saídas de trens a cada hora.

Em um outro corredor operado pela Renfe com trem de alta velocidade, entre Segóvia e Madrid, existe um túnel de 30 km – um dos maiores túneis ferroviários da Europa –, escavado numa montanha, nas proximidades de Guaderrama. Podemos imaginar uma solução semelhante para atravessar a Serra das Araras, que precisa ser vencida pelo trem rápido antes de chegar ao Rio de Janeiro. Evidentemente, não é uma questão de engenharia, mas sim, de custo de construção.

Quando o trem rápido chegar ao Rio de Janeiro, é só apanhar a mala de mão e a mala grande no bagageiro do seu vagão, e, o sair em direção à fila do táxi. Nada daquela chateação de ir até o carrossel de malas do aeroporto, disputar um espaço entre os passageiros, e retirar a sua bagagem.

Em tempo, o único problema no trem rápido é se liberarem o uso do celular, como acontece no AVE na Espanha. Se você tiver a infelicidade de ter um vizinho que não para de falar no seu celular, adeus cochilo e privacidade. Afinal, não existe nada mais desconfortável do que ser obrigado a ouvir conversa alheia, já que muitos usuários de celular não têm a educação de falar baixo.

Com tudo isso, para o viajante freqüente, o trem rápido substitui com mais conforto a Ponte Aérea.

O voo da ave espanhola

Paulistas e cariocas podem morrer de inveja. Desde fevereiro deste ano, menos de três horas de viagem, em um trem confortável, seguro e com horários confiáveis, separam duas das mais importantes cidades da Espanha – Madri e Barcelona. O Velaro AVE (Alta Velocidade Espanhola) entrou em operação no dia 20 de fevereiro, na mais nova rota de alta velocidade operada pela estatal RENFE (Rede Nacional de Ferrovias Espanholas). Por uma tarifa que varia de 100 a 200 euros, de acordo com a classe, o passageiro pode cobrir o percurso de 628 km em um pouco mais de tempo que de avião, que permite o mesmo deslocamento em uma hora. Porém bem mais rápido que de ônibus, que leva oito horas, ou de trem convencional, cujo tempo de viagem é de nove horas.

O sistema foi construído pela OHL e está entre os trens mais rápidos do mundo em operação comercial. Na velocidade de operação atual, de 300 km/h o trajeto Madri-Barcelona é feito em 2 horas e 38 minutos. Em um futuro próximo, a velocidade aumentará para 350 km/h, reduzindo o tempo de viagem para 2 horas. As saídas acontecem a cada uma hora. São 17 trens diários em cada sentido. Quinze dos quais são diretos. Os demais param em Zaragoza, Lérida e Camp Taragona.

O material rodante e os sistemas de controle foram fornecidos pela Divisão de Sistemas de Transportes da Siemens, que anunciou estar interessado em fornecer a tecnologia para a linha que se pretende instalar no corredor Rio-São Paulo-Campinas.

Entre as novidades tecnológicas, o Velaro é o primeiro comboio de alta velocidade a usar o conceito de tração distribuída, uma tendência neste mercado ainda não alcançada pelos concorrentes da empresa alemã. Ela garante eficiência energética, otimização de custos e minimização de impactos ambientais.

A plataforma Velaro foi amplamente testada em uso e mostrou

-se muito flexível por atender a diferentes requisitos especificados pelos operadores. Trata-se de uma evolução tecnológica da plataforma do ICE 3, mas com uma série de otimizações e aperfeiçoamentos, ditados pela experiência em operação. Segundo a Siemens, o ICE 3 é o comboio que percorre anualmente o maior número de quilômetros, garantindo elevados níveis de disponibilidade para os operadores.

Em termos de capacidade de transporte, o ICE 3 pode oferecer entre 450 e 500 lugares sentados. Na versão espanhola são 26 comboios com 404 lugares.

Conforto cinco estrelas

Design arrojado e alto nível de conforto são algumas das características do novo trem espanhol. Ele coloca à disposição dos passageiros diversos sistemas de informação e entretenimento a bordo, como acesso a internet sem fio em todos os carros, displays informando localização e velocidade e outras informações. Além disso, o passageiro conta com salas de jogos, restaurantes, cafeterias, salas de reuniões, lojas etc.

O trem de alta velocidade Madri-Barcelona é a principal obra de infra-estrutura do governo do presidente José Luis Zapatero e objeto de 15 anos de promessas de sucessivos governos.

Uma malha em crescimento

A Red Nacional de los Ferrocarriles Españoles (Renfe) é a estatal espanhola, subordinada ao Ministério de Fomento, responsável pela operação de transporte ferroviário de carga e de passageiros do país, com características regionais e de longa distância. Nesse último caso, incluem-se os trens de alta velocidade. A empresa, que ainda realiza a manutenção da frota e até a fabricação dos equipamentos ferroviários, administra uma malha ferroviária de cerca de 12.000 km.

As linhas de trens rápidos dividem-se em duas categorias. Há linhas especialmente construídas para velocidades superiores a 250 km/h, e há aquelas adaptadas para velocidades da ordem de 200 km/h. Seu mercado-alvo são as ligações entre 300 e 1.000 km de extensão, onde oferecem competitividade ante o avião, principalmente, onde são relevantes os tempos gastos nos deslocamentos aos aeroportos, em geral localizados fora dos centros urbanos, ao contrário das estações ferroviárias, em geral localizadas em áreas mais centrais. Há também o tempo gasto no chek-in, despacho de bagagens, etc. (ver tabela comparativa abaixo).

Além de atender a longas distâncias em tempos competitivos, os trens rápidos de passageiros permitem freqüências elevadas, pontualidade e alto nível de conforto.

A confiança na pontualidade operacional é tamanha, nos trens espanhóis AVE, que a operadora se compromete a devolver 50% do valor da passagem a cada usuário, caso o atraso se situe entre 16 e 30 minutos, e 100% se o atraso for superior a 30 minutos.

A Espanha tem hoje a maior rede de trens de alta velocidade do planeta. Em 2010, serão 2.230 km, contra os atuais 2.090 km do Japão e os 1.893 km da França. Até 2020, a expectativa é de se chegar a uma extensão de 10.000 km. Neste horizonte, o que se pretende é que qualquer cidade espanhola estará a, no máximo, 50 km de distância de uma estação de trem de alta velocidade.

Mais de 20 anos à frente

A decisão de implantar trens rápidos de passageiros na Espanha nasceu em 1986. Dois anos depois, a Renfe, abriu concorrência para a implantação de sua primeira linha, Madri-Sevilha, com 471 km de distância, ganha pelo consórcio Gec-Alstom. Sua inauguração ocorreu em 1992, tendo sido estabelecido o recorde de velocidade com 335 km/h.

Nesse trajeto, o percurso é coberto em aproximadamente 2 horas e 15 minutos. No primeiro mês de operação, o sistema transportou mais de 100 mil usuários, crescendo para 1 milhão no mês seguinte.

Em 2000, o governo federal decidiu investir 23,5 bilhões de euros na construção de 2.935 km de novas linhas, a serem concluídas até 2007. Em 2002, o crescimento nessa ligação alcançou 4,9% em relação ao ano anterior, gerando 152 milhões de euros de receita, o que representou um crescimento de 8,8 % em relação a 2001.

As tarifas promocionais

Apassagemdo AVE para o trecho Madri-Barcelona ou vice-versa custa de100 a 200 euros. Mas existem algumas maneiras de garantir bons descontos. Quem comprar pela internet com no mínimo 15 dias de antecedência, por exemplo, pode selecionar a tarifa "web", que dá até 60% de desconto no trecho. Com no mínimo 7 dias, é só escolher a tarifa "estrella", que dá até 40%. E independente da antecedência, comprar a ida junto com a volta garante 20% de desconto no valor total.

Fonte: Estadão


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