O que já existe é subutilizado e projetos futuros são demorados

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A revista O Empreiteiro conversou com Ralph Mennucci Giesbrecht sobre o passado e o futuro das ferrovias brasileiras. O pesquisador tem vários livros publicados sobre ferrovias e mantém o site www.estacoesferroviarias.com.br

O Brasil, segundo ele, saiu dos trilhos, no final da 2ª Grande Guerra. “Antes do conflito mundial, o País já começava a andar com os automóveis, mas a precariedade das estradas brasileiras e o custo muito alto dos veículos seguraram um pouco o avanço do transporte rodoviário”. Isso aconteceu muito antes da era Juscelino Kubitschek, “à qual se costuma impingir o início da decadência dos trens, em função da adoção de uma alternativa que privilegiou a indústria automobilística”.

Ralph diz ser preciso levar-se também em consideração uma espécie de “arrogância” que tomou conta das companhias ferroviárias, como fator que contribuiu para o seu declínio: “Eu chamo de arrogância a atitude das ferrovias que se consideravam um monopólio e donas absolutas do mercado. Quando uma indústria queria transportar uma determinada carga para o porto, por exemplo, tinha de se sujeitar aos prazos e condições das estradas de ferro. A carga ficava, às vezes, muitos dias nos armazéns ferroviários. Isso só começou a mudar quando surgiram os primeiros caminhões que passaram a disputar o transporte de cargas”.

Após a 2ª Guerra, as ferrovias ficaram sobrecarregadas. “Além disso, o sistema passou a sofrer com a falta de peças de reposição, importadas de países que ainda sofriam as consequências da guerra. Ao final do conflito, praticamente todas as ferrovias estavam sucateadas, não investiam na manutenção e em novos tramos ferroviários”. Com essa situação, as ferrovias passaram a ser vendidas ou entregues para o governo. Em alguns casos, houve até certa melhoria do sistema, mas, depois, nos anos 1960 e 1970, ocorreu a derrocada.

“Do jeito como foi desenvolvido, o processo de privatização do setor deu margem ao surgimento de monopólios internos. As empresas passaram a transportar o que queriam (e interessava) e não o que era preciso. Além disso, os órgãos reguladores não exerceram a devida fiscalização, abrindo espaço para que praticamente todas as concessionárias passassem a não respeitar as cláusulas estabelecidas”, lamenta Mennucci.

Rede atual é subutilizada

Outro problema apontado é que a rede ferroviária nacional é subutilizada, ociosidade que atinge quase a metade dos seus 29 mil km de extensão. “Temos linhas sobrecarregadas, como a que vem do Mato Grosso, via Bauru e Araraquara, e que desce para o porto pela Mairinque-Santos. Outras que, como o trecho entre Botucatu, Ourinhos e Presidente Prudente, são pouco aproveitadas, com um comboio a cada duas semanas, aproximadamente, para transportar combustível. E, finalmente, algumas que estão abandonadas e, praticamente, sem manutenção, o que, pelos contratos de concessão, não deveria acontecer”.

O trem, segundo ele, sobreviveu no Brasil, a despeito do total abandono, o que demonstra que a necessidade desse sistema de transporte não é pequena. Ou seja, mesmo com tudo largado, ainda assim deu-se continuidade ao uso do trem de carga, principalmente. “As ferrovias sempre foram concebidas, historicamente, para o transporte de cargas. O uso para passageiros foi apenas uma consequência e quase uma obrigação imposta às companhias ferroviárias, numa época que o País tinha péssimas estradas”.

De olho no futuro

Projetos como as ferrovias Transnordestina e Norte-Sul são, de acordo com Ralph Mennucci, bem-vindos e muito necessários para o País: “Mas, a sua construção ainda é muito morosa. Quem garante que quando forem concluídos, no ritmo em que vêm sendo construídos, já não tenham surgidas outras prioridades. Uma ferrovia como a Transnordestina, que no trecho entre o sul do Piauí e Pernambuco, já está abandonada há muitos anos, é extremamente necessária. Ela só começou a ser construída efetivamente no ano passado, com promessa de conclusão prevista para 2012. Entretanto, já se falava desse ramal ferroviário um século atrás e, portanto, ele já chega com um atraso de muitos anos”.

Pode-se constatar historicamente que todas as linhas que hoje são mencionadas como necessárias já tinham sido previstas no século 19, com pequenas diferenças de traçado, alerta o pesquisador. “De todas elas, as únicas que estão sendo levadas a cabo, são a Transnordestina e a Norte-Sul. A Leste-Oeste está parada, a continuação da Ferro-Norte e da Ferro-Oeste (no Paraná), também. A ferrovia do frango ou a transcosteira de Santa Catarina não andam. Temos em São Paulo a Santos-Juquiá, que é uma ferrovia fantástica, praticamente plana, que serviria tanto para carga como para passageiros, que está abandonada”.

Na Grande São Paulo, segundo ele, já se fala em Ferroanel desde os anos 60. Uma parte dele já foi feita, envolvendo as linhas Mairinque-Evangelista de Souza e Ribeirão Pires-Mogi das Cruzes. A variante Norte nunca foi feita, porque está envolvida numa série de interesses contraditórios.

“Daqui para frente, o governo tem de investir efetivamente em ferrovias. Para isso, é preciso, além de vontade política, muita firmeza para contrapor os lobbies – os favoráveis, que sempre querem que uma ferrovia atenda à sua região; e os desfavoráveis, que são os outros modais de transporte que querem aumentar o domínio sobre o mercado”, reivindica o pesquisador.

O novo que já é velho

Com relação ao Trem de Alta Velocidade (TAV), Ralph lembra que se trata de um assunto que está em pauta desde 1968, pelo menos. “O trem-bala, um veículo que pode atingir a velocidades de 300 ou 400 km/h, já foi alvo de vários projetos, discussões e seminários, com desperdício de muito dinheiro. Esta é, entretanto, a primeira vez que se avança até ao ponto de uma licitação, embora já tenha sido adiada por algumas vezes”.

Na opinião do pesquisador, o TAV precisa sair do papel: “O trajeto que ele deverá percorrer, entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, representa o principal corredor nacional em termos de potencial de trem de passageiro e poderá atender a uma clientela que tem poder aquisitivo maior do que a média brasileira. É compreensível que o tramo inicial seja esse, porque é um trecho que, uma vez funcionando, poderá gerar receita para novos sistemas ferroviários de alta velocidade em outras regiões do Brasil”.

Ralph se manifesta contrariamente ao argumento de que o dinheiro a ser aplicado no TAV seria mais produtivo s
e empregado em casas populares, saúde, educação, estradas e outros meios de transporte: “Eu não aceito esse tipo de argumentação, porque se não aplicarem esse dinheiro no TAV, eles não vão aplicar em outro lugar. O governo tem de fazer tudo isso e, se quiser, pode fazer. Os governantes de plantão podem quebrar o País, mas, se quiserem, fazem”.

Fonte: Estadão


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