O domínio das técnicas de construir hidrelétricas

A história da engenharia voltada às atividades de geração, operação e distribuição de energia elétrica no Brasil registra dois períodos: o primeiro, antes da chegada do grupo canadense, a Light, e o segundo, depois que ele passou a atuar aqui. Autorizado a funcionar no País por decreto do presidente Campos Sales, assinado em julho de 1890, o grupo viria a expandir suas atividades por conta do desenvolvimento do complexo exportador cafeeiro. Não demorou para que monopolizasse os serviços de bondes elétricos e de fornecimento de energia. Daí em diante partiria para outros empreendimentos, como o do aproveitamento da Cachoeira do Inferno, no rio Tietê, onde foi construída a usina hidrelétrica de Parnaíba e, logo depois, a usina de Fontes, no município fluminense de Piraí, iniciando o conjunto de obras que ficaria conhecido como o Complexo de Lajes.

A firme expansão da engenharia hidrelétrica começou a ganhar uma feição fincadamente brasileira na década de 1940, a partir do sonho nacionalista de Delmiro Gouveia. O governo federal tomara a decisão de aproveitar as famosas quedas de Paulo Afonso, no rio São Francisco, na divisa dos estados da Bahia e de Alagoas, para iniciar a construção da Paulo Afonso I. Essa obra registra algumas nuanças brasileiras notáveis. O exemplo maior desse jeito brasileiro de dar asas à criatividade talvez seja o modo pelo qual o engenheiro Otávio Marcondes Ferraz, que tocava as obras, tentou barrar as águas do São Francisco. Milton Vargas contou-me que Marcondes Ferraz idealizou nada menos do que o simulacro de um grande navio que seria encravado no cânion de Paulo Afonso para o desvio das águas. Claro que a solução submergiu. Mas foi a partir daí que a engenharia brasileira acelerou o processo de aprendizagem para realizar obras desse tipo recorrendo ao lançamento, no leito do rio, de pedras com dimensões apropriadas, a fim de alterar-lhe o curso.

Essa engenharia evoluiu também com a criação do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), que iniciou o planejamento do sistema elétrico paulista ensejando, depois, a constituição das Usinas Elétricas do Paranapanema (Uselpa) e das Centrais Elétricas do Rio Pardo (Cherp), responsáveis pela construção das usinas Salto Grande, Jurumirim, Xavantes, Limoeiro, Euclides da Cunha, Graminha, Tietê, Barra Bonita, Bariri e Promissão. Estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pelo laboratório de hidráulica da Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) começaram, com essas obras, a consolidar uma tecnologia nacional nas áreas de geologia, geotecnia, hidrologia etc.

Nos anos 1960 e daí em diante, esses estudos se refletiriam nas soluções técnicas que vieram a ser adotadas nas obras que projetariam o País no campo da construção das grandes barragens de terra ou de concreto. Os conhecimentos obtidos com a construção das usinas de Paulo Afonso, do Complexo Urubupungá-Ilha Solteira, Água Vermelha, Porto Primavera, Itaipu, Tucuruí e outras atrairiam para o Brasil o interesse técnico internacional. O País detinha, enfim, o domínio das técnicas de fazer hidrelétricas em todas as suas regiões: no rio Araguari, no Amapá, com a usina Paredão; no rio Iguaçu, Paraná, com Foz de Areia; no rio Paraíba (RJ), com a barragem do Funil, toda de concreto e em forma de abóbada; Salto Osório e Salto Santiago, também no rio Iguaçu (RS); e tantas outras como Passo Fundo, Marimbondo, Cachoeira Dourada e aquelas que vieram a complementar o aproveitamento do rio São Francisco: Paulo Afonso II, III e IV, e Sobradinho e Xingó.

Hoje, quando o Brasil faz uma inflexão para aproveitamento de outras fontes energéticas, a exemplo do aproveitamento do gás via gasoduto Brasil-Bolívia e parques eólicos, faz-se necessário que ele preserve o know how das tecnologias que assimilou, na memória da sua engenharia.

Fonte: Revista O Empreiteiro

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