O retorno à realidade

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Emerge algo positivo, depois da ressaca: a retomada do dia a dia. É hora de conferir os gastos de bilhões de reais nas doze arenas esportivas do Mundial, estudar as causas do atraso generalizado nas obras de mobilidade urbana, elaborar programas para que elas sejam concluídas e evitar, assim, prejuízos maiores para os cofres públicos e para a sociedade. Sabemos que não é de hoje que o País vem se equilibrando precariamente, sem planejamento, no futebol e fora dele. E que a política, manipulada pelo Planalto, apostava na Copa do Mundo para ao menos dissimular essa realidade. Agora, é hora de colocar a casa em ordem.
 

Houve manipulação nas promessas de que os gastos, em especial nos projetos e construção das arenas esportivas, seriam financiados com recursos privados, quando se sabia, de antemão, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, já fora colocado de plantão para os desembolsos necessários. E houve mais manipulação ainda. Uma das principais falava, com estridência, na questão do legado. Depois se verificou que a parte mais significativa do legado prometido, que tinha em vista construir novos sistemas de transporte de massa nas cidades-sede, poderia simplesmente ficar para as calendas e a população que se arranjasse como pudesse.

 

Após a humilhação acachapante (7 a 1), a afirmação do técnico da seleção, de que “o trabalho realizado não foi de todo ruim”, se revelou como mais uma tentativa de se apelar à mistificação. Mas a realidade não perdoa e corrobora a assertiva de uma colunista de jornal, de que “não se pode fazer tudo errado esperando que no fim dê tudo certo”.

 

Os custos dos estádios — somente dos estádios — da ordem de R$ 8 bilhões mostram o quanto estavam corretas as advertências, reiteradas imediatamente depois do anúncio de que o País abrigaria o campeonato mundial de futebol, de que as nossas prioridades deveriam ser outras. E, se ponderarmos sobre os custos gerais, que podem ser superiores ao custo de uma usina hidrelétrica do porte de Belo Monte, teremos a ideia exata de que o País não sofreu apenas a derrota no gramado: perdeu ainda mais ao não modernizar a infraestrutura nas cidades-sede.

 

É hora, portanto, de refletir e conferir. E a constatação é a de que as primeiras manifestações, aquelas de junho de 2013, batiam na tecla certa. Mas até elas acabaram sendo politicamente assimiladas para, depois, ser descartadas. E o que sobra, em linhas sumárias, é o cenário aqui esboçado:

• As obras de mobilidade urbana, o que foi possível tirar do papel, encontram-se atrasadas e, algumas, já proteladas para datas não definidas.

• O prazo para acionamento da sexta e última turbina de Belo Monte só deverá acontecer em janeiro de 2017.

• Energia eólica, que poderia ter sido gerada por 48 complexos na Bahia e no Rio Grande do Norte, até dezembro do ano passado, não foi aproveitada por conta de atraso na construção de linhas de transmissão, provocando prejuízo da ordem de R$ 1 bilhão aos consumidores potenciais.

• Mudanças de última hora, no alto escalão do Ministério dos Transportes e no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), realizadas apenas por interesses políticos e para permitir um minuto a mais no programa eleitoral de Dilma Rousseff à reeleição, provam que a gestão da logística terrestre do País dependem dos políticos de plantão e não dos técnicos desses órgãos. Daí, a sua obsolescência.

 

 

• Salvo o que ocorre em alguns estados, dentre eles, São Paulo, Rio de Janeiro (este por conta, também, das obras para a Olimpíada de 2016) e Minas Gerais, as obras públicas federais, no geral, estão atrasadas.

• Esses três Estados, mais a Bahia e Pernambuco, pagaram mais por obras públicas executadas em 2013 do que o governo federal, segundo levantamento feito pela revista O Empreiteiro nos portais de despesas dessas administrações – uma prova contundente da gestão ineficiente.

• Em São Paulo, o governo estadual parece confiar mais em São Pedro, para solucionar o problema do esgotamento do volume d´água do sistema Cantareira, do que em obras efetivas de engenharia para a captação de novos recursos hídricos. O fim das chamadas reservas profundas, antes designadas “volume morto”, está previsto para outubro ou novembro próximo.

• Outro pormenor: as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB), que eram de 2,5% para este ano, foram reduzidas, pelo mercado, para o pífio índice de 1%, até aqui. Esse jogo tem de mudar.

 

Estes são alguns dos problemas que vêm à tona, depois da Copa. Mas não se pode esquecer que a equipe alemã adotou o planejamento maduro como prioridade para poder alcançar os seus objetivos. Isso ocorreu no ano 2000, quando a Alemanha, eliminada da Eurocopa, resolveu reestruturar radicalmente as instituições ligadas ao futebol. Acreditamos que o Brasil precisa fazer o mesmo, mas não apenas no futebol e, sim, no planejamento e gestão da logística, na saúda pública, escolas, mobilidade urbana etc. Se isso vier a acontecer, a derrota por 7 a 1 terá um significado positivo. Pudemos contabilizar ainda alguns ganhos à margem da derrocada: o aumento do fluxo turístico; os testemunhos emotivos de que somos um povo de mãos e braços abertos para o mundo; e a generosidade internacionalmente reconhecida como um traço do caráter brasileiro.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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