O Estado brasileiro tem hoje oportunidade histórica para olhar o futuro da Nação e do País no longo prazo. Conseguimos domar a inflação e vimos nos últimos cinco anos reduzindo o desemprego e as desigualdades de renda entre os trabalhadores.
Mas ainda há muito por fazer e o País deve agora planejar seu desenvolvimento para os próximos 20, 50, 100 anos.
Que país queremos no 2º centenário da Independência, em 2022? E que país queremos no 3º, em 2122?
A China já vem pensando no seu próximo século, os Estados Unidos e a Europa também. A sustentabilidade não é uma questão de escolha de países, empresas, sociedades e cidadãos, mas uma questão de sobrevivência. Ou encontramos uma alternativa aos nossos atuais padrões de consumo e produção, ou nossos netos não terão como sobreviver.
Além dos desafios futuros, o Brasil precisa ainda resolver desafios presentes, como a brutal desigualdade de renda e de acesso a bens e serviços de qualidade de nossa população. Precisamos fortalecer nosso Estado raquítico para que nossas crianças tenham educação de fato e de qualidade, investir na formação continuada para o futuro, ampliar e qualificar o sistema de saúde, ampliar nossas carreiras de servidores para termos nossas fronteiras vigiadas, a preservação do meio ambiente fiscalizada, segurança para todos e um sistema judiciário ágil e eficiente. É urgente também a inclusão de milhões de trabalhadores que estão hoje no mercado informal. O País precisa ainda ter uma inserção internacional soberana, para poder decidir seu futuro e suas opções de desenvolvimento.
Um passo importante para sermos um país, digamos, “mais civilizado” é aproveitar a reforma tributária ora em discussão no Congresso para fazermos justiça social. Afinal, nosso sistema tributário acaba concentrando ainda mais a riqueza já que recai fortemente sobre os mais pobres. O País pode sair da reforma mais justo ao instituir um sistema de fato progressivo, que cobre mais impostos de quem ganha mais e menos impostos dos mais pobres; moderno, que tribute as novas formas de riqueza imaterial do século 21 e que, sobretudo, reduza a carga dos impostos indiretos como PIS, Cofins e ICMS e amplie a dos diretos sobre renda e patrimônio, como altos salários, altos ganhos de capital, heranças, grandes fortunas, grandes áreas urbanas e rurais.
Devido aos progressos tecnológicos, cuidados com a saúde e inovações médicas e farmacêuticas, a população vai viver mais. Temos de nos preparar para viver por volta de 100 anos. Isso impacta também toda a nossa relação com o meio ambiente, com os espaços de convivência, com a educação e com o trabalho. É inexorável que trabalhemos menos neste século 21. Não há hoje nenhum impeditivo técnico ou econômico para a redução das jornadas de trabalho. Caminhamos para trabalhar 12 horas semanais, quatro horas em três dias semanais, dentro de um novo paradigma de produção e consumo, como já mencionei. Nossos jovens, todos eles, poderão entrar no mercado apenas a partir dos 25 anos, como já fazem os filhos dos ricos.
Há projeções que apontam que 500 grandes corporações vão dominar todos os setores econômicos até o final deste século. O centro dinâmico do planeta está mudando para a Ásia com o protagonismo de China e Índia. Os EUA, no entanto, manterão parte de sua influência, não são uma potência que vai desaparecer, assim como o bloco de países europeus.
Como o Brasil está se preparando para esta configuração mundial? A China vem se tornando a “fábrica” do mundo; a Índia, “o escritório”; EUA, Europa e Japão, “marketing, finanças e comunicação”. Será que ao Brasil restará apenas a “fa-ma”? Junção das primeiras sílabas de fazenda e maquliadoras? Será que estamos condenados a montar equipamentos produzidos lá fora e produzir commodities, pau e pedra?
Das 500 grandes jogadoras mundiais, quantas serão brasileiras? Hoje temos Petrobrás, Vale e três bancos (um estatal).
É bom lembrar que um país de maquiladoras, fazendas e mineração dificilmente produz classe média. Produzindo apenas commodities, jamais seremos um país desenvolvido, nem menos desigual.
O Ipea tem como missão contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro. Traçamos no instituto sete eixos ou dimensões que consideramos absolutamente imperativos para trilhar o caminho para o desenvolvimento: inserção internacional soberana do Brasil; macroeconomia do pleno emprego; fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia; criar uma estrutura produtivo-tecnológica avançada e regionalmente articulada; investir e desenvolver infra-estrutura e logística de base; consolidar nossa proteção social e ampliar geração de oportunidades; em toda e qualquer área, obsessão pela sustentabilidade ambiental.
Sobre esses eixos repousa a trajetória de desenvolvimento nacional.
(*) Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é economista formado pela UFRS, com especialização em Ciências Políticas e em Relações do Trabalho, mestre e doutor em Economia pela Unicamp, onde também é docente desde 1995. Foi consultor do Dieese, do Sebrae e de organismos multilaterais das Nações Unidas, como a OIT. Foi secretário municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo e já escreveu e organizou mais de 20 livros, entre eles A Década dos Mitos, vencedor do Prêmio Jabuti na área de Economia em 2002 e a série Atlas da Exclusão no Brasil.
Fonte: Estadão