Rio revitalizará áreas centrais para recuperar a História

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Prefeitura do Rio de Janeiro abre caminho para modernizar o centro urbano carioca costurando acordo com União e Estado para começar as obras do Projeto Porto Maravilha, prometendo revitalizar toda a área portuária

Osonho não é de hoje. E, se a expansão do Rio de Janeiro começou onde ocorreu em 1910 a Revolta da Chibata; a fundação do Clube de Regatas Vasco da Gama, em 1898; a construção do primeiro arranha-céu da América Latina, prédio que abrigou o jornal A Noite, na década de 1920; local em que surgiu a primeira favela do Brasil (em 1897, no Morro da Conceição) e o local onde nasceu Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, no Morro do Livramento – justo é considerar que o processo de revitalização e modernização urbana, depois das obras do prefeito Pereira Passos, no início do século passado, comece exatamente ali, na região portuária.

O projeto, que teve origem na Secretaria Municipal de Urbanismo, é amplo e abrange a recuperação e melhoria em diversos segmentos importantes para as atividades e bem-estar da população. Centraliza as preocupações naquela região carioca, que há décadas está degradada, em razão do abandono de antigos galpões e de instalações portuárias em desuso.

Ele pode tornar-se viável adotando a chamada "operação urbana consorciada", que toma como modelo o Certificado de Potencial Adicional Construtivo (Cepac), já utilizado em São Paulo em diversas intervenções: o prolongamento da avenida Faria Lima e, mais recentemente, da avenida Roberto Marinho; construção da Ponte Estaiada "Octávio Frias de Oliveira"; reurbanização do Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, por causa da construção de uma estação do metrô (Linha Amarela) em seu subsolo e possibilidade de execução de outras obras. Dentre aquelas previstas no Rio de Janeiro, potencializadas pelo Cepac, estão as seguintes:

Infraestrutura. O projeto prevê a recuperação da infraestrutura urbana, de transporte e do meio ambiente, incluindo a criação de praças e parques; limpeza do canal do mangue e construção de novos equipamentos urbanos. Deverá ser reurbanizado o Morro da Conceição; demolida a alça de acesso ao Elevado da Perimetral; construída uma garagem subterrânea na praça Mauá com capacidade para 900 vagas e executados outros serviços.

Habitação. Propõe o aumento do número de moradores na área, de 20 mil, para 100 mil; recuperação do casario mediante emprego de novas opções de construção e instalando sistema de segurança e policiamento adequado no Morro da Providência.

Cultura e entretenimento. Prevê novo polo turístico com a recuperação dos bens do patrimônio histórico e cultural já existentes e novos equipamentos com esse fim, dentre eles o Museu do Amanhã, projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, a ser construído no píer Mauá, com a parceria da Fundação Roberto Marinho, e o Museu de Arte do Rio, projeto do escritório Bernardes & Jacobsn Arquitetura, dos arquitetos Paulo Jacobsen e Thiago Bernardes, que aproveita a estrutura do Palacete D. João VI e uma construção modernista, ambos na mesma área.

Comércio e indústria. A ideia, nesse caso, é atrair sedes de grandes empresas corporativas, que operam com TI de última geração e, ao mesmo tempo, estimular a atividade portuária de carga, além do turismo marítimo.

O pontapé inicial

O prefeito Eduardo Paes diz que o Projeto Porto Maravilha já está em andamento. A primeira fase do empreendimento compreende obras parciais de infraestrutura, em especial o novo acesso ao porto para veículos de carga. Elas deverão se prolongar por dois anos, e custarão R$ 374 milhões – recursos da União, da prefeitura, do Estado do Rio e da iniciativa privada.

Ele enfatiza que as obras de acesso ao porto serão deslanchadas a partir da avenida Brasil, na altura do Canal do Cunha, passando pelo bairro do Caju, retirando o tráfego de caminhões da rota tradicional de saída e a entrada da cidade. O píer Mauá será transformado em uma grande área de lazer, com anfiteatro, restaurantes e bares. O ambiente será preparado para receber turistas do País e do mundo – são cerca de 600 mil que chegam do Exterior todo ano. E terá capacidade para o crescimento da demanda em 2014, quando haverá a Copa do Mundo, e em 2016, durante a Olimpíada.

A revitalização abrangerá a melhoria da praça Mauá, as principais vias do entorno – Rodrigues Alves e Sacadura Cabral – a drenagem e a arborização nas ruas Barão de Tefé, Venezuela e outras. Ao todo, deverão ser construídas 499 residências e recuperados os imóveis que passem pelo crivo de uma cuidadosa avaliação.

A Presidência da República promete colaborar com os planos da prefeitura carioca, sinalizando que a Caixa Econômica Federal, a Companhia Docas, o BNDES e outras instituições estão prontas para colaborar no processo de modernização da área.

O projeto em debate

Há algum tempo os departamentos de Sociologia Política, Serviço Social e o curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RJ, realizaram encontro para debater o projeto da Secretaria Municipal de Urbanismo. Coube aos pesquisadores Fernando Perlatto e Paula Salles, do Centro de Estudos Direito e Sociedade do Iuperj – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política, relatarem aspectos desse evento.

Aspásia Camargo, presidente da Comissão do Plano Diretor da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, lembrou que há mais de 30 anos os atores políticos e sociais da cidade buscam um projeto apropriado para aquela região carioca. Trata-se de área considerada uma colcha de retalho, o que tem dificultado um trabalho harmônico, estruturalmente organizado, segundo um plano urbanístico coerente.

Ela expôs o receio de que o projeto acabe prejudicado por um mal crônico da política brasileira: a interrupção das obras, a cada troca do comando da administração seja ela estadual, municipal ou federal. E disse recear, também, que a adoção do Cepac implique incremento da especulação imobiliária, com a possibilidade de remoção da população que ali está vivendo, sem qualquer contrapartida.

Hélia Nacif, que já foi secretária de Urbanismo da Prefeitura do Rio, disse que a cidade não pode perder a oportunidade de transformar a região portuária e de criar, com ela, uma alternativa para a Barra da Tijuca.

Já o arquiteto Sérgio Magalhães, presidente do Ins

tituto de Arquitetos do Brasil (IAB), departamento do Rio de Janeiro, considera o projeto positivo. Tem afirmado que na região portuária há cerca de 1,1 milhão de m² de terrenos disponíveis, sem contar o sistema viário e que essa disponibilidade não terá nenhum sentido, se não for bem aproveitada.

As obras, na configuração do Rio de Janeiro, podem ter significado não apenas municipal, mas nacional. Por conta disso, ele entende que o Rio vive um momento de "oportunidades somadas" em favor do desenvolvimento, em razão dos eventos esportivos internacionais – a Copa e a Olimpíada.

Em razão disso, obras previstas, se acrescidas com as obras de despoluição da Baía de Guanabara, que continuam inconclusas, permitirá reverter o quadro de degradação da área e, ao mesmo tempo, fortalecer a região central, talvez até com o deslocamento de investimentos previstos para a Barra da Tijuca. Insiste na tese de que o centro da cidade é o elemento aglutinador metropolitano, na medida em que estabelece o vínculo entre a população e o sistema do transporte urbano.

E Sérgio Magalhães vai ainda mais longe nessa reflexão: acha que o orçamento para a construção da linha de metrô que ligaria o Leblon à Barra da Tijuca, seria suficiente para renovar todo o sistema ferroviário carioca, o que beneficiaria mais da metade da população metropolitana.

A arquiteta e urbanista Nina Rabha, que respondeu pela administração da região da zona portuária em administrações municipais anteriores, disse que prefeitos do passado cuidaram de revitalizar outras áreas da cidade, mas fecharam os olhos para a zona portuária. Em sua opinião, o Elevado da Perimetral não deveria ser destruído, ao contrário do que prevê o projeto. O dinheiro a ser aplicado na demolição dessa obra viária, poderia ser mais útil, se colocado a favor de obras para a melhoria das habitações populares da região.

Ela ressaltou um dado que entende como bastante positivo no processo; a costura entre os três poderes – município, Estado e União – em favor das transformações urbanas da zona portuária.

A arquitetura em evidência

No conjunto das obras previstas na mudança da face urbana da zona portuária carioca, dois projetos polarizam as atenções – inclusive as atenções internacionais – em razão do toque arquitetônico que deverá distingui-las. Trata-se do Museu do Amanhã e do Museu de Artes do Rio de Janeiro.

Museu do Amanhã. O lançamento do projeto do Museu do Amanhã ocorreu dia 22 de junho último, com a presença do autor, o arquiteto espanhol Santiago Calatrava, que tem assinado alguns dos mais representativos trabalhos de arquitetura da atualidade no mundo. São dele, por exemplo, os projetos dos complexos olímpicos de Barcelona e de Atenas. Ao apresentar o seu trabalho, no Rio de Janeiro, disse ele ter recebido a garantia, da prefeitura carioca, de que a obra ficará concluída em 2012.

O museu, inspirado em elementos figurativos da Floresta Atlântica, terá 12,5 mil m² de área construída, e será dotado de coletores solares móveis na fachada. O custo é estimado em R$ 130 milhões.

O edifício terá dois níveis interligados por rampas. Segundo a distribuição dos espaços, a loja, auditório, restaurante, salas de exposições temporárias, salas de pesquisa e áreas administração ficarão no pavimento térreo. No pavimento superior serão instalados os ambientes para exposições permanentes, além de um belvedere com vista para o mar.

A fachada terá tratamento incomum, destacando-se as grandes estruturas que se movimentarão, oferecendo áreas sombreadas e sendo utilizadas para a instalação de placas fotovoltaicas. Dessa forma, o lado externo do prédio será objeto de permanentes mutações estéticas. O arquiteto criou um espelho d´água no entorno, com um sistema que permite a filtragem da água do mar, a ser utilizada para gerar um microclima local mais ameno.

O projeto de Calatrava terá a participação do escritório do arquiteto Ruy Rezende, que acompanhará o desenvolvimento da obra e coordenará os projetos complementares.

Museu de Arte. O projeto do Museu de Arte do Rio de Janeiro, elaborado pelos arquitetos Thiago Bernardes e Paulo Jacobsen, estabelecerá uma conexão entre o palacete D. João 6º, construído em 1916, que já abrigou o Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, e uma edificação modernista, nas proximidades, hoje ocupada por um hospital e por um terminal rodoviário. O conjunto dos trabalhos foi estimado em R$ 43 milhões e a exemplo do Museu do Amanhã, deverá estar pronto até 2012.

Um dado que tem chamado a atenção nesse projeto é a cobertura da conexão entre as duas edificações, que poderá lembrar uma onda, ou um tapete voador. Além da cobertura e das rampas, unindo as duas construções, será construído um teleférico que ligará o museu ao Morro da Conceição. A estação do teleférico será instalada no terraço do prédio modernista, onde haverá uma praça, o primeiro passo para o acesso de quem pretenda visitar o museu.

Em razão do pé-direito e do vão livre, o palacete neoclássico abrigará uma exposição permanente sobre a história da cidade. Já no prédio de características modernistas, construído na década de 1940, e que já abrigou estruturas da Polícia Civil e está vinculado a um antigo terminal rodoviário, o plano é utilizá-lo para a instalação da Escola do Olhar, que reúne uma equipe multidisciplinar de educação.

Operação urbana é aprovada

A "operação consorciada urbana", para tornar viável a implantação do Projeto Porto Maravilha, foi aprovada pela Câmara Municipal. Ele altera parâmetros urbanísticos da região do porto e permite que a prefeitura comercialize os Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs). São títulos mobiliários a serem vendidos através de leilões públicos com a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A prefeitura espera arrecadar cerca de R$ 4 bilhões com a venda dos títulos. E destaca que as alterações na legislação urbanística atingirão terrenos públicos e privados numa área total de 5 milhões de m², incluindo os bairros da Gamboa, Saúde, São Cristóvão, Cidade Nova e região da Leopoldina.

A previsão inicial é de que as principais obras previstas no projeto estejam concluídas até 2014, ano da Copa do Mundo.

Alguns questionamentos ficam por conta de equipa

mentos urbanos importantes, construídos para os Jogos Olímpicos de 1997 e que, utilizados na época, continuam subutilizados, enquanto outros, inconclusos, não têm prazo para serem concluídos. Apesar disso, a cidade parte para a construção de outras obras.

Fonte: Estadão


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