Ociosidade da rede ferroviária causa PREJUÍZO de R$ 40 bilhões

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Marisa Marega

Os investimentos em ampliação da rede ferroviária em São Paulo devem tirar das estradas 45% dos caminhões que desembarcam mercadorias e produtos no porto de Santos. Mas, estudo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mostra que a ociosidade da ferrovia São Paulo-Rio de Janeiro no envio de cargas é de 66%. Se o ramal São Paulo, como é conhecido, fosse totalmente utilizado, seriam evitadas 5 mil viagens diárias de caminhões pela rodovia Dutra, a principal do País.

O transporte ferroviário no Brasil passa por diferentes períodos. Depois de uma fase de crescimento, vieram décadas de abandono até o fim do século 20, quando começa um novo ciclo de investimentos após a privatização. O problema apontado por especialistas é o modelo de concessão adotado, que fez o setor ferroviário ficar sujeito às decisões das operadoras privadas.

O Ministério Público Federal (MPF) diz que o País perdeu R$ 40 bilhões (quase o valor do custo de trem bala São Paulo/Rio, avaliado em R$ 50 bilhões) com o descaso de concessionárias de ferrovias em trechos não lucrativos. O MPF pediu, no início de julho, ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma investigação para apurar ”dilapidação do patrimônio” já que, segundo o órgão, “as operadoras ferroviárias abandonaram 16 mil km de ferrovias e, além disso, há a omissão do governo federal que não regula nem fiscaliza as empresas”. A própria ANTT reconhece que 2/3 das ferrovias estão subutilizadas.

O caso mais gritante, segundo o MPF, é o da América Latina Logística (ALL), que abandonou o trecho entre Cajati/Santos, no estado de São Paulo. Segundo a empresa, ela segue as regras do contrato de concessão e aguarda licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) para definir de que forma fará a recuperação da via.

ANTT X ANTF

Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT, explicou em entrevista à revista O Empreiteiro, que a agência reguladora vai deliberar até julho sobre a nova resolução de concessões que deve colocar um fim na questão. Segundo ele, o problema apontado pelo TCU, e também pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), refere-se à entrada de terceiros nas vias. “Esse entendimento, à luz dos contratos de concessão, vinha sendo interpretado de forma a não permitir o compartilhamento dos trilhos por terceiros, sem o consentimento da concessionária”.

Contudo, de acordo com Figueiredo, “a ANTT tem estudos para uma interpretação mais adequada à questão da exclusividade da concessionária quanto à exploração do serviço de transporte ferroviário”. E complementa: “Nesse sentido, foram realizadas consultas públicas para permitir que terceiros (como usuários e operadores de transporte intermodal) também possam utilizar as vias férreas administradas pelas concessionárias”.

Em outra frente, a ANTT também definiu que vai cobrar das concessionárias pelos danos provocados em razão do abandono das ferrovias, e obrigá-las a devolver os trechos que estão sem uso. Outra providência anunciada é a negociação de metas por trecho. Se algum ramal não tiver interesse para a concessionária, ela será obrigada a recuperá-lo para o tráfego de clientes e uso de terceiros.

A ANTT reconhece que 2/3 das ferrovias estão parcialmente ociosas — ou algo em torno de 5,5 mil km de ferrovias subutilizadas ou sem tráfego de cargas. Com isso, as operadoras terão prazo de 60 dias para adequá-las para o transporte de cargas, no mínimo nas mesmas condições em que estavam quando assinaram os contratos de concessão e arrendamento.

Mas a posição da agência reguladora não agradou às concessionárias. As empresas que controlam a logística de carga no Brasil estão se preparando para recorrer à Justiça contra a nova regulamentação. A Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as empresas América Latina Logística (ALL), Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), Ferrovia Tereza Cristina (FTC), MRS Logística, Transnordestina Logística e Vale, vem fazendo contatos com o governo federal para tentar impedir que novas companhias possam utilizar as vias férreas. Juntas, essas empresas operam 29 mil km de malha no País, mas segundo a Antt, apenas 10 mil km estão sendo efetivamente utilizada após a privatização. E o prejuízo fica com o Estado e a sociedade.

Em países de grandes dimensões como Estados Unidos, Canadá e Austrália, mais de 43% das cargas viajam de trem. Na Rússia, o índice chega a 81%. Na China, o transporte de cargas tem 37% de participação no mercado e no Brasil, ainda não passa de 25%, mesmo assim conquistados há menos de 15 anos, pois antes disso se resumia a apenas 17%.

Brasil precisa de 52 mil km de trilhos

O professor de Ferrovias da Escola Politécnica da USP, Telmo Giolito Porto, lembra que “o transporte de carga por ferrovia tem vocação: longa distância, grande volume e baixo valor específico. Para pequenos percursos, o ganho no custo do quilômetro rodado oferecido pela ferrovia é prejudicado pelo aumento de custo nos terminais (pátios). A distância econômica no transporte ferroviário é de cerca de 400 km e a carga típica são granéis”. Por isso, ele aponta a necessidade de melhor utilização da malha ferroviária.

Essa realidade mostra que no ritmo atual de crescimento, o Brasil precisa de 52 mil km de trilhos, quase o dobro dos atuais 29 mil km operados pelas concessionárias de transporte ferroviário. A boa notícia é que o governo federal voltou a investir na expansão da rede ferroviária e vários estados terão sua malha ampliada.

Fonte: Estadão


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