Investir mais tempo no planejamento

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Carlos Valério Avais da Rocha

A engenharia brasileira passou muito tempo sem revelar novos talentos devido à baixa atividade. Porém, algumas empresas mantiveram seus núcleos principais de excelência, continuaram investindo e ainda possuem qualidade comparável àquela das empresas dos países mais avançados do mundo.
O que acontece é que esta boa engenharia se encontra restrita a alguns nichos de mercado e tem sua capacidade produtiva também restrita aos volumes de serviços que eram contratados no passado. Com o superaquecimento da economia, o volume crescente de projetos sendo contratados e os cronogramas extremamente apertados, as empresas começam a improvisar para dar conta da demanda. Para isso, usam um volume maior de estagiários e de engenheiros que ainda estão em fase de formação. Em consequência, a qualidade dos projetos naturalmente cai.
Por sua vez, as escolas de Engenharia também não tiveram tempo nem condições para formar alunos qualificados para exercer as funções que estão sendo solicitadas e a maioria dos profissionais, que há alguns anos eram qualificados, deixaram a área para dar seguimento a suas vidas ou se aposentaram e, portanto, dificilmente voltam às atividades da engenharia.
Isto tudo criou um déficit de bons técnicos e engenheiros. Com uma demanda grande com poucos técnicos qualificados, alguns projetos realmente terão problemas de qualidade. E, para piorar a situação ocorre que a remuneração dos projetos de engenharia que já estava baixa, não evoluiu proporcionalmente aos salários e custos para reequipar a engenharia nacional com equipamentos comparáveis ao Primeiro Mundo, o que aumenta as dificuldades para se atingir a qualidade necessária.
Entendo, por conta desses fatores aqui enunciados, que o maior óbice para a obtenção de melhorias e inovações é a falta de um volume de mão-de-obra qualificada, acompanhado da necessidade de se melhorar o ensino nas escolas técnicas e nas universidades. Outro problema são os prazos inadequados para a execução dos projetos que não permitem o amadurecimento das idéias, e a análise criteriosa de diversas soluções que poderiam melhorar o projeto como um todo.
O correto seria termos projetos de longa duração, bem detalhados e execução das obras num prazo mais curto, pois assim não ocorreriam tantas dúvidas e imprevistos nas obras. Quando falamos em obras públicas ainda temos um complicador que é a contratação de projetos pelo menor preço. Esta é uma prática cada vez mais difundida, o que significará efeitos catastróficos no futuro. Com projetos baratos e sem qualidade técnicas, as possibilidades de insucessos durante as obras são inevitáveis. Assim como serão inevitáveis aditivos acima do razoável e obras paradas por inviabilidade técnica.
Para eliminar os óbices referidos, temos que começar a melhorar o nosso ensino investindo, nas universidades, em tecnologias e equipamentos e pagando bem aos professores para que possam se fixar no seu objetivo principal que é ensinar sem ter que fazer maratonas para se sustentar. Ao lado disso, temos que criar uma conscientização da necessidade de planejar o futuro. Os governantes e empresários que contratam serviços de engenharia precisam pensar a longo prazo e manter um volume de contratações para ter um estoque de projetos, evitando os atropelos e permitindo que as empresas formem os seus profissionais e consigam manter as equipes por períodos longos. Planejar para não errar, este deve ser o dilema.
Hoje a responsabilidade técnica esta restrita ao recolhimento de taxas ao conselho de classe. Com baixa fiscalização, não são avaliadas as qualidades dos projetos e obras. A responsabilidade técnica só é acionada em casos extremos quando ocorre algum desastre na obra e começam a procurar os culpados. As entidades reguladoras, que deveriam se preocupar em fazer campanhas de prevenção, qualificação ou valorização da engenharia nacional, não o fazem; basta você recolher as taxas para estar em dia. Caso não o faça, será multado ou punido. Temos muito a melhorar nesta área.

Carlos Valério Avais da Rocha, conselheiro fiscal do Sinaenco e presidente da Esteio Engenharia e Aerolevantamentos S.A.

Rodrigo da Silva Gazen

Ao longo da década de 1970 as empresas tiveram a oportunidade de usufruir de um forte volume de investimentos governamentais, o que lhes permitiu o desenvolvimento de know-how, tecnologias, formação de equipes, etc. Só recentemente o setor da construção pesada passou a receber um volume mais constante de investimentos. Entretanto, só deveremos sentir os efeitos dessa atual fase de requalificação da engenharia, nos próximos cinco anos.
Acredito que um dos principais obstáculos para a manutenção da qualidade na engenharia seja a falta de compreensão sobre o que são e para que servem os projetos de engenharia e os serviços de apoio técnico. A maioria dos clientes contratantes do nosso segmento, seja por certo desconhecimento, seja pelas pressões dos prazos, acaba por minimizar a importância do exercício de planejar e projetar, com o tempo necessário para dimensionar as obras. Além disso, há uma visão distorcida relativamente a custos. Às vezes, costumava-se comparar a elaboração de projetos de engenharia com meros "plantas, desenhos, orçamentos".
Temos assistido, também, com muita preocupação, a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), que em alguns casos entende que serviços de apoio técnico correspondem a fornecimento de mão-de-obra, distorcendo, assim, o conceito de serviços técnicos especializados. Por acaso se contratam médicos ou advogados por menor preço?
Quanto ao processo de construção, entendo que as construtoras têm tido muitos problemas com a questão de preços compatíveis com as condições locais de cada obra. Haja vista, que muitos clientes vêm adotando tabelas de preços unitários com os mesmos preços para todo o País e tipos de obras, sem levar em conta as especificidades regionais ou técnicas encontradas naquele empreendimento específico.
Para que a engenharia brasileira evolua em sua capacidade de projetar, construir e entregar obras de qualidade, é preciso que tenhamos constância de investimentos na área da infra-estrutura. Somente quando possui regularidade de serviços, uma empresa pode crescer sustentadamente, em termos financeiros, possibilitando a qualificação de equipes e os aprimoramentos do ponto de vista, também, da tecnologia. Seria muito importante que se disseminassem pelo País os bancos de projetos, que são um elenco das principais obras planejadas e projetadas com a antec

edência necessária. É necessário um plano de governo, não de um governo, nas três esferas do poder executivo.
Sobre responsabilidade técnica, tenho a dizer que em alguns casos ela me parece temerária, pois temos assistido à contratação de projetos de barragens com uma carta-convite. Não vejo como fazer um trabalho com esse grau de responsabilidade e complexidade considerando um valor, por exemplo, de R$ 150 mil.

Rodrigo da Silva Gazen é diretor de desenvolvimento da Magna Engenharia e vice-presidente de relações trabalhistas do Sinaenco

Fonte: Estadão


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