No Brasil anterior ao advento das grandes usinas siderúrgicas, importava-se de tudo: postes de luz de ferro fundido, estruturas metálicas para pontes, estações ferroviárias inteiras, viadutos e tubos, além de utensílios domésticos. Doado ou comprado, tudo vinha da Europa ou dos Estados Unidos
João Yuasa
A implantação das siderúrgicas mudou esse quadro. O país galgou patamares crescentes da industrialização, aproveitou melhor o minério de ferro, transformando-o em lingotes, perfis e placas, até chegar à laminação de placas de aço cada vez mais finas, às folhas milimétricas, impulsionando o desenvolvimento, fortalecendo a independência econômica, melhorou a qualidade da vida, criou empregos para milhares de brasileiros, além da obtenção de milhões de dólares em divisas de exportação.
É o aço dos fogões, dos aquecedores, dos refrigeradores, das máquinas de lavar, dos talheres e utensílios domésticos. O aço dá qualidade à construção de pontes, viadutos, elevadores, tubulações, revestimentos, acabamentos e coberturas. É essencial às moradias, às indústrias, à montagem da infra-estrutura nacional. É o aço das usinas hidrelétricas, termelétricas e nucleares. O aço martela, prega e aparafusa. É o aço dos carros, dos caminhões, dos ônibus, dos trens, dos metrôs, dos navios, das bicicletas, das torres de transmissão, dos transformadores e dos cabos elétricos; das plataformas, das tubulações e dos equipamentos de prospecção e extração de petróleo, dos oleodutos, dos gasodutos, dos petroleiros, dos reservatórios e dos botijões. É o aço das perfuratrizes, das escavadeiras, das esteiras e das caçambas nas máquinas.
Começamos carregando
a caixa de ferramentas
David Fischel, engenheiro então recém-formado pela Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro, se encontrava no canteiro de obras de implantação da Usiminas, na década de 60. Na época havia dificuldades para se conseguir mão-de-obra especializada. Os serviços em execução eram as soldagens em uma das tubulações do alto forno. Na folga do soldador, o engenheiro arregaçou as mangas e decidiu cobrir a falta do técnico.
“Já viu engenheiro soldando?”, pergunta David com leve tom irônico. “Só podia dar complicação. Eu levantava a máscara para ver melhor o interior do tubo para colocar o eletrodo; acabei com o rosto ardendo”, arremata.
Ele conta essa passagem pelo canteiro de obras daquela siderúrgica porque sua implantação coincidiu com o início da auto-suficiência da engenharia brasileira, nos anos 60. “A primeira usina foi a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), marco da engenharia brasileira. Quando ela começou, a gente só carregava a caixa de ferramentas e as estrangeiras é que engenheiravam”, diz. De discípulo de Derek Herbert Lovell Parker, que apesar do nome, é fluminense da gema, David tornou-se o segundo homem da Montreal Engenharia, e hoje, é diretor presidente da Empresa Brasileira de Engenharia (EBE), do grupo MPE.
Engenheiros apontam a CSN como a primeira usina siderúrgica de grande porte do País. Ela vem sendo objeto de expansões sucessivas. A variedade da laminados planos, revestidos ou não, à razão de cerca de 4,6 milhões de t/ano, oferece um mix de produtos com cerca de 40% de produtos revestidos. É a única produtora de folha de flandres no Brasil e é a maior produtora mundial em uma única planta com a marca de 1,1 milhão t.
Sucesso na Usiminas
As siderúrgicas foram se ampliando, se modernizando. No início havia diferenças marcantes entre as usinas, mas atualmente, segundo a avaliação de Fischel, elas praticamente se equivalem, sob a ótica da tecnologia, mas por ter sido a última a ser construída com o que há de mais avançado, a Açominas se sobressai.
Engenheiro mecânico e eletricista da turma de 1959 da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais, Alfredo de Almeida também desenvolveu sua carreira na siderurgia. Começou na área de manutenção da Belgo Mineira, em João Monlevade, MG. Participou da fase inicial da Técnica Nacional de Engenharia (Tenenge), empresa que atualmente integra o grupo Odebrecht, e que realizou trabalhos na refinaria Duque de Caxias, em 1960-1, antes de ir para a Usiminas, onde ficou de 1961 a 1966 para a integração da usina.
“Foi assustador! Era tudo muito grande! O próprio parque industrial não estava preparador para atender à demanda de tal proporção”, comenta o engenheiro Alfredo, que participou da implantação do primeiro alto forno. Ele acredita que a Usiminas foi pioneira na implantação da primeira sinterização (hoje são seis), da primeira aciaria e da fábrica de oxigênio.
“Em se tratando de unidades integradas de grande porte, a siderurgia se desenvolveu inicialmente no âmbito estatal. Cada empreendimento se viabilizou muito mais pelas pressões políticas do que por razões técnicas. Entretanto, os critérios técnicos acabaram por se impor face à realidade de mercado. Cumpriu-se a finalidade de dar ao País capacidade de produção competitiva em preço e qualidade. Nesse sentido, as empresas de consultoria, projeto e gerenciamento, aliadas às de construção e montagem eletromecânica, exerceram papel de grande relevância no sucesso desses empreendimentos”, conta Alfredo.
Estatais
Ainda na primeira metade do século, o Estado chamou para si a responsabilidade e a condução da expansão siderúrgica no País. No início dos anos 90, oito das 10 maiores empresas do setor eram estatais e, apenas duas, de controle privado.
O modelo estatal fortaleceu-se durante os anos 50 a 80, quando os investimentos públicos no setor elevaram a produção siderúrgica de controle público para níveis próximos de 90% no País. Nos anos 90, porém, tanto o apetite empresarial do Estado, quanto seu fôlego para novos investimentos em siderurgia recuaram, não obstante se prenunciassem movimentos substantivos de alta na utilização de insumos siderúrgicos, bem como a maior inserção desse setor nos fluxos de comércio da economia global.
Hoje, em patamares semelhantes
Alfredo deixou os canteiros para administrar à distância as obras de hidrelétricas, refinarias e plataformas para a Petrobrás (Namorado e Cherne). Mas, sem titubea
r, aponta o trabalho no canteiro da Usiminas como o momento especial de sua carreira, que se desenvolveu na Enesa.
Atualmente, as siderúrgicas, incluindo a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) e a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) estão em patamares próximos. Todas realizaram investimentos, a integração e a compatibilização das várias áreas de produção. A CST inaugurou nos últimos dois anos lingotamentos contínuos e o laminador a quente. A Cosipa está em processo de modernização, para aumentar a capacidade de produção e melhorar a qualidade de seus produtos. Está em fase de compatibilizar os volumes de produção do aço e de gusa. Ampliou a aciaria, modernizou a laminação a quente e a frio, e prepara-se para entrar nos galvanizados e chapas pintadas. A CSN tem um projeto da laminador no PR que se encontra suspenso, mas montou uma unidade de produção de chapas especiais para a Peugeot em Passo Real, produz peças para construção de pontes e estruturas metálicas.
Ao longo dos últimos 40 anos, o parque siderúrgico brasileiro se modernizou e expandiu, superando inclusive as siderurgias tradicionais americanas, européias e asiáticas.
Na última década, os passos brasileiros no setor foram largos, enxugando as estruturas, melhorando os índices de produtividade, e houve um salto espetacular nas margens líquidas, como mostra o quadro.
Parque siderúrgico brasileiro
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Unidades
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1989
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2000
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Empresas
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unidades
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34
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12
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Capacidade instalada
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milhões t / ano
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28
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30
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Produção de aço bruto
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milhões t / ano
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25,1
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27,9
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Empregados
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pessoas
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177.300
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66.500
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Produtividade p/ empregado
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t
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142
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420
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Margem líquida
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%
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2,1
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19,2
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Margem EBITDA/rec. Líq.% 40 = (CSN e Usiminas)
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A produção siderúrgica brasileira em 2000 foi de 7,6 milhões t ano de longos, 12,1 milhões t de planos e 8,2 milhões t de semi-acabados. Motivadas pela atratividade do setor no País e pelas expectativas de bons resultados, as empresas investiram mais de US$ 10 bilhões, nos últimos dez anos, sendo 80% em projetos de modernização. O Brasil é a 10ª maior economia do mundo, com 2,7% do Produto Mundial Bruto. Na siderurgia, é a oitava, com 3,5% da produção siderúrgica mundial.
Agora, privatizadas
A privatização radical do setor foi a solução para a incompatibilidade entre as limitações orçamentárias do Estado e as iniciativas de expansão exigidas pelo mercado. Implantadas durante cinco décadas, as oito siderúrgicas estatais foram privatizadas em cinco anos. Dos US$ 86,9 milhões que resultaram do Programa Nacional de Privatizações no período 1991-99, a siderurgia contabilizou US$ 8,2 milhões (9,4%).
O conjunto de mudanças provocadas pela gestão privada das siderúrgicas levou à reestruturação interna das empresas, como a redução do efetivo empregado de 65.896 para 37.292, no período 1992-98. A produção evoluiu de 17.367 para 19.239 milhões t/ano, expandindo-se 10,8%. Com a recuperação de preços historicamente defasados, houve um ganho de 41,9% de faturamento, de US$ 4,97 para US$ 7,06 bilhões. A produtividade expandiu 95% no período, mais do que a indústria de transformação como um todo, que se aproximou de 70%; definição de investimentos em modernização, atualização tecnológica e expansão, totalizando US$ 12,8 bilhões para o período 1994-2002, com equilibrada origem de recursos: 35% próprios, 36% alavancados em moeda nacional e 29% em moeda estrangeira; estruturação da distribuição mais ágil e melhor preparada para uma economia com maior inserção global e mais competitiva.
Usiminas
Neste início de nova década, o sistema Usiminas está preparado para alcançar um volume de 10 milhões t/ano, posicionando-se entre os 15 maiores grupos do setor em todo o mundo. A q
ualidade e a diversidade dos produtos, a rede de logística, a concepção do atendimento aos clientes e os custos de produção compõem um conjunto de fatores competitivos em termos globais.
Cosipa
Faturamento de R$ 1,9 bilhão com 5.700 funcionários, sendo 5.500 próprios e 200 de terceiros. O Plano de Atualização Tecnológica exigiu investimento de mais de US$ 1 bilhão e permitiu atingir mais elevados padrão de produção da siderurgia mundial. Pretende chegar a produzir 4,5 milhões t/ano de aço líquido.
Constituída em 1953, começou a operar em 1963, com a inauguração do laminador a quente. Em 1964 inaugurou a laminação a frio, em 1965 a aciaria 1 e a coqueria. O porto inaugurado em 1969 movimenta 12 milhões t/ano
O alto forno 2 foi inaugurado em 1976 e o laminador de chapas grossas em 1978. Lançou-se ao mercado externo em 1980 e já exportou 120 milhões t. A aciaria 2 começou a operar em 1986. Foi privatizada em 1993. Em 1998, novo laminador a frio e em 2001 a mais recente aciaria.
Tubarão
A Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) teve sua construção iniciada em 1976 e começou a operar em 1983, com investimentos de US$ 3,1 bilhões. Foi privatizada em 1992, comprada pela Acesita em 1996 e pela Usinor em 1998. Em dezembro de 2000,0 ela operava rm 3.412 empregados próprios e 319 terceiros.
A usina dispõe de um terminal para importação de carvão (8 milhões t/ano); um terminal da exportação de produtos siderúrgicos com capacidade para movimentação de 5,8 milhões t/ano. Possui o porto de Praia Mole, em Vitória (ES).
Açominas
A Usina Siderúrgica de Ouro Branco teve suas obras civis iniciadas em 1977 e começou a operar em 1980, produzindo 2 milhões t/ano de aço líquido. Sua implantação se deu em cinco anos. O projeto básico foi da Usiminas, os projetos civis de construção e detalhamento foram realizados no País. O gerenciamento foi realizado por empresas contratadas. Dentro da usina, o gerenciamento foi do consórcio Hidroservice-Geotécnica.
Além da usina, da ligação com a 14 km da BR-040 e do escritório central foram construídos uma cidade com 2.500 casas, escola, hotel, hospital geral, pronto-socorro, almoxarifado das obras, captação de água do rio Maranhão, sistema de água industrial e barragem do Soledade.
CSN
A Companhia Siderúrgica Nacional – CSN combina minas próprias, usinas integradas, centros de serviços, ferrovias e portos e suas operações tem capacidade de produção de 5 milhões t/ano de aço bruto. Fundada em 1941, começou a produzir aço em larga escala em 1946 e foi privatizada em 1993. A partir da Usina Presidente Vargas, em Volta Redonda, no Estado do Rio, a companhia produz laminados a frio e a quente, galvanizados e folhas metálicas para atender às indústrias automotiva, de embalagens e tubos e várias outras. É a única siderúrgica no Brasil a produzir folhas-de-flandres e a primeira no mundo em volume de produção desse material em uma só usina.
A CSN inaugurou, em 1999, uma central própria de co-geração termoelétrica, a CTE, passando a gerar cerca de 60% das suas necessidades de energia. Para assegurar transporte confiável de insumos e produtos, a empresa controla ferrovias no Centro Leste, Sudeste e Nordeste do País. No porto de Sepetiba, opera o terminal de carvão administra, em associação com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o terminal de contêineres.
Conteúdo Adicional
As seções Exterior, Carajás, Edifícios e Pioneiros da Indústria, que também foram publicadas originalmente na edição da revista O Empreiteiro de março de 2002, podem ser acessadas no site www.revistaoempreiteiro.com.br
Fonte: Padrão