Prefeitura quer colocar VLT no lugar dos ônibus no Centro de SP

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Depois de quase 60 anos desde que eliminou o bonde de suas ruas, São Paulo deve voltar a ter um sistema de transporte urbano sobre trilhos no Centro. Para tanto, a Prefeitura paulistana publicou em 7 de fevereiro o Chamamento Público do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), versão modernizada dos antigos bondes.

De acordo com a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), o chamamento público é aberto para pessoas físicas ou jurídicas que tenham interesse na elaboração do projeto, estudos e diagnósticos de viabilidade técnica, econômica e jurídica para auxiliar a administração municipal na concepção de parceria junto à iniciativa privada. O chamamento tinha duração de 30 dias, mas acabou prorrogado.

O custo do projeto é estimado em R$ 3,5 bilhões, com prazo de implantação estimado em quatro anos incluindo operação por meio de Parceria Público Privada (PPP) de até 35 anos, em modelo similar ao das concessões feitas pelo Metrô. A Prefeitura afirma ter recebido a sinalização de liberação de R$ 1,4 bilhão para a implantação do VLT – batizado de Bonde São Paulo – por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

No plano do Executivo municipal está formar uma rede com 12 km de vias, distribuídas em duas linhas que conectariam cinco terminais de ônibus, nove estações de metrô e duas estações da CPTM. A Linha 1 (Azul) do sistema VLT teria trajeto estimado de 6,45 km, enquanto a Linha 2 (Vermelha) alcançaria 6,26 km. Com capacidade de receber cerca de 450 passageiros por viagem, a estimativa preliminar é atender cerca de 100 mil passageiros por dia, sendo que o trajeto completo de cada linha deva levar cerca de 45 minutos – a velocidade média do VLT gira em torno de 20 km/h, dependendo da localização. O sistema funcionaria diariamente das 6h à meia-noite.

VLT é um sistema de transporte de média capacidade, do tipo ferroviário, com tração elétrica, utilizado em linhas urbanas estruturais de transporte que é articulado a eixos de alta capacidade como metrô, trem metropolitano e a rede de ônibus. Ele pode ser conduzido de várias formas – automático, semiautomático ou por um condutor, e a energização do veículo pode ser realizada por via aérea (catenária), via trilho, por baterias ou pela energização somente nas estações, além de novas tecnologias em teste como a alimentação elétrica por indução.

Esses novos bondes têm sido um dos modais que mais tem conseguido transferir passageiros do automóvel para o transporte público. A European Conference of Ministers of Transport calcula que entre 10% e 15% dos motoristas são conquistados pelo VTL, considerando suas vantagens: ágil, confortável, silencioso, facilidade de acesso, maior integração com o entorno e respeito ao meio ambiente. A tendência, aponta a entidade, é essa porcentagem crescer na medida em que os sistemas de VLT e metrô leve se consolidam e têm seus percursos ampliados.

VLT integra projeto de requalificação do Centro

O projeto como um todo da Prefeitura é chamado de Programa Requalificação Urbanística do Centro de São Paulo com Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) da Região Central do Município de São Paulo e envolve, além do bonde, intervenções urbanísticas na região central como segurança viária, incremento da cobertura vegetal, segurança pública, nova iluminação e programas de habitação.

Faz parte do projeto a ocupação dos imóveis vazios e a promessa de estimular seu uso para moradia. “A Prefeitura tem atuado de diversas maneiras para incentivar o uso desses espaços com um plano para a recuperação da região central. Nesse sentido, marcos legais foram aprovados desde 2021, como o Programa de Requalifica Centro (Retrofit) e a Área de Intervenção Urbana (AIU) do Setor Central”, revela a SMUL, em nota. O objetivo da AIU é justamente criar estímulos e incentivos para o adensamento populacional. “A população estimada no perímetro da AIU é de 241 mil habitantes e, para priorizar o atendimento das famílias mais vulneráveis, o plano urbanístico prevê que, ao menos, 40% dos recursos arrecadados com outorga onerosa sejam destinados à construção de moradias populares para famílias com renda de até dois salários-mínimos”, completa.    

Na área de transportes, o secretário Edson Aparecido dos Santos, da Secretaria de Governo da Prefeitura, afirmou recentemente que a intenção é retirar ônibus e trólebus da região central, deixando apenas o VLT. “É uma mudança de concepção de transporte no centro da cidade. A ideia é tirar os ônibus do Centro. Sete secretarias estão trabalhando na modelagem da PPP, que vai definir a construção, o material rodante e os sistemas”, revelou Santos, lembrando que o estudo das linhas de ônibus que serão retiradas será feito pela Secretaria de Transportes. Já a São Paulo Urbanismo (empresa vinculada à SMUL) também participa, analisando a valorização que a requalificação do território por onde o VLT vai passar deve provocar.

“Os estudos técnicos em curso ajudarão a gestão municipal a mapear antecipadamente todos os pontos de atenção para implantação do sistema”, afirma a SMUL. “O VLT será um indutor para a requalificação urbana da região central, além de reativar a memória histórica dos antigos bondes do Centro. Com ele, o sistema de mobilidade da região terá uma nova alternativa de transporte público, melhor articulado com os deslocamentos a pé, oferecendo maior confiabilidade, segurança, agilidade e conforto nos deslocamentos”, adiciona.

Alto custo do VLT suscita críticas

Apesar da proposta de requalificação da região central como um todo, incluindo o estímulo ao adensamento para moradia, a ideia do VLT enfrenta críticas, tendo em vista seu custo elevado e o fato de o Centro já possuir uma boa oferta de transporte, que inclui várias linhas de ônibus e estações de metrô e da CPTM, ao passo que bairros populosos mais afastados têm poucas opções de transporte público.

Questionada sobre o assunto, a secretaria não respondeu, optando por destacar que a implementação do VLT poderia impulsionar transformações mais profundas no Centro, enfatizando a pegada ecológica do projeto – a contribuição para a melhoria do microclima local, a redução de emissões de poluentes, de CO2 e da poluição sonora.

“Do ponto de vista ambiental” – diz a secretaria –, “a implantação de um modal como o VLT poderá ampliar as áreas verdes, mitigar a poluição atmosférica e sonora, reduzir congestionamentos e contribuir para a revitalização de áreas degradadas”. Parques e espaços livres de relevância da capital também passarão a ser acessados pelo Bonde São Paulo, como o Vale do Anhangabaú, Parque da Luz, Largo do Paissandu, Largo do Arouche Praça da Sé, Praça Dr. João Mendes, Praça da República, Parque Dom Pedro II e Parque Minhocão.

No estudo, os técnicos da Prefeitura ressaltam que a implantação do sistema resgata a mobilidade de bondes antigos e atuará como elemento indutor de regeneração urbana no centro da capital. “As vias permanentes (do VLT), compartilhadas com as atuais vias de automóveis, praças, vias exclusivas para pedestres contribuem para reorganização paisagística, sendo ambientalmente mais eficiente e integrada à rede de serviços e equipamentos públicos e privados da cidade”. Os deslocamentos de pedestres poderão também ser absorvidos pelo VLT.

De acordo com a Prefeitura, o projeto – que já teve outras versões anteriores, a última em 2017 – está em desenvolvimento há pouco mais de um ano e terá novas etapas de estudo ao longo de 2024. Modelo da licitação, fontes de receita, se o bonde será elétrico convencional ou usará hidrogênio fazem parte das análises em curso, assim como a possibilidade de convênios, como com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e a inclusão no PAC.

Santos e Rio saíram na frente com VLTs

Há 56 anos acontecia a derradeira viagem de bonde pela cidade de São Paulo. Em 27 de março de 1968, a linha 101, a única em operação e que ligava o Instituto Biológico de São Paulo, no Ibirapuera, ao largo 13 de Maio, em Santo Amaro, fez seu último trajeto, encerrando uma história de quase 100 anos desse meio de transporte, que chegou a ter 700 km de vias na capital.

O primeiro bonde – puxado por burros – circulou em 1872, entre a rua do Carmo e a estação ferroviária da Luz. Em 1900, surgiram os primeiros bondes elétricos, sob a responsabilidade da São Paulo Tramway, Light & Power Company, que ficou com o encargo até 1947, quando a operação de bondes paulistanos passou para a recém-criada Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC). Nos anos 1920, o bonde se tornou o principal meio de transporte da cidade, mas ao longo das décadas acabou perdendo tração para automóveis e ônibus.

Cerca de 60 anos depois, o bonde volta a atrair a atenção do poder público de São Paulo, agora em uma versão modernizada, o VLT. Mas esse tipo de transporte não é novidade no País. Na Baixada Santista, o VLT está próximo de completar uma década. O primeiro trecho do bonde, hoje com 11,1 km de extensão, foi entregue à população em 2015, ligando São Vicente à Estação Porto, em Santos. Há projeto para chegar até Praia Grande. É operado pela BR Mobilidade, empresa do Grupo Comporte, que recentemente venceu o leilão do Trem Intercidades SP-Campinas, em um consórcio formado com a chinesa CRRC.

No Rio de Janeiro, desde 2016, o VLT Carioca percorre a região que compreende o Centro e o Porto, conectando as demais redes de transporte metropolitano – metrô, trens, BRT, ônibus e barcas, além de aeroporto, rodoviária e terminal de cruzeiros. É composto por quatro linhas (Linha 1 – Santos Dumont-Terminal Gentileza, Linha 2 – Praça XV-Praia Formosa, Linha 3 – Santos Dumont-Central e Linha 4 – Praça XV-Terminal Gentileza) e 30 estações. O VLT foi um dos alicerces do Porto Maravilha, projeto que promoveu a requalificação urbana na região portuária, por meio de um novo conceito de ocupação e mobilidade.

Redes de VLT operam em 270 cidades no mundo

A experiência internacional revela também que o VLT é uma opção consagrada. Cerca de 270 cidades do mundo adotam esse sistema. Melbourne, na Austrália, possui a maior rede do planeta, com 250 km de trilhos. Moscou, na Rússia, vem em seguida, com 208 km e 44 linhas, com São Petersburgo na sequência, com 205 km.

Na Europa, diversas cidades têm aplicado o bonde como estratégia de requalificar áreas urbanas degradadas. Em Berlim, a rede de VLT tem cerca de 190 km, e é um dos sistemas mais extensos do continente. Na França, o VLT provocou renovação urbana em várias cidades, desde Paris, até municípios menores como Marseille, Lille, Strasbourg, Rouen, Montpellier, Orléans e Lyon. Milão, Viena, Budapeste, Sofia, Bruxelas, Varsóvia, Basileia, Zurique, Lisboa e Porto também têm seus bondes, assim como várias cidades dos EUA (Los Angeles conta com rede de 169 km) e Canadá (Toronto tem 139 km de linhas).


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