Com investimento de US$ 3 bilhões, nova fábrica de celulose da Suzano acena com desenvolvimento na divisa Maranhão, Tocantins e Pará
Guilherme Azevedo — Imperatriz (MA)
Ainda não há para mim processo fabril, produção, produtividade, digestor, nem lignina, nem celulose. Só o balouçar do corpo na canoa que singra as águas mágicas de um rio mágico, o rio Tocantins, com seus 2,4 mil km de extensão, o segundo maior rio exclusivamente em território nacional. Seu Miúdo, na popa, e Caíque, barqueiros, me conduzem pelo curso d’água, ao lado de lá. A água do Tocantins é verde-clara e tépida e tranquila. E nela me demoro tarde adentro, até o sol redondo ir se pondo tão laranja e a lua, bola clara, ir chegando olhando lá de cima da noite azul-escura.
Logo mais, à noite, a afamada panelada das barraquinhas dos quiosques das Quatro-bocas, feita de miúdos e glândulas do boi, aventura gastronômica só para os fortes, suspende minha abstinência de Coca-Cola, de anos; tomo logo duas, uma imediatamente após a outra, por cima e depois do prato, por necessária precaução e remédio. As panelonas de alumínio no quadrado de madeira do quiosque, com bancos para a gente se sentar no entorno, apoiando o prato no balcão e assistindo ao Jornal Nacional na televisão pequena. A panelada: coloração meio rosa-estranho, sem o caldo, por favor, mas com farinha. Grossa.
A fábrica
Glaucia, assessora da Suzano Papel e Celulose, me pega no hotel na manhã do dia seguinte (eu, recuperado ou quase da surra de boi da noite anterior) e seguimos de carro, por vias ora enlameadas, ora esburacadas, como tem motocicletas por aqui!, rumo à nova planta industrial, localizada junto da chamada Estrada do Arroz, que liga Imperatriz a Cidelândia (MA). A fábrica foi inaugurada oficialmente no dia 20 de março deste ano, mas a partida produtiva ocorrera antes, exatamente às 14h30 do dia 30 de dezembro do ano passado, horário local. Tem capacidade produtiva de 1,5 milhão de t/ano de celulose e foi criada para não parar: 354 dias de produção ininterrupta, com 11 dias para manutenção.
A memória do empreendimento, Volnei Hilbert a tem por inteiro. Ele é o gerente industrial da unidade de Imperatriz e tem a função de coordenar todo o processo fabril. Responsabilidade de monta, que exige monitoramento a todo instante, correções de curso, para garantir a continuidade e a qualidade da produção de celulose local. É Volnei, aliás, quem nos recepciona, quando chegamos à nova fábrica, neste manhã de sol: um homem alto e corpulento, de tez clara e cabelos grisalhos e encaracolados, olhos doces e sorriso sutil. Lembra aqueles personagens literários que são enormes no tamanho e na ternura. Nos apresentará daqui a pouco o processo fabril ali utilizado, as suas minúcias, num giro pelas instalações.
O investimento total no empreendimento chama atenção: US$ 3 bilhões (R$ 6,7 bilhões). Um total de 96 mil m2 de área construída, em terreno de 1,5 milhão de m2. Produz celulose para exportação aos mercados dos Estados Unidos e da Europa, vendida em placas brancas que formam fardos de 250 kg.
Volnei exibe orgulho: a nova fábrica (a sexta unidade produtiva do grupo Suzano no Brasil) segue padrão mundial. “Está instalada no Brasil porque nossos custos aqui são competitivos, mas poderia ser instalada no Canadá, nos Estados Unidos, na Finlândia, Alemanha, em qualquer lugar do mundo, porque atenderia a todos os requisitos legais, principalmente ambientais.”
É preciso separar a celulose da lignina
Uma fábrica para produção de celulose, substância de base para toda a produção de papel, é um sistema químico fechado e tem a seguinte constituição e sentido. Alimenta-se da madeira de eucalipto, trazida em toras com 6 m de comprimento, cortadas de florestas próprias e próximas e trazidas por via terrestre, sobre caminhões. Essa madeira é picada e transformada no que Volnei descreve, brincando, como “chips de eucalipto”. Chama-se cavaco e será a raiz do processo. Do cavaco é mais eficiente a extração da celulose presente, separando-a da lignina, substância que aumenta a rigidez da parede celular vegetal.
O isolamento da celulose da lignina se obtém com o cozimento do cavaco, a elevada temperatura e pressão. Isso tem lugar no digestor, espécie de “panela de pressão” com 75 m de altura e 12 m de diâmetro. Ele é ladeado por outra estrutura metálica, denominada vaso de impregnação, uma “panela”, digamos, convencional. Depois do cozimento, o líquido resultante é quase só celulose, mas ainda há lignina, eis por que o conteúdo mostra tonalidade meio amarelada, meio marrom. Tudo segue agora para lavagem e branqueamento. Como a fábrica da Suzano em Imperatriz produz exclusivamente celulose, a etapa seguinte já é a de secagem, feita em duas máquinas. Para ser exportada, a celulose precisa estar livre de umidade ou quase: ter só 10% de presença de água. A capacidade total do processo é de 2,5 mil t/dia. Então chegou a hora de cortar a celulose em placas, formar os fardos e deixar tudo pronto para embarcar.
Energia autossustentável
Uma das características que tornam a unidade de Imperatriz modelar do ponto de vista da sustentabilidade é a do aproveitamento energético. Com o auxílio de duas turbinas de geração de energia Siemens, de 125 MW de capacidade cada, o sistema é capaz de dar suporte elétrico a toda a produção e ainda gerar um excedente de 100 MW, o suficiente para alimentar um município com 300 mil habitantes. Metade do excedente, 50 MW, é utilizado no próprio sítio da indústria, onde estão instaladas outras duas empresas químicas, fornecedoras de insumos ao processo industrial: a AkzoNobel, com produtos químicos para o tratamento da celulose, e a Air Liquide, com oxigênio gasoso. Os 50 MW restantes são vendidos à rede de energia pública.
No quesito energia, um outro equipamento se alteia entre os primeiros: a caldeira de recuperação química, com 105 m de altura, a maior em operação no mundo, segundo a Suzano. Ela tem duas tarefas: produzir energia, oriunda da queima dos próprios resíduos da madeira (lignina); e recuperar produtos químicos, processo de calcificação para reagir e produzir soda. São 7 mil t de sólidos secos queimados ao dia. “Toda a energia de que a gente precisa para fabricar celulose, esse vapor para fazer o cozimento, vem desse resíduo. Só tenho por volta de 5% de energia que preciso queimar, que é do forno de cal, mas 95% são energia verde”, marca Volnei o viés ambientalmente correto do processo.
Captação de água na fonte
A água é também protagonista dessa história. Sem ela celulose não há. E ela provém do rio do começo dessa história. Uma estação de captação de água, situada à margem do Tocantins, bombeia de lá 2 m3/s, conforme outorgado pela Agência Nacional de Águas (ANA). A água então palmilha 6 km por adutora com tubulações de aço de 1,2 m de diâmetro, até chegar à fábrica. O caminho é uma planície alagadiça, de várzea, que percorremos de automóvel, e em que ponteiam buritis, a palmeira característica da região, e não raro répteis de grande porte, de carcaça dura e grandes mandíbulas e presas, que rebolam pelos úmidos, os jacarés — pena que não tinha nenhum hoje. Depois de cumprir a função essencial de fazer circular o processo, a água retorna ao Tocantins tratada, por outra adutora, de iguais dimensões, que corre em paralelo. A volta ao rio se efetiva em três pontos distintos, por meio de três emissários fluviais. Dos 2 m3/s de água que foram, volta 1,8 m3/s, ou mais de 90% de seu total. “A gente reúsa; faz todo o processo e devolve”, resume o gerente industrial.
O processo de produção segue uma ordem espacial: da direita para a esquerda de quem mira a fábrica de frente. Portanto, na extremidade direita se situa a madeira bruta e na extremidade esquerda, a celulose pronta. No eixo, estão equipamentos de grandes portes, de variadas alturas, grandes tanques, torres, com extensa e intrincada tubulação metálica, por onde correm os líquidos. Para subirem, descerem e seguirem adiante, precisam de impulso. Daí o expressivo número de bombas (são cerca de mil e, em sua maior parte, centrífugas), acompanhadas de 2,5 mil motores elétricos, que as acionam, incentivando. “Na vida, tudo é bombear. E o que a gente mais faz aqui é isso”, sorri Volnei, no duplo sentido.
Ramal ferroviário próprio
Com o processo fabril concluído, a celulose pronta, embalada, o esforço de logística agora se faz presente. Um ramal ferroviário, com 28 km de extensão, foi construído. Ele parte exatamente de dentro do armazém de estocagem, dentro da fábrica, onde entram quatro vagões para ser carregados por vez. O trem por fim carregado, de propriedade da Vale, segue então até a conexão com a ferrovia Norte-Sul e por ela viaja outros 100 km, até chegar à estrada de ferro dos Carajás. Nesses trilhos serão percorridos mais 500 km, até o porto do Itaqui (MA). Ali a Suzano mantém armazém e acordo de prioridade de embarque de sua carga. Nas contas do gerente industrial, a posição geográfica, mais próxima dos mercados norte-americano e europeu, dá uma vantagem competitiva de quatro dias de frete em relação a competidores de outras latitudes, o que, naturalmente, reflete no custo e na margem de lucro. O mercado de celulose, uma commodity, se conquista ou se perde nos detalhes. Pois a Suzano, que completa 90 anos de atividades em 2014, é a segunda maior produtora de celulose de eucalipto no mundo e a nona maior produtora de celulose do mercado.
No voo de volta a São Paulo, com origem no aeroporto Prefeito Renato Moreira, em Imperatriz, e conexão em Brasília (DF), um homem puxa conversa comigo. É um sujeito simpático, de cabelos parcialmente grisalhos, como os meus, e de olhos claros, como os meus. Logo descobrimos uma origem comum: a fábrica da Suzano em Imperatriz. O engenheiro Carlos Eduardo teve participação importante na obra de edificação, vai contando, sentado à minha esquerda: foi ele quem cuidou em grande parte da contratação de fornecedores de insumos e equipamentos, um número estimado em 700, sendo 40% deles locais. Falamos do empreendimento, de seu histórico, de dificuldades do processo, de idas e vindas. “… mas não diz que fui eu que te contei isso, hem?” O.k., Carlos Eduardo, mas não me furto a compartilhar a tua dica, porque só quem lê essa reportagem e eu vamos prosperar como nunca e ficar ricos: “Quando puder, compre lote de ações da Suzano. Não tem como não ganhar. É ouro branco”. Está combinado. Agora só me falta o dinheiro, amigo engenheiro!
Fonte: Revista O Empreiteiro