Ana Rodrigues — Brasília (DF)
As novas obras ferroviárias podem recolocar esse modal de transporte na categoria de importância que ele merece
ANorte-Sul teria como ponto de partida o porto de Guaíra, no Rio Paraná e fronteira com o Paraguai, aproveitando o seu trecho navegável até onde fosse possível, quando então, por via férrea, atravessaria Goiás em direção aos rios Tocantins ou Araguaia onde, por via fluvial, a cidade de Belém (PA) seria alcançada. |
Inacreditável imaginar: esse relato acima é decorrente do Plano Bulhões, datado de 1882. Portanto, o projeto de construir uma ferrovia cortando o Brasil de Norte a Sul e Leste a Oeste é bem mais antigo do que se pensa. Desse período até 1986 várias propostas foram apresentadas, mas nada saiu do papel. Só em 1987 o presidente José Sarney conseguiu lançar essa obra, apontada como uma das mais importantes do País. O então presidente Lula da Silva também acreditou no projeto da Ferrovia Norte-Sul, incluindo-a no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Hoje, são vários os benefícios sociais que estão surgindo com a Ferrovia Norte-Sul. A articulação de diferentes ramos de negócios proporcionados por sua implantação é o resultado mais visível.
A Ferrovia Norte-Sul foi projetada para promover a integração nacional, minimizando custos de transporte de longa distância e interligando as regiões Norte e Nordeste e as regiões Sul e Sudeste, através das suas conexões com 5.000 km de ferrovias privadas. O trecho ferroviário ligando as cidades maranhenses de Estreito e Açailândia já está concluído e em operação comercial desde 1996. Esses 215 km de linha ferroviária se conectam com a Estrada de Ferro Carajás, permitindo o acesso ao Porto de Itaqui, em São Luís.
No Estado do Tocantins, durante o governo passado, foram concluídos 505 km de ferrovia, no trecho entre Aguiarnópolis e o Pátio Multimodal de Palmas/Porto Nacional. O trecho seguinte entre Palmas (TO) e Anápolis (GO), de 855 km, está em obra e deve ficar concluído até agosto deste ano. O investimento é de R$ 2,92 bilhões.
Em janeiro de 2011, começaram as obras de construção de mais 670 km, no trecho que integra a extensão sul da Ferrovia Norte-Sul e vai de Ouro Verde (GO) a Estrela d´Oeste (SP), onde se interligará à Ferronorte. Nesse trecho devem ser investidos cerca de R$ 2,7 bilhões, com previsão de conclusão das obras para o final de 2012.
Ferrovia Oeste-Leste
A necessidade de beneficiar as regiões produtoras de minério de ferro de Caetité e Tanhaçu, no Sul do Estado da Bahia, e as produtoras de grãos no Oeste daquele Estado e Sudeste do Tocantins, fez com que os governos federal e estaduais articulassem a construção da EF 334 – Ferrovia de Integração Oeste-Leste, ligando a Ferrovia Norte-Sul, em Figueirópolis, no Tocantins, ao Porto de Ilhéus, no litoral baiano, cujo projeto quando concluído terá 1.527 km de extensão.
A construção da Oeste-Leste foi definida como uma obra prioritária, tendo, inclusive sido incluída no PAC, sob coordenação da Valec. As obras, no trecho de Ilhéus-Caetité, de 430 km, começaram em janeiro último. O objetivo é chegar a julho de 2013 com o trecho Ilhéus-Barreiras, de cerca de 1.000 km, totalmente finalizado. Os investimentos previstos para a execução das obras da Oeste-Leste serão da ordem de R$ 7,3 bilhões.
A nova ferrovia terá um papel tão relevante para a economia da Bahia, que pode ser comparada à importância que terá a Norte-Sul para a economia brasileira, com a integração das regiões e dos modais de transporte. Estudos iniciais apontam que a sua implantação viabilizará o potencial produtivo do interior e oeste baiano, gerando divisas para os municípios por onde vão passar os trilhos da nova ferrovia, além de milhares de empregos diretos e indiretos.
Os segmentos mais diretamente beneficiados serão os de mineração e produção de grãos, que passarão a contar com uma estrutura de transporte eficiente, mais rápida e de custo mais barato, quer para o mercado interno, quer para a exportação.
A Ferrovia de Integração Oeste-Leste terá sua implantação em duas etapas: a primeira, que vai de Ilhéus a Caetité, na Bahia, tem uma extensão de 537 km, cuja construção deverá ser concluída em julho de 2012. A segunda etapa, também na Bahia (Caetité/Barreiras/São Desidério), trecho de 485 km, tem término de construção previsto para julho de 2013.
Ferrovia Centro-Oeste
Outra obra que a Valec está empenhada em iniciar ainda em 2011 é a EF 354, no trecho que vai da Norte-Sul em Campinorte (GO) a Vilhena (RO), num total de 1.638 km e um custo estimado de R$ 6,4 bilhões.
A ferrovia Centro-Oeste terá sua implantação em duas etapas: primeira etapa de Campinorte (GO) a Lucas do Rio Verde (MT). São 1.040 km, cujas obras devem ter início em 2011, no segundo semestre, com conclusão prevista para o final de 2014. O investimento é de R$ 4,1 bilhões.
Para a segunda etapa, que abrange Lucas do Rio Verde (MT) a Vilhena (RO), os 598 km de extensão ainda não tem previsão de início. O investimento será de, aproximadamente, R$ 2,3 bilhões.
Se esses investimentos forem realmente aplicados e a obra tiver continuidade, o Brasil terá grandes chances de reparar as falhas existentes no seu Plano Nacional de Logística de Transporte e oferecer condições efetivas para o seu crescimento sustentável, amparado por uma estrutura sólida, que integra todos os modais de transporte.
Segundo o então presidente da Valec, José Francisco das Neves, a empresa é a protagonista na retomada dos investimentos públicos no setor ferroviário, com recursos superiores à R$ 12 bilhões assegurados pelo PAC. “Designamos esse recurso em estudos, projetos e obras ferroviárias, permitindo que a empresa possa trabalhar para entregar 1.359 km de novas ferrovias à sociedade brasileira até agosto”, afirmou Neves antes de deixar o cargo em julho.
Quase 4.000 km em obras
Um dos maiores entraves para a construção de ferrovias no Brasil é o período das chuvas. Um caso emblemático nesse quesito para a Valec está em trecho da Ferrovia Norte-Sul. A Revista O Empreiteiro conversou com José Francis
co das Neves, então presidente da empresa pública Valec, antes de escândalos atingirem o ministério dos Transportes, sobre as obras na malha ferroviária nacional.
É possível, ainda, um freio nas obras da Ferrovia Norte-Sul?
A obra anda a todo vapor e não existe nenhum empecilho. A previsão feita no início do projeto era dezembro de 2010. Porém, quando começaram os trabalhos vimos que as obras eram extensas demais. O principal problema foram as chuvas. Ano passado choveu demais e o trabalho só pode ser recomeçado agora em maio, mas num prazo de três meses nós vamos estar com toda a grade pronta. Bastarão três meses de sol. Eu já posso dizer que a Ferrovia Norte-Sul é uma realidade em Anápolis e, daqui a dois anos, será realidade em São Paulo, porque ainda em julho lançamos os primeiros trilhos em Minas Gerais e no território paulista. Da mesma forma já começaram as obras da Ferrovia Leste-Oeste e, também neste ano, vamos instalar os primeiros trilhos no trecho de Ilhéus até Barreiras, na Bahia. Estamos hoje com quase 4.000 km de ferrovias em obras e imagine você a gestão disso tudo.
Quais percursos de Ferrovia Norte-Sul já estão prontos em Goiás?
Falta menos de 100 km com toda a base pronta. Dá pra considerar essa ferrovia como pronta no estado. Estamos coordenando com o ministério dos Transportes há pouco tempo para que o ministério comece a pensar na logística da ferrovia; a implantação dos pátios multimodais, inclusive a parte de operação dentro da nova modelagem de contrato. O governo vai acabar com o monopólio e todos os tipos de carga vão transitar pela Norte-Sul, não só minério, como é hoje.
Recentemente, houve queixas que muitas casas na região de Anápolis foram afetadas pelas obras da Norte-Sul. Como a Valec está administrando essa situação?
Posso te garantir que a Valec não tem responsabilidade por esses danos. Analisamos o problema, fizemos o diagnóstico, mas não temos realmente que assumir essa culpa. De qualquer forma, estamos do lado da população. Não queremos insatisfação, muito pelo contrário. Todavia, este caso deve ser melhor investigado.
É possível afirmar que o país está avançando em relação às ferrovias?
Sim. Já chegamos a ter no Brasil em torno de 40 mil km de ferrovias e hoje temos 28 mil km e, operando, apenas 12 mil km. A maior parte virou lenha porque os dormentes eram de madeira. Hoje não, é tudo de concreto. A própria concepção da ferrovia em si foi demolida; as locomotivas viraram sucata e, num passado recente, chegamos ao caos no setor ferroviário. Creio que estamos restabelecendo a cultura de ferrovia.
O Trem do Pantanal e o Trem Pequi representariam a retomada da cultura do trem de passageiros no Brasil?
Estamos construindo essa obra já trazendo as devidas compensações para que a população tenha cada vez melhor qualidadede vida. Nossa participação na questão do Trem do Pantanal diz respeito apenas à parte de construção. Na minha opinião, a melhor alternativa será implantar o Trem Pequi ligando Goiânia a Brasília, saindo de Senador Canedo, passando por Anápolis na plataforma do Porto Seco e chegando ao Park Shopping, em Brasília, com 1 hora e 20 minutos de viagem. No momento em que for implantado o Trem Pequi, os goianos poderão trabalhar em Brasília e voltar para caso todo dia, com mais segurança, conforto e velocidade. Trabalharemos para que, daqui a três anos, essa linha esteja pronto.
Qual a importância logística do Porto Seco, da Plataforma Logística de Anápolis e de sua localização geográfica para a Norte-Sul e vice-versa?
Não dá para mensurar ainda. Por exemplo, a Plataforma Logística de Anápolis deverá fazer, a partir daqui para todo o Brasil, a distribuição de eletrodomésticos fabricados na Zona Franca de Manaus. Perceba por aí como já começam as coisas.
E as próximas concessões?
A Valec não vai mais dar concessão a uma única empresa, mas sim venderá capacidade de transporte de carga. Então, estaremos chegando ao fim do monopólio no transporte ferroviário.
Fonte: Estadão