Duas dificuldades avultam nessa fase inicial da construção da maior hidrelétrica da Colômbia: a verticalidade, que leva as obras a ser executadas em planos sobrepostos, e a logística imposta pela sinuosidade extrema das montanhas. Mas outro dado sobressai: o sítio localiza-se em território dos guerrilheiros das Farcs
Nildo Carlos Oliveira – Ituango (Colômbia)
Essa hidrelétrica, pelas características físicas e, sobretudo, pelo sítio em que se encaixa, difere completamente de outras que já visitei. Nada comparável com a maior parte das hidrelétricas brasileiras, cujas localizações, exceto algumas, na região Sul, estão em condições absolutamente favoráveis, em especial do ponto de vista topográfico.
Aqui em Ituango, departamento de Antioquia, a 170 km de Medellín, a hidrelétrica em questão está sendo construída no cânion do rio Cauca, um dos mais importantes do país e que parece estrangular-se entre os paredões abruptos da cordilheira. Bordeja cerca de 150 municípios e desemboca no rio Madalena que, por sua vez, joga suas águas no mar do Caribe.
A barragem será construída 8 km abaixo da ponte de Pescadero, onde o caudal do rio, naquele ponto, é da ordem de 1.010 m³/s. A barragem, que terá 225 m de altura e deverá ser construída com 20 milhões de m³ de rocha, represará um volume da ordem de 2.720 milhões de m³ de água.
Este é o segundo empreendimento hidrelétrico que a brasileira Camargo Corrêa constrói na Colômbia. Acumulou ampla experiência com as obras da usina hidrelétrica Porce III, com 660 MW de potência. Ali, porém, as condições topográficas eram semelhantes, mas não iguais às de Ituango.
A nova hidrelétrica, que terá 2.400 MW de potência instalada, reúne dificuldades sumamente maiores que a anterior, embora o contingente, que na atual fase ainda é da ordem de 1.200 pessoas (deverá chegar a 5 mil no pico), agregue engenheiros, técnicos e trabalhadores, quase na totalidade colombianos, muitos dos quais viveram os obstáculos de Porce e sabem o que significa operar máquinas e equipamentos como se estivessem praticando rapel.
A empresa prefere mesmo contratar trabalhadores locais, porque, no geral, eles estão acostumados a se movimentar e a viver a grandes alturas, em montanhas íngremes que se elevam para além dos 600 m ou 700 m. Além disso, as equipes que vão sendo formadas recebem treinamento específico para o trabalho naquela adversidade. Até um simples desmatamento, necessário à preparação de pontos de apoio para a movimentação de máquinas, é feito por homens que trabalham amarrados o tempo todo.
Embora o empreendimento esteja na região dos municípios de Ituango e Briceño, Santafé de Antioquia, San Andrés de Cuerquia, Valdivia e Yarumal, a infraestrutura local é precária e, por conta das dificuldades de acesso, fica em isolamento natural em relação a outras influências externas, que não sejam específicas das obras.
O encontro, a logística
Foi uma surpresa. No mês passado (junho), depois de uma viagem que durou perto de quatro horas, saindo de Medellín até ao canteiro da obra, em uma extensão de apenas 170 km, quem encontrei aqui, na qualidade de diretor geral das obras de construção, foi o engenheiro Reinaldo Lino, da Camargo Corrêa, que conhecera em outros empreendimentos e em outras condições no Brasil. Ele me havia atendido, há alguns anos, no canteiro da usina hidrelétrica Foz do Chapecó, em Santa Catarina, e depois seguiu para Belo Monte, no rio Xingu, de onde partiu para enfrentar as duras etapas deste empreendimento projetado nos despenhadeiros dessas cordilheiras.
O acesso até aqui seria melhor, não fossem as sinuosidades que encompridam a viagem e inviabilizam a possibilidade de qualquer horário de chegada. E não fossem, também, os riscos inesperados, pois vez ou outra, enormes blocos de pedras podem rolar montanhas abaixo. O engenheiro me informou: “Nessas regiões, as distâncias jamais podem ser calculadas em quilômetros. Costumamos calculá-las pelas horas que ficamos nas estradas. Às vezes o local para onde vamos está até à vista, mas, para alcançá-lo, haja estrada. E paciência.”
Ele me fala que, dentre todas as dificuldades aqui identificadas, a logística é seguramente a de maior impacto. Quando ele e equipe chegaram a Ituango, para encarar a obra, os acessos ainda não estavam concluídos. Há dois ou três anos, a contratante, a empresa EPM, instalou aqui alguns alojamentos, mas para o seu pessoal. E há outros alojamentos para o pessoal da empresa encarregada de construir os acessos. “De modo que ainda estamos utilizando os alojamentos da EPM. Os nossos ainda estão sendo construídos”.
Reinaldo Lino: a experiência brasileira em terras colombianas
As obras da usina hidrelétrica foram contratadas por etapas: primeiro, a construção dos acessos, a cargo do consórcio Tuneles-Ituango, formado pelas empresas Ferrovial Agroman Chile (60%) e Sainc Ingenieros (40%); depois, as obras civis principais; em seguida, a construção dos túneis para o desvio do rio e, por fim, as montagens eletromecânicas, que também fazem parte de outro pacote contratual.
Atualmente, o consórcio da Camargo inicia as obras de sua responsabilidade, enquanto aguarda a conclusão dos acessos, cuja morosidade é atribuída às grandes dificuldades topográficas e geológicas. Ela constrói e faz melhorias nos acessos locais para as operações iniciais de preparação dos canteiros e complementação da montagem das instalações industriais.
Enquanto isso, o consórcio contratado para fazer os acessos externos (Consórcio Mispe-Ituango) constrói uma estrada de cerca de 40 km de extensão entre o porto Valdívia e o sítio da obra. Este acesso se destina ao transporte dos equipamentos da usina que chegarão à Colômbia via marítima. São peças pesadas, tais como turbin
as e outros, que saem do porto em carretas e, no meio do caminho, possivelmente terão de ser transferidos para carretas menores, por causa das curvas, declives, aclives e pontes acanhadas que limitarão o transporte. Máquinas e equipamentos têm chegado à obra procedente do Brasil e de outras regiões do mundo.
Instigado a falar mais sobre os problemas aqui identificados, o engenheiro Reinaldo Lino diz que o maior obstáculo não está necessariamente no ato de fazer, mas em como fazer. Tanto assim, que a movimentação de terra e as operações para escavações ocorrem sobrepostas tanto na margem direita quanto na margem esquerda do rio Cauca, onde vemos máquinas operando como se estivessem prestes a se precipitar no abismo.
As obras previstas
As obras da construtora têm em vista acelerar as diversas fases do projeto que prevê o desvio do rio, na margem direita, por intermédio de dois túneis que serão fechados depois de construída a barragem; o vertedouro, tipo canal aberto, que será controlado por cinco comportas e o túnel de descarga intermediário, que deverá controlar a vazão do rio na época das cheias, e garantir, em qualquer circunstância, o controle do caudal, que cuja vazão não poderá ser superior a 21 m³/s, conforme exigências das autoridades ambientais.
As obras, no maciço rochoso da margem direita, compreendem a caverna principal da casa de máquinas, onde serão alojadas oito unidades de 300 MW de potência nominal cada uma, com turbinas tipo Francis; geradores sincrônicos de eixo vertical; equipamentos auxiliares eletromecânicos e de controle; sala de controle e instalações da administração. A alguma distância acima do rio está localizada a caverna que aloja a bancada de três transformadores monofásicos e, abaixo, duas cavernas, uma para cada grupo de quatro unidades geradoras, por meio dos túneis de desvio, devolvem as águas ao rio Cauca, cerca de 1.400 m abaixo do local de captação. Cada unidade geradora é alimentada por um túnel de desvio construído na margem direita. Os túneis são providos de comportas metálicas instaladas em poços verticais nas proximidades do local de captação.
No lado externo será construída a subestação principal, tipo encapsulada. Complementam o projeto outras obras associadas, como o túnel de acesso à casa de máquinas, com cerca de 900 m de comprimento, o túnel de ventilação e saída de emergência , os poços de aeração e outras de infraestrutura.
O planejamento e a execução
Valdemar Daniel de Freitas Garcia, responsável pela coordenação de planejamento e controle da obra, diz que o planejamento considerou os marcos contratuais exigidos pelo contratante, desde a licitação, em outubro de 2011, até o dia 21 de março do ano passado, quando houve a entrega efetiva da proposta. Nesse prazo cuidou-se da elaboração do planejamento analisando-se o tipo de terreno para a movimentação de terra, escavações e outras interferências e dimensionado o tipo de equipamento para cada uma das operações.
“Com base no tipo de operação e nas interveniências” – explica ele – “foi prevista a quantidade de máquinas e equipamentos necessários às diversas operações, o contingente que deveríamos contratar e o índice de produtividade/hora”.
Pelo planejamento que foi elaborado, deu-se prioridade à questão dos acessos, tendo em conta a movimentação das diversas frentes de serviço e as operações dos equipamentos; foram verificados previamente quais os equipamentos aptos a subir por rampas de até 30% de inclinação ou se seria possível empregar caminhões em subidas de até 16% de inclinação. E decidiu-se pelo emprego dedumpersescannerspara o transporte nos diversos patamares de altura. O planejamento da obra também tem considerado a logística que prevê o uso do acesso porto Valdívia-canteiro.
João Peruchi, especialista na execução de túneis, conta que, conforme o planejamento, estão avançando as obras de execução dos túneis rodoviários e da caverna que abrigará a casa de máquinas. Ele informa que a geologia em Ituango é semelhante à de Porce III. Por isso, a equipe de Ituango ainda não teve problemas. “Conhecemos o chão em que pisamos”, diz ele.
O técnico cuida da construção de um túnel de 6 m de altura por 7 mde largura e de outro de 9 m de altura por 7,5 m de largura, que passa sob o vertedouro. Este possui 405 m de extensão e largura que varia de 70 m a 90 m, com capacidade de vazão de 22.600 m³/s, em caso de necessidade. O volume de escavação que ali será atingido pode ser da ordem de 12,5 milhões de m³ de material.
Para a casa de máquinas a escavação formará uma abóboda de 240 m de comprimento. Esta caverna terá 23 m de largura e 49 m de altura e alojará oito turbinas de 300 MW cada.
Peruchi diz que as escavações em curso seguem as especificações do projeto, que incluía cuidadosa análise morfológica de cada tipo de rocha. “A nossa equipe de geologia e geotecnia analisou o maciço e especificou o tratamento a ser utilizado: se cambota com arco metálico, atirantamento ou rochas que não precisarão de tratamento algum, talvez nem sequer concreto projetado”.
O engenheiro José Ramos, também da Camargo Corrêa, ao analisar os trabalhos das escavações e da movimentação de terra, destaca o trabalho das equipes, sobretudo a qualificação do trabalhador colombiano: “Me parece muito preparado, psicologicamente, por conta da vivência nas montanhas, em realizar serviços em tais alturas. Diferentemente do trabalhador brasileiro, que sempre fica, naturalmente, um tanto receoso”. Ele diz que o risco, no caso dos trabalhadores colombianos, está na falta de uma cultura em relação à segurança. “Sob e
sse aspecto, não podemos facilitar”.
As operações de desvio do rio
Reinaldo Lino diz que a frente principal de serviços, nas escavações, concentrava-se, àquela altura, nas obras do vertedouro, de onde está sendo extraído o volume maior de rocha, material que será estocado para o posterior lançamento no leito do rio Cauca, na oportunidade do desvio. Ele informa que, se as operações para o desvio do rio, previstas para janeiro de 2014, atrasarem, a situação se complicará. Porque será muito difícil encontrar outro local onde guardar tal volume de rocha.
O desvio do rio é encarado como a operação mais crítica de todas as fases da construção de uma hidrelétrica. “E aqui”, informa o engenheiro, “não será diferente. Ou melhor, será diferente. Porque lá no Brasil, quando se projeta uma hidrelétrica, conta-se com espaço amplo para a ensecadeira, que é feita basicamente com movimentação de terra. Aqui, não. Dadas as condições do cânion, vamos precisar construir a ensecadeira. Ela será feita com concreto rolado. Não dá para concebê-la nos moldes tradicionais.”
Reinaldo Lina explica que em Ituango não haverá lançamento de grandes volumes de concreto. O predominante serão as escavações. Algumas estruturas serão construídas com o uso de formas deslizantes, mas apenas, em alguns casos, para conferir esbeltez a algumas das estruturas fixas.
O fato sobressalente, no desenho da obra, é que a construção, em planos sobrepostos, vai descendo despenhadeiro abaixo, até o encontro com a barragem, que irá subindo, montanha acima. É a engenharia num confronto especial com a natureza.
Fonte: Revista O Empreiteiro