Gigante das águas

Itaipu ainda é a maior usina hidrelétrica do mundo, posição que não será abalada nem mesmo com a chinesa Três Gargantas. Considerada na época como faraônica, ela transformou-se em vital para a demanda energética do País

O concreto utilizado na obra seria suficiente para construir 210 estádios como o Maracanã. Já o ferro e o aço equivalem a 380 torres Eiffel e o volume de escavações de terra e rocha foi quase nove vezes superior ao do Eurotúnel, sob o Canal da Mancha. Esta é Itaipu, no rio Paraná, ainda hoje a maior hidrelétrica do mundo em operação, com 12.600 MW de capacidade instalada e que em 2000 bateu um recorde de produção de energia: 93,4 bilhões kWh/ano. Nem mesmo a usina de Três Gargantas, em fase de construção na China, com 18.200 MW de potência instalada, será capaz de superar Itaipu (beneficiada pelas condições mais propícias do rio Paraná), pois a previsão é que a nova usina atinja uma produção de 84,7 bilhões de kWh/ano.
Itaipu foi considerada pela revista norte-americana Popular Mechanics como uma das sete maravilhas do mundo moderno, com base em uma pesquisa realizada pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis. Além de Itaipu, fazem parte da lista: a ponte Golden Gate (Estados Unidos); o Canal do Panamá, que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico; o Eurotúnel, que une França e Inglaterra; os projetos do Mar do Norte para o controle das águas (Holanda); o edifício Empire State (Estados Unidos); e a torre da Canadian National (Canadá). Mas conhecer essa maravilha moderna, com sua barragem de 7.700 m de extensão e 196 m de altura, não atrai só a atenção dos engenheiros. Desde que foi aberta à visitação pública, já passaram pela usina mais de 11 milhões de turistas de todos os lugares do mundo, incluindo alguns bem inusitados, como da ilha de Tonga, no Pacífico Sul. Itaipu já foi até tema de uma ópera, chamada “História de Amor na Usina de Itaipu”, composta pelo músico norte-americano Philip Glass após visitar a hidrelétrica, em 1988.

 

Jóia da coroa

Tamanha grandiosidade só poderia encontrar respaldo nos anos 70, época do chamado “milagre econômico”. Mas até mesmo nessa fase Itaipu gerou certa desconfiança e foi considerada uma obra megalômana por suas dimensões impressionantes. Mas não se tratava de uma incredulidade baseada na parte técnica, pois na época a engenharia nacional já tinha desenvolvido know-how nessa área construtiva e Itaipu era considerada a “jóia da coroa”, o ponto alto em obras destinadas à produção de energia.
Rubens Vianna de Andrade, um mineiro com grande experiência em barragens, pois tinha participado até de Paulo Afonso no final de década de 40, foi escolhido para ser o superintendente de obras, liderando uma equipe de engenheiros formada basicamente por brasileiros e alguns paraguaios. O planejamento da obra foi iniciado no segundo semestre de 1974 e já em meados de 1975 as primeiras máquinas começaram a trabalhar no local.
O projeto da hidrelétrica foi desenvolvido por um consórcio formado pelas empresas International Enginnering Company Inc. (Ieco), dos Estados Unidos, e a ELC Eletroconsult Spa, da Itália. Coube ao engenheiro hindu Gurmukh S. Sarkaria desenvolver o layout da obra, escolher o local ideal e o tipo de barragem, no caso a de gravidade aliviada, economizando em concreto.
Andrade conta que os engenheiros brasileiros sugeriram duas alterações em relação ao projeto original: a construção de uma ponte no canal de desvio e o uso de cabos aéreos para lançamento de concreto. A primeira facilitou o fluxo entre as várias frentes de trabalho nas duas margens do rio, porque na concepção inicial a comunicação seria feita apenas pela estrutura do canal de desvio. Já os cabos aéreos substituíram uma ponte metálica sustentada por pilares, que desapareceria conforme a concretagem da barragem avançasse. Mas essa opção resultaria em um atraso de um ano na obra, tempo necessário para construir a ponte, enquanto os cabos aéreos, já testados em outras obras, seriam instalados mais rapidamente e ainda agilizariam o serviço, porque permitiam o transporte das caçambas ao longo de toda a área a ser concretada.
As obras civis foram entregues ao consórcio Unicon-Conempa, formado por cinco empresas (Mendes Júnior, CBPO, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Cetenco) e cinco paraguaias. Para desviar o rio Paraná, o sétimo maior do mundo, foi construído um novo leito, com 2 km de extensão e 150 m de largura, liberado para as águas após a detonação de 58 t de explosivos, que em apenas três segundos destruiriam as ensecadeiras. A cerimônia de desvio do rio foi realizada em outubro de 1978 e contou com a presença de Ernesto Geisel, presidente do Brasil na época, e Alfredo Stroessner, presidente do Paraguai, além de 500 jornalistas e mil convidados.
Mas quem participou da festa não imaginou todo o esforço necessário para desviar o rio dentro do cronograma, aproveitando a melhor época de vazão do rio. A escavação do canal de desvio, iniciada no primeiro semestre de 1976 não seguia o prazo previsto porque houve atraso na entrega dos equipamentos importados que seriam utilizados na execução do serviço. E além de concluir a escavação, era preciso ainda construir uma estrutura de concreto no canal, que sustentaria a barragem naquele trecho. A solução encontrada foi “importar” uma equipe da Mendes Júnior especialista em concreto, que estava finalizando um serviço na hidrelétrica de Itumbiara, em Goiás. Já no primeiro dia de trabalho a nova equipe imprimiu um ritmo forte ao trabalho e o primeiro mês foi finalizado com a cocretagem de 108.500 m3. No segundo mês o volume aumentou para 134 mil m3, um recorde sul-americano que foi comemorado com um churrasco para 3 mil trabalhadores, que consumiram o equivalente a 15 bois. Com tanto empenho, a concretagem da estrutura foi finalizada um mês antes da cerimônia de desvio de rio, realizada sem problemas. Os 22,5 milhões m3 escavados para fazer o desvio foram aproveitados na barragem de enrocamento. Ao todo, foram escavados 46 milhões m3.

 

Logística difícil

Construir uma usina desse porte foi antes de tudo um desafio de planejamento e logística. Com volumes tão grandes de materiais, nem sempre o mercado existente era capaz de suprir a demanda da usina. Um bom exemplo disso é o cimento. No início do planejamento, com várias obras grandiosas em curso no País, a indústria não era capaz de suprir Itaipu. Para evitar problemas, em 1975 foram instalados no canteiro dois moinhos de clínquer, mas quando a concretagem no canal de desvio foi iniciada, quatro anos após o planejamento e quando a economia não estava mais tão aquecida
, a indústria já conseguia suprir o canteiro de Itaipu com cerca de 2 mil t/dia de cimento.
Graças aos financiamentos da Finame e a formação dos consórcios Siemens-Asea Brown Boveri e Voith-Mecânica Pesada, a maior parte dos equipamentos eletromecânicos foram fabricados no Brasil. Mas mesmo quando os fornecedores espalhados por todo o País conseguiam produzir os materiais necessários, levá-los até o canteiro era uma tarefa complexa. A solução encontrada foi criar um modelo envolvendo ferrovia e rodovia. Os trilhos chegavam até Maringá (PR), onde foi construído um almoxarifado, com uma área de transbordo para os caminhões, que levavam os itens até o canteiro. No pico da obra eram realizadas, em média, 350 viagens entre Maringá e Foz do Iguaçu.
O transporte de peças pesadas, como a roda de turbina pesando 300 t e com quase 9 m de largura, também foi um desafio para a logística. A carreta para transportar a peça foi encontrada, mas as rodovias e pontes entre São Paulo e a usina não suportariam um peso tão grande. Depois de muitos estudos, foi definido um traçado mais longo, com cerca de 1.350 km, porém com condições mais favoráveis. Em dezembro de 1981 a primeira peça saiu de São Paulo com destino à Itaipu e chegou em março do ano seguinte, onde era aguardada por uma multidão, com direito a fundo musical para comemorar. O sistema funcionou tão bem que, com a prática, o percurso passou a ser realizado em apenas 26 dias.

 

Novos habitantes

A construção de Itaipu provocou uma verdadeira revolução em Foz do Iguaçu, que em 1970 era uma pequena cidade com apenas 20 mil habitantes e viu sua população aumentar, em apenas 10 anos depois, para 100 mil pessoas. Para se ter uma idéia da grandiosidade da obra, no pico de construção da barragem o canteiro de obras e os escritórios de apoio no Brasil e Paraguai somavam 40 mil trabalhadores, formando um verdadeiro formigueiro humano, com gente vinda de todos os cantos do Brasil. Os funcionários e suas famílias eram acomodados em vilas construídas em Foz do Iguaçu e ainda em alojamentos nas duas margens do rio. Todos os números de Itaipu são impressionantes, até mesmo o número de refeições servidas nos canteiros: 140 mil por dia. O consumo mensal de alimentos assustava, com suas 3 mil t de farinha de mandioca, 1,9 mil t de arroz, 6 mil t de bananas e 34 milhões de ovos, só para citar alguns itens.
A produção de energia em Itaipu foi finalmente iniciada em 5 de maio de 1984 e 20 dias depois ocorreu a inauguração oficial das duas primeiras unidades geradoras. A entrada em operação foi escalonada e prosseguiu até maio de 1991, quando começou a funcionar a 18ª turbina. De obra faraônica, Itaipu transformou-se em uma usina fundamental para garantir o fornecimento de energia para o Brasil e o Paraguai e, a partir de 2004, deverá contar com mais duas turbinas, graças a um projeto de ampliação em curso. (L.M.)
 

 
 
AS MAIORES USINAS DO MUNDO EM OPERAÇÃO
 
Hidrelétrica                                                     Potência (MW)
 
Itaipu                                                                     12.600
 
Guri, na Venezuela                                              10.200
 
Grand Coulee, nos Estados Unidos                 6.500
 
Sayano Shushenskaya, na Rússia                   6.400
 
Fonte: Itapipu Binacional
 
PRINCIPAIS EMPRESAS ENVOLVIDAS
 
ProjetoInternational
Engineering Company Inc. (leco) e Eletroconsult 
 
Construção
Consórcio Unicom-Conempa, formado pelas brasileiras Mendes Júnio, CBPO, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Cetenco; e as paraguaias Companhia de Obras e Inginiería Civil Srl, Inginiería J. C. Wasmosy Construciones, Jimenez Goana Y Lima, Barrail Hermanos e Inginiería Civil Hermann Baumann
 
Equipamentos
Consórcio Itaipú Eletromecânico (Ciem), formado pela Bardella, Brow Boverí, Mecânica Pesada, Siemens, Voith, Bsi, Alsthom-Atlantique e Siemens
 
Montagem
Consórcio Itamon, formado pela Montreal Engenharia, Sade Techint, Tenenge, Araújo, Ebe, Sertep e Ultratec
 

 

 

Fonte: Padrão

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