Hora de exigir que o legado da Copa seja concluído

A sociedade não pode aceitar que lhe ponham, impunemente, um nariz de palhaço no rosto.

Embora os governantes costumem apostar na “memória curta” dos cidadãos, o fato é que continuam muita viva, na lembrança de todos, a pompa e a circunstância do momento em que, no dia 30 de outubro de 2007, em Zurique, Suíça, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) anunciou oficialmente que o Brasil sediaria o maior evento esportivo do mundo. Presente, na comitiva brasileira, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A questão da falta de estádios nos moldes previstos pela Fifa quase constituiu um obstáculo. Mas o Brasil assegurou que doze cidades-sede conseguiriam entregar seus estádios em dia. E que o mesmo ocorreria em relação às obras destinadas a constituir o legado da Copa. O legado, a propósito, seria a contrapartida ao significado do evento, que resultaria em criação de milhares de postos de trabalho, aumento do fluxo turístico, intensa visibilidade do País nos quatro cantos do mundo e a ampliação do volume de serviços proporcionados pelo impacto dos jogos, sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Recife, Manaus, Brasília, Cuiabá, Curitiba e Porto Alegre, onde eles seriam realizados.

 

A sociedade precisa exigir dos governantes a conclusão das obras prometidas como legado da Copa do Mundo, como é o caso da reacomodação viária do entorno da Arena das Dunas, em Natal (acima), e do monotrilho concebido para
ligar o Aeroporto de Congonhas à rede ferroviária metropolitana de São Paulo
 

As respostas positivas às dúvidas sobre as reais condições brasileiras para sediar o evento, pois as carências eram muitas, em especial no que dizia respeito à mobilidade urbana, foram difundidas tanto pelo governo federal quanto pela maior parte dos governos estaduais e até municipais, diante da convicção firmada nas três instâncias de que tudo daria certo. As obras seriam contratadas, projetadas, executadas e concluídas segundo o cronograma e o padrão Fifa. No cômputo geral, os gastos não excederiam o volume de R$ 25,8 bilhões, a maior parte bancada pela iniciativa privada. Os fatos provariam o contrário: o grosso das obras foi custeado por recursos públicos e o Brasil construiu estádios entre os mais caros do mundo.

As questões da mobilidade urbana, somadas àquelas relacionadas com a necessidade de obras de saneamento básico, aumento da oferta de hotéis naquelas e em outras capitais e investimentos na rede de infraestrutura geraram expectativas no conjunto da cadeia produtiva da construção e em outras atividades.

Hoje, a realidade do legado é outra. De uma relação de perto de 170 obras anunciadas na época, cerca de 90 puderam ser concluídas; outras não saíram do papel; algumas talvez venham a ser concluídas depois da Copa e outras, simplesmente, foram abandonadas, na expectativa de que até sejam esquecidas com o passar do tempo.

Entre as obras entregues se incluem naturalmente as arenas esportivas. Mas algumas receberam os jogos da Copa com as obras do entorno ainda inconclusas. Outras dificilmente receberão, em futuro próximo ou remoto, as obras de mobilidade prometidas. É o caso da arena de Manaus, cujo monotrilho foi dado como suspenso. O governo amazonense atribui a suspensão a atrasos provocados por irregularidades nas licitações. Sabe-se, igualmente, que o estado nem sequer tem times de futebol na série A e o uso futuro do estádio constitui uma incógnita.

Entre outras obras prometidas, cuja realização ainda se encontra no terreno instável das probabilidades, estão o BRT de Cuiabá (MT); o BRT da avenida Paralela de Salvador (BA); o Corredor Metropolitano de Curitiba, cujos custos estão sendo reestudados; o VLT de Brasília; a via 710 de Belo Horizonte (BH), que até deixou de fazer parte do pacote de obras da Copa; e outros empreendimentos mais.

Quanto às obras incompletas, podemos citar várias, mas vamos mencionar apenas aquelas consideradas de maior relevância, como as previstas para vários aeroportos. Entre estes, o de Fortaleza (CE), que ilustra muito bem o volume das obras inconclusas. Em cima da hora, a Infraero teve até de recorrer à construção do chamado módulo operacional provisório, o “puxadinho”, para melhorar sua capacidade operacional.

Estamos nos referindo a esses casos, a fim de que o governo, em suas três instâncias, saiba que a sociedade não esquece das promessas que lhes foram feitas como argumento para que o Brasil abrisse os seus braços generosos para receber a Copa. Tudo bem. Ele recebeu. Só não pode deixar de cobrar, no pós-Copa, as obras que deixaram de ser feitas ou que precisam ser concluídas. Ao contrário do que alguns pensam, a população quer andar de metrô e VLT, em vez de passar horas espremida em ônibus superlotados.

 

 

Fonte: Revista O Empreiteiro

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