Intervenção urbana radical

Em 1902, o então presidente Rodrigues Alves declarou em seu discurso de posse: u programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase que exclusivamente a duas coisas: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro. Dito e feito, seu governo foi marcado pela vacinação obrigatória capitaneada por Oswaldo Cruz e pela reforma urbana conhecida como bota-abaixo do então prefeito Pereira Passos, que modificou a cidade.

Passado mais de um século, o atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, procura unir as três instâncias de poder em torno de um projeto: o Porto Maravilha. O objetivo é gerar um novo polo turístico, incrementar a atividade portuária, quintuplicar o número de moradores na região, reformular o transporte urbano e consolidar o porto como centro cultural, criando um complexo de museus. O investimento total gira em torno de R$ 10 bilhões entre dinheiro público e privado. As reformas de infraestrutura prevêem a construção de 76 km de galerias de esgoto, 60 km de dutos com 3.600 postes, 28 km de galerias pluviais e 79 mil m de tubulação para água potável.

Em 2010, Rodrigues Alves continua a ser o nome de uma avenida de passagem, um corredor feioso da cidade. Nas plantas da reforma, entretanto, ela se transformará em estrada de convivência harmoniosa entre carros, ciclistas, pedestres e usuários de transporte público, como o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), que circulará no canteiro divisor das pistas da avenida, ocupadas pelas pilastras do elevado da Perimetral, que será demolido, e o trânsito reorganizado com a construção de um túnel de dois km na altura do Armazém 5, ligando a praça Mauá àquela avenida.

De acordo com o secretário municipal de Desenvolvimento e presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), Felipe Góes, a previsão é de que a obra comece no início de 2013, com duração de um ano. Primeiro será construído o túnel sob a avenida Rodrigues Alves, que vai receber o fluxo da Perimetral. A obra do túnel vai ser realizada com o elevado ainda de pé. A solução para o trânsito será a criação de uma estrada paralela à Rodrigues Alves, que atende pelo nome provisório de avenida Binário.

O arquiteto urbanista e ex-prefeito da cidade, Luiz Paulo Conde, é um dos incentivadores da demolição do elevado: É vital porque eliminará um obstáculo visual na orla, explica. Ele defende a demolição desde sua primeira gestão na prefeitura. Para historiadores, a Perimetral também já vai tarde, levando consigo, infelizmente, uma parte da história do Rio de Janeiro que ele extinguiu, como ruas e becos do início da ocupação da cidade.

Redesenho total

Diferentemente do elevado, a revitalização atual deverá preservar a história existente nas ruas dos três bairros que engloba totalmente – Santo Cristo, Gamboa e Saúde – e nos setores de bairros que serão tocados pela reforma – São Cristóvão e Centro. A praça Mauá será ampliada e aprofundada. Sob ela ficará um estacionamento para 900 veículos e no Palacete D. João 6º, de 1916, em frente à praça, se erguerá o Museu de Arte do Rio (MAR), fruto de parceria da Prefeitura com a Fundação Roberto Marinho, com previsão de conclusão em 2012. O projeto incluirá também o prédio onde funcionam atualmente o Hospital da Polícia Civil do Estado e o Terminal Rodoviário Mariano Procópio, o primeiro da cidade.

O MAR terá 3 mil m². O Palacete D. João 6º abrigará salas de exposição sobre a história do Rio. O outro prédio se transformará na Escola do Olhar, que terá como função a sensibilização e formação do público para as artes. Entre os dois, uma praça suspensa com bar panorâmico e uma grande laje em concreto simulando as ondas do oceano. Além de ponte entre o antigo e o moderno, o museu pretende unir dia e noite, operando em horário informal para se adaptar ao ambiente efervescente e à vida noturna do cais do porto. Chamada de âncora-cultural pelo prefeito Eduardo Paes, a obra prevê um investimento de R$ 43 milhões.

Apesar da importância cultural do museu, é a transformação do píer Mauá que redefinirá totalmente o Porto do Rio. A língua cinza de concreto sujo que se estende sobre o mar cederá espaço a uma moderna área de lazer. Um parque de 30 mil m² com quiosques, chafarizes, restaurantes e pérgulas será executado pela Construtora OAS, vencedora da licitação, de acordo com projeto desenvolvido pelo Instituto Pereira Passos, que prevê melhorias nos atracadouros.

Três novos píeres com capacidade para até seis navios cada serão construídos em frente aos Armazéns 3 e 4. A estimativa da Companhia Docas do Rio de Janeiro, que administra o porto, é receber, em 2020, 1,8 milhão de passageiros e aumentar a arrecadação de U$ 600 milhões (última década) para U$ 3,5 bilhões.

O Píer Mauá sustentará ainda outro pilar do complexo de museus previsto: o Museu do Amanhã. Feito também em parceria com Fundação Roberto Marinho, terá exposições científicas e de sustentabilidade e seguirá os moldes do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, projetado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o Museu do Amanhã será uma estrutura autossustentável feita inteiramente com material reciclável. As obras começam no ano que vem e ficarão prontas no final de 2012. A intenção é de interação plena com a paisagem do Rio, com grandes clarabóias que permitam a visibilidade externa e a entrada de luz natural.
Essa interação é um dos pontos do Projeto Porto Maravilha que mais preocupa os urbanistas. Como prevê a construção de alguns arranha-céus, há o temor de se criar uma barreira visual. A altura dos edifícios tem um certo grau de simbolismo. As pessoas associam edifícios muito altos a desenvolvimento e progresso mas, no Rio de Janeiro não é bem assim, por que as montanhas, a paisagem e a água oferecem um outro modo de interpretar, um modo simbólico, porque são permanentes. Existe a crítica ao edifício muito alto que, em geral causa problemas ambientais, mas acho que é possível a convivência, nem estigmatizando, nem valorizando, mas aproveitando bem o espaço, afirma o arquiteto Sérgio Magalhães, presidente do IAB-RJ.

Em setembro, saem os CEPACs

"Estamos trabalhando com cinco lógicas: potencialização do legado urbano, visão de mercado, aproveitamento das sinergias com a Copa, fortalecimento do potencial cultural e de entretenimento do Centro e otimização de custos de infraestrutura, explica o presidente do IPP, Felipe Goés. Com essa me

ta, o IPP conseguiu transformar 1 milhão m² de área em potenciais 5 milhões m² disponíveis para construção, gerando os Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs), que serão vendidos a partir de setembro. O modelo, copiado de São Paulo, servirá para custear a segunda fase das intervenções, uma vez que a primeira será executada apenas com recursos públicos.

Para administrar os Cepacs foi criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (CDURP), que emitirá os títulos. A primeira transação deste tipo terá valor mínimo, por cota, de R$ 400. Com a venda, a prefeitura tem a expectativa de arrecadar quase R$ 4 bilhões. Cerca de 6,4 milhões de títulos serão vendidos em leilões públicos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Atualmente, empresas como Xerox do Brasil, Lojas Americanas, Moinho Fluminense, INT, INPI, Companhia Docas do Rio, Metrô Rio, Embratel, Light e Socicam estão localizadas na área. Quem já confirmou a mudança de endereço para o novo Porto Maravilha é o Banco Central. O prédio, com certificação de projeto verde, ocupará o terreno do atual Armazém 8, próximo à Cidade do Samba, na Gamboa.

Além das construções, serão criados 40 km de corredor verde com 11 mil árvores plantadas, será efetuada a limpeza do canal do Mangue e instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Morro da Providência. A Igreja de São Francisco da Prainha, no Morro da Conceição, será restaurada. No Morro da Conceição encontram-se também O Jardim do Valongo, a Casa da Guarda, o Sanitário Público, a Pedra do Sal. Ao todo, a Prefeitura pretende investir R$ 8 milhões na recuperação dos locais históricos e nas melhorias no calçamento e iluminação, além de abertura de vias.

Aquário gigante

Uma das maiores obras que será realizada no local, porém, não vai beneficiar diretamente pessoas, mas 12 mil animais de 400 espécies diferentes oriundos de água salgada e água doce, com simulações do Complexo do Pantanal e Amazônico. Essa fauna se espalhará por um prédio multifuncional de cinco andares que servirá como centro de pesquisas e lazer. Dirigido pelo biólogo marinho Marcelo Szpilman, o AquaRio será o maior da América Latina. O aquário tem 27 mil m2 de área construída, 5,4 milhões l de água., descreve Szpilman.

Um grande tanque de 2,4 milhões l de água, com 7 m de pé-direito, com outro ao lado de 1,2 milhões l, formarão quase que um único tanque com peixes oceânicos. Por baixo desses dois tanques será criado um túnel de 33 m, onde os visitantes poderão circular. Mais 40 tanques de médio e grande volume e um aquário virtual com tecnologias novas vão dar interatividade ao visitante ao longo do passeio, explica Szpilman.

Para a construção foi contratada a empresa Kreimer, responsável por empreendimentos especiais. Fizemos o Rio Water Planet, o Rock in Rio, conta um dos sócios da empresa, Roberto Kreimer, que diz estar habituado a encarar desafios tecnológicos e buscar tecnologia de ponta para isso. O AquaRio será planejado dentro do conceito de sustentabilidade energética – com energia solar, eólica e gás de origem combustível e servirá também como fator educativo.

Fonte: Estadão

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