A engenharia brasileira
tem-se internacionalizado. Mas, os avanços da globalização sobre os mercados nacionais passam a exigir dos profissionais daquela e de outras áreas de atividades, um novo padrão do ponto de vista de conhecimento e de capacidade de assimilar costumes e usos locais
Não é de hoje que a engenharia brasileira tem buscado os caminhos do exterior. Nos anos 1970 a Mendes Júnior aportou na Mauritânia e no Iraque e enfrentou as areias do deserto para construir rodovias e ferrovias.
A Odebrecht encaminhou as suas caravelas rumo a Angola e ali, depois da hidrelétrica de Capanda, fixou-se como empresa local. Depois, naturalizou-se portuguesa casando-se com a Bento Pedroso e realizou obras de infraestrutura que melhoraram o padrão das estradas pelo interior de Portugal. Ajudou a construir o metrô e o sistema viário de Lisboa, expondo, como exemplo maior, a obra de arte sobre o Tejo – a ponte Vasco da Gama. Construiu o terminal para recepção de granéis líquidos à porta de Djibouti, na África Oriental, e prosseguiria por outros caminhos, desembarcando nos Estados Unidos, via aeroporto de Miami.
A Andrade Gutierrez chegara também a Portugal e escreveu um pedaço de sua história no metrô lisboeta, sob o traçado de ruas e praças por onde passearam Eça de Queiroz e, mais tarde, Fernando Pessoa. A estação da Rotunda, sob a estátua do Marquês de Pombal, continua exemplar como trabalho avançado de engenharia naquele subsolo histórico. Ela construiria, dentre outras obras, o aeroporto da Ilha da Madeira, respondendo pelo consórcio que formou com a Zagope e com a Spie Batignoles e Opca.
Estas e outras empresas, com destaque para aCamargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e ARG, trilharam por outros países, em especial pelas rotas da América do Sul e da América Central. Mapearam os caminhos da Cordilheira dos Andes e de seus abismos construindo hidrelétricas, rodovias, barragens para abastecimento de água e redes de esgotamento sanitário.
Poderíamos listar obras de construtoras brasileiras na África, Estados Unidos, Canadá e na Europa; em pelo menos 15 países, e o papel representado por empresas de montagens industriais e de consultoria de projetos, como a Engevix e a Figueiredo Ferraz, esta, responsável por obra ícone: a ponte sobre o rio Orinoco, na Venezuela. Outras empresas brasileiras, como a Concremat e a Intertechne aplicam, em obras, lá fora, experiência acumuladas em obras de engenharia no Brasil.
Contudo, há uma pergunta: O que ainda as empresas brasileiras, exceção as mais tradicionais em obras no exterior, podem fazer para consolidar suas experiências no mercado externo? A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) tem batido na tecla de que a internacionalização dos serviços de engenharia inclui necessariamente algumas etapas complexas: elaboração de projetos básicos, estudos de viabilidade econômico-financeira, estudos de impacto ambiental, gerenciamento de projetos e, depois, o dia a dia das obras, no impacto direto com trabalhadores, usos e costumes locais. O engenheiro brasileiro está sendo formado para assumir essa estrutura e postura?
A indagação vem a propósito de uma colocação feita na revista O Empreiteiro pelo professor José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da USP, na edição OE 497, quando afirmou: "Tenho a convicção de que a engenharia brasileira estará completamente internacionalizada nos próximos 50 anos. Até lá, não haverá outra saída. Em um cenário desenhado para daqui a cinco décadas, não podemos imaginar empresas brasileiras de engenharia com perfil local. Elas estarão globalizadas e, o engenheiro, integrado numa rede complexa de profissionais, atuando nas mais diversas localidades do mundo".
Essa manifestação instigou a montagem da mesa-redonda virtual, publicada nesta edição, para prosseguimento da discussão temática. Dentre as questões que estão sendo tratadas se incluem: 1) O que é possível fazer no ensino da engenharia, tendo em conta o processo de internacionalização em andamento? 2) O que é preciso melhorar, do ponto de vista curricular, para proporcionar ao estudante o embasamento técnico e humanístico necessário para que ele possa mais facilmente colocar-se no mercado de trabalho internacional? 3) O que o governo e a iniciativa privada podem fazer em favor do desenvolvimento da engenharia brasileira?
A seguir, apresentamos o pensamento de mestres no assunto sobre estes questionamentos.
"O caminho da internacionalização será difícil, áspero, mas é importante que nos convençamos do seguinte: não haverá outro."
– Professor José Roberto Cardoso, diretor da Escola Politécnica da USP
"A intenção da Escola Politécnica não é formar engenheiros para trabalharem no exterior, mas aqui."
– Professor Francisco Ferreira Cardoso
"Não podemos nos esquecer de que há engenheiros para todos os diversos níveis de necessidades do Brasil."
– Professor Alex Kenya Abiko
"As práticas modernas da engenharia precisam seguir padrões internacionais, e os mecanismos clássicos de defesa de mercado devem ceder lugar à defesa da competência."
– Cristiano Kok, presidente da Engevix
"Julgo muito importante o alto nível que os cursos básicos devem ter nas escolas de engenharia para que o futuro profissional tenha capacidade de continuar estudando e acompanhar a evolução tecnológica."
– João Antônio del Nero, presidente da Figueiredo Ferraz Consultoria de Projetos S. A.
"A tecnologia é o resultado do investimento contínuo em um segmento. Não se perpetua conhecimento sem investimento."
– José Ayres de Campos, presidente da CNEC
Fonte: Estadão