Perguntar não ofende. Em especial, quando a pergunta – E se a usina de Sete Quedas tivesse sido construída? – continua a merecer o questionamento da história e até de alguns analistas da engenharia. Naturalmente, aquela pergunta seria secundada por outra: E se o engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, o pioneiro de Paulo Afonso, estivesse certo?
Se a usina de Sete Quedas houvesse sido construída, e Marcondes Ferraz estivesse certo em sua análise, realizada lá naqueles longínquos anos 1960, Itaipu não existiria, Sete Quedas, no rio Paraná, continuariam como algumas das maiores belezas criadas pela natureza em favor da humanidade, e o poeta Carlos Drummond de Andrade não se queixaria: “Sete Quedas por nós passaram/ e não soubemos, ah, não soubemos amá-las/ e todas sete foram mortas/ e todas sete somem no ar/ sete fantasmas, sete crimes/dos vivos golpeando a vida/ que nunca mais renascerá”.
Hoje, apesar de pontos de vista contrários e contraditórios, pode-se dizer que a opção por Itaipu, em detrimento de Sete Quedas, deveu-se mais a uma posição política adotada por conta da então Guerra Fria, do que a uma decisão embasada, com absoluta segurança, apenas na engenharia.
Lembram alguns analistas que Juscelino Kubitschek dera a partida. Queria porque queria ter em mãos os primeiros estudos para o aproveitamento do potencial hidrelétrico de Sete Quedas de Guaíra. Contudo, só em 1961, o engenheiro militar Pedro Henrique Rupp pôde apresentar um esboço da hidrelétrica, sugerindo que o rio Paraná fosse desviado para o interior do território brasileiro, antes de alcançar a fronteira com o Paraguai, um pouco acima dos Saltos de Guairá, a fim de gerar, com a construção da usina, 25 milhões de quilowatts.
No governo Jango Goulart, Octávio Marcondes Ferraz, engenheiro notabilizado pela execução da primeira usina de Paulo Afonso no canyon do rio São Francisco, retomou os estudos de Rupp e desenvolveu um projeto pelo qual se construiria uma hidrelétrica exclusivamente brasileira – e não binacional – mediante a abertura de um canal de 60 km. As águas de Sete Quedas fluiriam por esse canal e seriam devolvidas mais adiante ao leito natural do rio, depois de produzir 10 milhões de quilowatts.
Aquela opção provocaria problemas políticos? Certamente. Mas a diplomacia existe para propor soluções, eliminar dúvidas, encontrar caminhos. O importante seria manter a integridade de Sete Quedas. Mas o governo Jango Goulart, ao perceber que os Estados Unidos seriam um obstáculo àquela possibilidade, resolveu convidar a então União Soviética para ajudar no projeto. Obviamente essa posição jogou água na fervura e o empreendimento não saiu do papel. Anos mais tarde, Itaipu seria construída e, Sete Quedas, sepultadas pelas águas.
Octávio Marcondes Ferraz, ex-presidente da Eletrobrás e técnico que ajudou a construir a história da engenharia brasileira, chegou a mandar uma carta ao poeta Carlos Drummond de Andrade deplorando a destruição daquele monumento da natureza, reportando-se ao exemplo da hidrelétrica de Paulo Afonso, projetada “preservando a catarata que Deus nos deu”. E, em outro depoimento, dizia o engenheiro:
“Sempre que se faz uma usina muito grande – foi o caso, na ocasião, de Paulo Afonso – se a gente adiar obras que não são imediatamente utilizáveis, sempre se diminui os investimentos preliminares e, sobretudo, os juros durante a construção. Por isso, eu tinha previsto, ali, três usinas. Fazia a primeira e, quando fosse necessário, fazia a segunda e, depois a terceira.”
Ocorre que, depois de Jango Goulart, deposto pela ditadura, o País entraria no embalo do “Brasil Grande” e não seria a beleza de Sete Quedas que bloquearia a decisão de se construir Itaipu. É por isso que uma pergunta continua no ar: E se Octávio Marcondes Ferraz estivesse certo?
Fonte: Estadão