O Empreiteiro percorre quase 1 mil km da estrada e relata a precariedade do trechoe os problemas da região ondeo agronegócio tem papel decisivo na economia brasileira
Augusto Diniz – Guarantã do Norte (MT)
Poucos trechos em boas condições, boa parte do asfalto desgastada e esburacada devido ao intenso tráfego pesado e extensos intervalos de estrada quase impraticáveis por causa da lama. Esse é o quadro da Cuiabá (MT)-Santarém (PA), na BR-163, a rodovia cuja pavimentação, prometida para final de 2014, tem sido a mais aguardada no País.
A revista O Empreiteiro percorreu quase 1 mil km dos 1.780 km de estrada entre as duas cidades, no trecho que, inicialmente, será o mais beneficiado com a ligação completa por asfalto das ricas terras do agronegócio em Mato Grosso ao porto fluvial de Santarém, às margens do rio Tapajós, um dos principais afluentes do Amazonas, para escoamento da produção.
O estado mato-grossense é responsável por 24% da produção nacional de grãos e seu rebanho é de 28 milhões de cabeças de gado, cerca de 10% da criação nacional, com perspectivas de crescimento expressivo nos próximos anos dos diversos itens do agronegócio, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Hoje, a maior parte dos caminhões que transporta grãos (notadamente milho e soja) produzidos no norte do Mato Grosso, ainda ruma em direção ao portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), para escoar a produção. Essa operação aumenta em cerca de 1 mil km o trajeto, o que já não aconteceria se a carga fosse descarregada no Norte do País. Sobrecarrega, portanto, as já congestionadas rodovias do Sul-Sudeste, ameaçando de colapso os principais terminais portuários brasileiros e, principalmente, encarecendo seu transporte.
Percurso
O Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, dá a dimensão do quanto o tráfego de caminhões poderia ser amenizado se a ligação por asfalto para Santarém já estivesse concluída. É que por ali passam todos os veículos de carga que descem do chamado Nortão mato-grossense para o Sul do País.
O grande movimento de carretas, principalmente nesse período pós-colheita da safra de grãos (junho), cria uma fila quase contínua de veículos até Sinop, a 500 km de Cuiabá e principal cidade cortada pela BR-163, até Santarém.
O começo da estrada, em via de mão dupla, já dá uma ideia dos problemas que serão encontrados dali para frente em alguns longos trechos: falta de acostamento, asfalto virando pó, buracos e depressão e sinalização vertical e horizontal precárias – algumas cobertas pelo mato às margens. Pedaços de pneus estourados também são uma constante no acostamento perigoso.
Mas justiça seja feita: no início, alguns trechos estão com trabalhos de recapeamento e outros com operação tapa-buraco em andamento.
Cerca de 120 km depois de deixar Cuiabá, em Rosário do Oeste, são vistas na estrada obras de viaduto que cruza a cidade e o início do trecho em pista dupla, com canteiro central. A pista dupla é interrompida em alguns momentos, já que a duplicação encontra-se em obras em várias partes da rodovia até Posto Gil, o que significa ainda trafegar em via de mão dupla.
De Rosário do Oeste a Posto Gil tem aproximadamente 50 km. Além de Rosário do Oeste, outros dois viadutos de grande porte estão sendo construídos em Nobres e Posto Gil. As obras para sobrepor a rodovia, porém, são vistas como desnecessárias para algumas pessoas ouvidas durante a viagem. É que nas mais movimentadas cidades da estrada, como Sinop e Sorriso, o expediente não foi utilizado, nem por isso ambos os municípios têm problemas de congestionamento em seus respectivos perímetros urbanos. Nessas localidades foram construídos apenas pontilhões.
A partir de Posto Gil, a estrada volta a ser exclusivamente de mão dupla – pelo Plano de Investimento em Logística do governo federal, anunciado ano passado, a duplicação deve seguir até a cidade de Sinop. Também é a partir dessa localidade que ccomeçam as extensas plantações de grãos a perder de vista no horizonte. O asfalto continua com problemas, assim como a falta de sinalização e acostamento, mas verificam-se intervenções mais intensas de recapeamento e reforma nas pistas.
Força do agronegócio
É pela rodovia que se constata também a pujança do agronegócio nas prósperas cidades de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop, todas planejadas, ocupadas por grandes armazéns de granéis de um lado e do outro pela área urbana central organizada. Todas possuem acessos com pista dupla da BR-163 em seus respectivos trechos urbanos.
Depois de Sinop, o movimento de caminhões e carros cai drasticamente. É que a produção de grãos entra em declínio e as propriedades dão espaço aos pastos. Como parte expressiva dos caminhões graneleiros usa a rodovia no sentido contrário para escoar a produção, não se justifica, atualmente, o tráfego intenso de caminhões nesse trecho.
Ao longo das margens da rodovia são observados, então, animais silvestres mortos. E por ali avultam buritis e castanheiras, árvores típicas da Amazônia. O menor tráfego faz a estrada apresentar melhores condições de uso, com asfalto menos desgastado e poucos buracos.
Em direção ao norte, surgem Itaúba, Peixoto de Azevedo (lojas oferecendo equipamentos para garimpo e outras comprando ouro denotam local de exploração mineral), Matupá (com concentração de grandes frigoríficos às margens da rodovia) e Guarantã do Norte, última cidade de Mato Grosso antes de ingressar no Pará, a cerca de 750 km de Cuiabá, e local onde chegou o asfalto na rodovia há apenas quatro anos.
Pontes de madeira
Dali até a divisa daqueles estados são 50 km. E a Serra do Cachimbo desponta como o marco da transição do cerrado para a Floresta Amazônica. O asfalto da Cuiabá-Santarém termina em uma precária ponte de madeira na divisa de Mato Grosso com o Pará. Para frente, já em território paraense, são 40 km de estrada de terra e lama ou com restos de algum tratamento asfáltico em meio à selva. Veem-se obras em andamento em pequenos trechos desse precário percurso.
Mais adiante, volta o asfalto à rodovia, em área do município de Altamira, depois de quase 1 mil km de viagem.
De acordo com a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), que fez um levantamento recente das condições do trecho entre a divisa de Mato Grosso e Pará até Santarém (PA), dos cerca de 1 mil km de estrada, mais de 400 km ainda são de terra ou estão com obras de terraplenagem e regularização do subleito ou revestimento asfáltico em andamento. A entidade reclama de falta de sinalização, drenagem subterrânea e pontes inconclusas no trajeto, além da apresentação de problemas na pavimentação em trechos já asfaltados.
José Silva, motorista de uma carreta bitrem carregada com 37,5 t de soja, diz que faz o trajeto de Sinop para Santarém desde o ano passado. São quatro dias de viagem.
O pior trecho, segundo o caminhoneiro, é entre Rurópolis e Santarém. “Existe 170 km de chão muito ruim”, conta. Os caminhões saem em comboio rumo ao porto no Pará. A viagem à noite é interrompida por conta do perigo de tombar a carga.
A volta da viagem não tem retorno com outros produtos, como acontece, em geral, de quem vai para o Sul. Mas José Silva diz que a estrada melhorou do ano passado para cá e que prefere dirigir até Santarém a ir a Santos ou Paranaguá. “A estrada depois de Cuiabá (rumo ao Sul) é muito movimentada, com vários pedágios, caminhões demais e ainda tem fila para descarregar”, relata.
Estradas vicinais
Ao longo da Cuiabá-Santarém, principalmente no trecho que corta o cinturão dos grãos, entre Nova Mutum e Sinop, há estradas vicinais asfaltadas e mantidas por produtores rurais em convênio com o governo do estado e municípios. Algumas delas são pedagiadas.
Referidas vias ligam a BR-163 a cidade menores fora do eixo rodoviário principal, mas que são estradas de escoamento de produção.
No caso das concedidas, a gestão da rodovia fica por conta de uma acordo assinado entre o governo do estado e a associação de produtores locais participantes do consórcio.
Fonte: Revista O Empreiteiro